Mais sono e menos celulares das escolas (Parte 2) Artigos

terça-feira, 4 fevereiro 2025
Uma criança ou adolescente dormindo em sala de aula é um problema sério (Imagem: Canva)

Que as escolas que sejam ambientes agradáveis, bonitos livres e cheia de professores e funcionários com bons salários.

(John Fontenele Araújo)

Na primeira parte desse texto, discute-se a recente proibição do uso de celulares nas escolas brasileiras, sancionada pelo presidente Lula em janeiro de 2025. A Lei n.º 15.100/2025 impede o uso de dispositivos portáteis durante aulas e intervalos, exceto para fins pedagógicos, acessibilidade ou emergência. A questão da operacionalização levanta desafios para escolas. O debate insere-se no contexto do impacto da tecnologia na educação, com estudos mostrando distração e queda no desempenho. Outros países também adotaram restrições semelhantes.

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Desigualdade econômica

Um argumento contra a proibição do uso de celular é que, para os países subdesenvolvidos e com ampla desigualdade econômica, como o Brasil, o celular é o único instrumento tecnológico com acesso à internet para os mais desfavorecidos. A proibição do celular retiraria a única oportunidade de se beneficiar do uso de novas tecnologias na sala de aula. Os custos de curto e longo prazo do uso da tecnologia digital parecem ter sido significativamente subestimados pelos legisladores que aprovaram as leis que proíbem o uso de celular nas escolas.

É claro que consideramos legítima a preocupação dos professores e legisladores, principalmente sobre a relação entre o uso do celular e a saúde mental. Os celulares são uma fonte significativa de distração dos estudantes. O uso pode diminuir as interações sociais e, adicionalmente, não podemos esquecer que o uso de celulares por crianças pode ser um meio para registrar e compartilhar informações sem consentimento. Para os defensores da proibição, espera-se que ocorra uma melhoria no desempenho acadêmico e um fortalecimento das habilidades sociais.

No entanto, esses impactos são duvidosos e, por isso, faz-se necessário um amplo debate, reconhecendo que o alto sofrimento psíquico dos estudantes decorre de uma complexidade de fatores intrínsecos à escola e externos a ela, alguns dos quais apresentam uma interdependência entre organização escolar e social. Por isso, defendemos que as políticas públicas para educação sejam baseadas em conhecimentos científicos.

(Imagem gerada pelo autor do texto)

Por exemplo, existem inúmeras evidências de que o sono é um processo fisiológico fundamental para que ocorra uma aprendizagem eficiente. Hoje, sabemos que o sono é uma função biológica essencial para a saúde e o bem-estar humanos. O sono não é apenas uma fase de descanso para o corpo, mas um fenômeno ativo e heterogêneo. Durante o sono, ocorrem diversos eventos neurais que desempenham um papel fundamental na manutenção do nosso equilíbrio físico, mental e emocional, além de contribuir para a restauração física, a consolidação da memória, a regulação emocional e a manutenção da saúde metabólica, imunológica e cardiovascular.

Déficit cognitivo

Tanto em experimentos com modelos animais quanto em humanos, a privação de sono total ou parcial provoca um déficit em testes cognitivos. Por isso, queremos chamar a atenção de gestores, diretores, pais, estudantes e legisladores sobre a importância do sono no contexto da educação brasileira.

Uma evidência importante é a grande quantidade de estudantes sonolentos durante as aulas. Gosto sempre de dizer que uma criança dormindo em sala de aula é um problema sério, pois isso não deve ser decorrente da falta de motivação do professor. Quando uma criança não está motivada para a aula, ela não dorme como os adultos; naturalmente, ela bagunça. Essa criança está sonolenta porque a escola está lhe roubando o sono diurno. Cochilos durante o dia são naturais para os menores de 10 anos.

Outra evidência experimental interessante tem sido a demonstração de que permitir que as crianças do ensino fundamental possam dormir em determinado momento na escola promove uma melhora na aprendizagem. Na UFRN, o professor Sidarta Ribeiro está atualmente desenvolvendo um projeto de pesquisa chamado “Soneca Escolar”. Esse projeto está sendo executado pela mestranda em neurociências Flora Assaf, do Instituto do Cérebro (ICe-UFRN). Na última pesquisa realizada pelo laboratório de Sidarta, crianças do 1.º ano do ensino fundamental que participaram do protocolo e puderam tirar uma soneca na escola dobraram sua velocidade de leitura. Agora, a pesquisa quer levar essa melhoria às escolas do Rio Grande do Norte.

Horário para o início das aulas

Nos Estados Unidos, a Academia Americana de Pediatria, a Associação Médica Americana e o Centro Nacional de Prevenção de Doenças Crônicas e Promoção da Saúde propõem que as aulas não comecem antes das 8h30. Em vários estados norte-americanos já existem leis que regulam sobre o horário de início das atividades escolares. É importante enfatizar que isto se torna mais necessário para os adolescentes, pois é nesta fase que ocorrem mudanças no ciclo sono-vigília, quando os estudantes passam a ter uma maior dificuldade para antecipar o horário de início do sono noturno.

Adicionalmente, temos os estímulos luminosos decorrente do uso aparelhos eletrônicos como telefones celulares, além da autonomia para determinar seu horário de sono. No Brasil, com a nossa participação, a Associação Brasileira do Sono elaborou um dossiê sobre “Horários Escolares e Implicações no Sono de Adolescentes” em que apresentamos um conjunto de orientações para gestores educacionais, professores, estudantes e pais.

Consideramos que o fundamental para termos mudarmos a realidade da educação básica e do ensino médio no Brasil é preciso agirmos em várias frentes. Por exemplo, é preciso garantir melhores condições para que as nossas crianças e os nossos jovens tenham um ambiente educacional, tanto em sua dimensão espacial quanto temporal adequados para atual realidade. Que as escolas que sejam ambientes agradáveis, bonitos livres e cheia de professores e funcionários com bons salários. As decisões sobre como a escola deve funcionar deve ser decidida através de um diálogo entre estudantes, professores, pais e gestores escolares. Precisamos construir a nossa democracia dentro da escola e que o diálogo seja realmente parte do processo de formação do cidadão. Meu desejo é que as escolas sejam uma “ESCOLA COM MAIS SONO e SONHO E MENOS CELULARES”.

Leia a primeira parte desse texto.

John Fontenele Araújo é professor titular do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Uma resposta para “Mais sono e menos celulares das escolas (Parte 2)”

  1. Questão muito importante para ser debatida, professor. Parabéns!

    Ainda não tenho opinião formada sobre mais uma lei populista, sem embasamento científico / pragmático. Mas uma coisa é certa: deveríamos desenvolver aulas mais interessantes do que o celular. Para mim, isso preponderaria sobre mais uma lei que não funcionará.

    Sigamos.

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