A mecânica quântica impulsiona avanços na medicina, das imagens por ressonância magnética às terapias inovadoras em oncologia.
(John Fontenele de Araújo)
A Unesco celebra o ano de 2025 como o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas. Para a maioria das pessoas, a mecânica quântica é percebida como um campo abstrato e distante da realidade cotidiana. Porém, na verdade, ela é um dos pilares fundamentais da tecnologia moderna e, talvez você não saiba, da medicina. Suas leis e princípios, que governam o comportamento da matéria e da energia em escalas atômicas e subatômicas, permitiram avanços revolucionários que moldaram profundamente o mundo em que vivemos. Longe de ser apenas uma curiosidade científica ou um passatempo de pesquisadores nerds, a mecânica quântica é a base invisível sobre a qual muitas das inovações mais críticas de hoje são construídas, sendo suas contribuições para a saúde humana particularmente impactantes.
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Um dos exemplos mais visíveis da aplicação da mecânica quântica na medicina é a ressonância magnética nuclear (RMN), ou, como é mais amplamente conhecida, a ressonância magnética (RM). Esse método de diagnóstico por imagem, que se tornou indispensável na medicina moderna, funciona explorando o spin quântico dos núcleos de hidrogênio presentes no corpo. Ao submeter o paciente a um forte campo magnético, esses núcleos se alinham. Pulsos de radiofrequência então perturbam esse alinhamento, e a forma como os núcleos retornam ao seu estado original gera sinais que são capturados e transformados em imagens detalhadas de órgãos, tecidos moles e estruturas ósseas. Sem a compreensão dos princípios quânticos do spin e da interação entre matéria e campos magnéticos, a RM simplesmente não existiria, privando a medicina de uma ferramenta não invasiva e poderosa para detectar doenças como tumores, derrames e lesões ortopédicas.
Outra área crucial em que a mecânica quântica se manifesta é na tomografia por emissão de pósitrons (PET). Essa técnica de imagem funcional detecta a emissão de pósitrons, antipartículas dos elétrons, que surgem do decaimento radioativo de isótopos incorporados em moléculas biologicamente ativas. A aniquilação de um pósitron com um elétron resulta na emissão de dois fótons em direções opostas, que são detectados pelos equipamentos do PET. A mecânica quântica é essencial para entender não apenas o processo de decaimento radioativo e a aniquilação matéria-antimatéria, mas também para o desenvolvimento dos detectores sensíveis que capturam esses eventos com precisão.
A ideia de antimatéria, que surgiu dos modelos matemáticos de Paul Dirac (1902-1984) quando ele uniu a física quântica e a teoria da relatividade para explicar a dinâmica das partículas elementares, hoje virou um importante equipamento utilizado em oncologia, que salva vidas.
O PET é vital para o diagnóstico e o monitoramento de câncer, doenças neurológicas e cardíacas, permitindo aos médicos visualizar a atividade metabólica e o fluxo sanguíneo em tempo real. Se você achava que antimatéria era pura ficção científica, estava enganado: a ideia de antimatéria, que surgiu dos modelos matemáticos de Paul Dirac (1902-1984) quando ele uniu a física quântica e a teoria da relatividade para explicar a dinâmica das partículas elementares, hoje virou um importante equipamento utilizado em oncologia, que salva vidas.
Além das técnicas de imagem, a mecânica quântica é fundamental para o desenvolvimento de lasers, que encontram inúmeras aplicações médicas. Desde a cirurgia ocular a laser (LASIK) para correção da visão, passando pela remoção de tatuagens e tratamentos dermatológicos, até procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos, os lasers dependem diretamente da mecânica quântica para seu funcionamento.
O processo de emissão estimulada de radiação, que é o princípio fundamental de um laser, é um fenômeno puramente quântico, no qual elétrons em átomos são excitados e, ao retornarem a um estado de menor energia, emitem fótons que são coerentes e amplificados.
A pesquisa em nanomedicina também se beneficia enormemente da mecânica quântica. A manipulação de materiais em escala nanométrica permite a criação de sistemas de entrega de medicamentos mais eficazes, biossensores altamente sensíveis e novas abordagens para diagnóstico e tratamento. As propriedades quânticas dos nanomateriais, como o confinamento quântico em pontos quânticos para imagem biológica ou as propriedades catalíticas de nanopartículas, são a chave para essas inovações. A compreensão de como as interações em nível quântico influenciam o comportamento desses materiais é essencial para o avanço da medicina nesse domínio.
Então, meu caro leitor / minha cara leitora, a mecânica quântica, embora complexa em sua essência, transcendeu o reino da física teórica para se tornar uma força motriz por trás de grande parte do progresso tecnológico e médico contemporâneo. Suas contribuições, especialmente no campo da medicina, são onipresentes e, muitas vezes, invisíveis para o público em geral.
Desde a visualização detalhada de órgãos internos até o desenvolvimento de terapias inovadoras, a mecânica quântica não é apenas importante: ela é indispensável, continuando a abrir novas fronteiras para a compreensão e o tratamento das doenças, impactando diretamente a qualidade e a expectativa de vida de bilhões de pessoas em todo o mundo.
Em 2025, estamos celebrando o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quânticas, o que, na verdade, mostra o quanto é fundamental investir em ciência básica. Afinal, quem, há um século, diria que a mecânica quântica traria tantas contribuições para a medicina?
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John Fontenele Araújo é professor titular do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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