Em seu artigo, o professor Nelson Pretto, da UFBA, fala de um encontro inusitado entre a computação, a solidariedade e o Candomblé
Uma dia desses, visitava Mãe Stella de Oxóssi, no Ylê Axé Opô Afonjá e, nem bem lá cheguei, fui recebido por uma pergunta sua, à queima roupa: professor, e esse negócio de aplicativos, o que é mesmo isso?
Confesso que fiquei surpreso com a pergunta. Surpreso de bobo, pois, desde sempre que com ela converso, percebo a vitalidade e a vibração em seu pensamento, um pensamento em ebulição permanente. Mas, confesso, não imaginava que ela iria adentrar pelo campo das tecnologias digitais de comunicação. Pois qual nada, assim que expliquei o que eram esses aplicativos, ela afirmou que seria muito bom o Axé também ter um. Não exitei e lhe disse que, tinha certeza, se provocasse os amigos do Raul Hacker Club, eles topariam a empreitada.
Acertei na mosca. Mal saí de sua casa, peguei o celular e chamei a turma pelo Telegram, onde temos um grupo para trocar mensagens de forma mais segura que outros mensageiros famosos. A reposta foi quase instantânea. Eu topo, eu topo! e, pronto, Cascudo e Ladeia assumiram iniciar a empreitada.
Essa turma do Raul é genial. É um grupo de jovens programadores e aficionados pelo universo da computação e da solidariedade que montou esse hacker club aqui em Salvador (aqui http://raulhc.cc e ali no Rio Vermelho), com uma programação repleta de atividades: cursos, bate papos, almoços coletivos (a tradicional gororoba hacker), jogos, programação para crianças e tudo mais que for pintando na pauta – essa, construída em rede e de forma coletiva.
Os hacker clubs estão aparecendo em diversas partes do país, mobilizando a juventude que quer por a mão na massa, escrevendo programas de computador, e, de quebra, querendo programar uma país melhor!
Esses grupos nascem da iniciativa de jovens que se articulam em torno de projetos e, com isso, ampliam as possibilidade do fazer junto, trazendo para esses espaços os que tem o desejo de compartilhar saberes e aprendizagens. Pesquisa em andamento de Karina Menezes, aponta que no site hackerspace.org estão listados mais de 500 hacker clubs, sendo que, pelo menos, 17 no Brasil. O que ela está observando é que esses movimentos têm em comum a adoção do software livre e a cooperação como base de suas atividades.
Voltando à Bahia e ao nosso aplicativo, o que se está buscando com ele é incluir algumas falas e orientações de Mãe Stella e um pouco do cotidiano do povo yorùbá, incluindo a sua língua. Para esta parte, a colaboração fundamental do Ogan José Beniste, que reside no Rio de Janeiro e está colaborando com entusiamo com o projeto. O que se busca com isso, é dar a oportunidade para a juventude, fanática pelas comunicações instantâneas, possa resgatar a língua Yourubá através de alguns provérbios milenares e, com isso, fortalecer a cultura afro, especialmente o Candomblé.
Para isso acontecer, uma primeira versão está sendo finalizada e, seguindo o espírito hacker, vai para a rede para, a partir do uso, continuar a ser desenvolvida e aperfeiçoada por todos.
Esse princípio do coletivo, que é a marca do movimento hacker, é também do Candomblé. Com isso, queremos dizer que, quem sabe, Candomblé e hacktivismo têm tudo a ver. Axé.
Nelson Pretto é professor da Faculdade de Educação da UFBA – nelson@pretto.pro.br
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