As patentes geradas nas instituições universitárias passam a ser vistas como um indicador estratégico de sua inserção nos contextos nacional e internacional
Por Carlos Alberto da Silva e Vaneide Ferreira Lopes
O processo de patenteamento na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) apresentou um acréscimo no número de registros de patentes de invenção no biênio 2017-2018, tal fato merece reflexões. Saímos de um patamar de 26 depósitos por mais de uma década, mas especificamente entre os anos 2004-2016, para um crescimento vultoso de 80 registros de patentes no ano de 2017 e 83 depósitos de patentes juntamente com 35 registros de softwares no ano de 2018.
Diante dos fatos, o ano de 2017 pode ser considerado um ponto de inflexão na gestão do conhecimento produzido na UFCG, acumulando quando somados os depósitos ocorridos em 2018, um total de 163 patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Assim, podemos considerar que se faz necessário uma avaliação criteriosa, para uma compreensão maior desses dados.
A primeira questão a ser colocada: qual foi a mudança na concepção da gestão do conhecimento na UFCG que proporcionou tal crescimento? Em seguida, quais aspectos relevantes deverão ser considerados para que esse desempenho seja sustentável? Por fim, quais os novos desafios para os gestores da propriedade intelectual na UFCG, após esses excelentes resultados?
São questões que não poderão deixar de ser percebidas, pois as patentes geradas nas instituições universitárias passam a ser vistas como um indicador estratégico de sua inserção nos contextos nacional e internacional. Dado as mudanças nas bases produtivas, a concepção da universidade como geradora de novas ideias ganha destaque, bem como as interações entre os atores Universidades – Governos – Empresas que se tornaram primordiais para a busca de soluções de problemas e na construção de novas trajetórias de inovação.
Uma boa razão para explicar o excelente desempenho no processo de patenteamento da UFCG poderia ser creditada a uma mudança comportamental do reitorado atual em relação à contratação de profissionais com habilidades para desenvolver atividades no Núcleo de Inovação e Transferência Tecnológica (NITT/UFCG), bem como aquisições de novos equipamentos e softwares para cumprir sua função básica, qual seja a de proteger, negociar e fazer a gestão da propriedade intelectual prevista no Novo Marco Regulatório de Ciência, Tecnologia e Inovação.
É provável que esse sucesso da UFCG no ranking de pedidos de registros de patentes, destacado pela mídia nacional e nas redes sociais, seja fruto de uma emergente cultura empreendedora que vem se consolidando no interior da instituição: a universidade compreendida como um vetor de progresso na região e como promotora de parcerias com o setor empresarial e demais instituições públicas. Com essa nova concepção, a UFCG já abriga em sua estrutura interna um núcleo de inovação, incubadoras de empresa, empresas juniores e em seu entorno Parque Tecnológico e o Centro de Inovação Tecnológica Telmo Araújo.
Esse quadro pode não ser novidade, pois historicamente em seus 17 anos de existência a UFCG preservou o modelo de universidade criativa e inovadora, herdado da antiga Escola Politécnica da Paraíba, carinhosamente chamada POLI, e que sobrevive no imaginário de sua comunidade acadêmica.
No entanto, é importante entender o funil da gestão de patentes nas instituições universitárias para depois se ter conhecimento de sua posição na cadeia da inovação. O depósito de patente apenas qualifica a universidade como provável fornecedora de informação tecnológica para as empresas e resguarda o direito de retorno financeiro. Nessa fase, os aspectos relevantes da gestão são: investigar o estado da técnica em determinados campos da tecnologia, redigir patente, estimar os custos e definir quais países deverão ser registrados os pedidos de patentes.
A expectativa da certificação da patente envolve a incerteza: será que a tecnologia reivindicada é mesmo nova para o mundo? Pois esse é o principal atributo na concessão da patente de invenção. O processo de verificação desse critério, por parte do escritório de proteção de patentes, é bastante rigoroso. A sua realização é feita através de exame técnico e de busca de anterioridade. Leva em média de 2 anos, meta recente do INPI de combate ao backlog, ou seja, “reduzir o número de pedidos de patente de invenção com exame requerido e pendentes de decisão.” Esse tempo já foi muito maior, em torno de 8 anos.
A concessão da patente permite ao titular da invenção um período de 20 anos de exclusividade, e à instituição universitária a obtenção de recompensa monetária via autorização de sua exploração por terceiros ou mesmo vendê-la.
Certificada a patente, a invenção tem que passar pela parte mais estreita do funil: a comercialização e licenciamento. É aqui que reside o ponto fraco dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs). Porque isso requer uma cooperação universidade-empresa intensa, envolvendo interesses e lógicas diferentes. Nessa fase, a invenção inovadora se transfigura em um novo produto, novo processo ou contribuiu para a competitividade das empresas aprimorando produtos e processos já existentes. Apenas no mercado é que se confirma a aceitabilidade das pesquisas inovadoras, gerando premiação aos pesquisadores tanto monetariamente quanto os qualifica cientificamente junto aos seus pares e sociedade.
Vale salientar que os NITs têm orientado com eficácia os pesquisadores a protegerem os novos conhecimentos tecnológicos produzidos em seus laboratórios que ocorrem, geralmente em parcerias com outros agentes públicos e privados. Essa é uma posição estratégica na cadeia de inovação ao ofertar novas tecnologias para solucionar problemas e atender necessidades em diversos campos do conhecimento e, ao mesmo tempo abrir novas oportunidades de cooperação técnico-científica com empresas e instituições do Sistema Internacional, Nacional e Local de Inovação.
Portanto, o desafio do NITT/UFCG agora é muito maior. Requer expertise para valorar, comercializar e licenciar tecnologias, staff que entenda de mercado. Não se deve ter ilusão de que as 163 patentes de invenção acumuladas no biênio 2017-2018 chegarão ao mercado. Interessante observar que parte dos pedidos de registro de patentes constitui apenas uma ideia ou uma tecnologia desenvolvida em escala laboratorial, ou seja, com grande caminho a percorrer até o mercado.
Importantes ferramentas da economia e da gestão de negócios poderão ser bastante úteis na passagem das ideias e inventos para os mercados. Cabe salientar que dentro das instituições universitárias existem essas competências que poderão dar suporte a passagem supracitada, além de contribuir para um maior engajamento entre as diversas áreas do conhecimento. Entre elas destacam-se: prospecção tecnológica, estudos de mercados, identificação de oportunidades de negócios, modelos e planos de negócios, entre outras. Em resumo, para a pesquisa inovadora o problema maior não é o processo para obter uma patente, mas sim a sua comercialização, ou seja, chegar ao mercado.
Como bem observou Miyamoto Musashi, poeta e pintor japonês (1584–1645): “Em estratégias é importante ver o que está distante como se estivesse perto e ter distanciamento do que está próximo.” O trabalho apenas iniciou. Mãos à obra!
Carlos Alberto da Silva é Doutor em Engenharia de Produção e Líder do Laboratório de Pesquisas em Economia Aplicada e Engenharia da Produção (LAPEA). Vaneide Ferreira Lopes é Doutora em Engenharia de Produção e Líder do Grupo Inovação, Tecnologia e Pesquisa na Paraíba (GiTecPB).
Carlos Alberto da Silva e Vaneide Ferreira Lopes
Artigo lúcido e realista. As universidades ainda têm um grande caminho pela frente e o parceiro fundamental nessa caminhada é o empreendedor.
Prezado Carlos Alberto, abri o seu arquivo para leitura imaginando ser apenas uma exaltação de alegria pelo número de patentes depositadas, me enganei, você mostrou firmeza no seu propósito de extrapolar as barreiras da PI e fazer o uso correto da ferramenta.
Parabéns pelo trabalho e muito sucesso.
Excelente trabalho realizado em Campina Grande. Precisamos aprender a usar estrategicamente a propriedade industrial. Este é um bom modelo.
Belo texto. Pensar a sustentabilidade da universidade do século XXI requer traçar uma estratégia para salvaguarda de patentes de invenções produzidas.
Prezado Professor Carlos, parabéns pelo seu artigo! Este é de uma lucidez ímpar. Por muitas vzs, o depositante de patentes se preocupa em apenas depositar seu pedido, e acaba esquecendo de um aspecto importante: Gerar inovação! ou seja, aquela patente se transformar em algo concreto e trazer para sociedade a resolução de um problema. Ganha com isso todo os participantes, a sociedade, o inventor, e o país.
Tenho feito algumas disseminações aqui em Sergipe sobre o tema. Precisamos alavancar a cultura da propriedade industrial na sociedade Brasileira. ICTs, empresas e o Estado Brasileiro precisam conversar melhor. Para assim, podermos melhorarmos nosso ecossistema. Trabalhar em rede é a palavra de ordem. Um grande abraço e vamos à luta!