O professor Ricardo Ojima comenta aprovação pelo Senado do Marco legal da Primeira Infância. PLC 14/2015 agora aguarda sanção da presidenta Dilma Roussef.
Nesta quarta-feira (3) foi aprovado pelo Senado o projeto que cria o Marco Legal da Primeira Infância (PLC 14/2015). Marcada por importantes ações com foco nas crianças de zero a seis anos de idade, a proposta discute saúde, alimentação, educação, cultura, lazer e até meio ambiente. A primeira infância é uma etapa do ciclo de vida considerados por muitos estudos como fundamental para o desenvolvimento da capacidade cognitiva e psicomotora. São informações e valores que o indivíduo absorve e mantém pelo resto de sua vida e que podem condicionar em muito suas opções futuras de escolaridade, trabalho, relações sociais.
Entre outros pontos importantes, o texto aprovado expande a educação básica para crianças de zero a três anos, criando uma pressão para o poder público oferecer vagas para essa faixa etária. Neste ponto, os desafios são grandes se considerarmos os dados recentes. Considerando o Rio Grande do Norte e o Nordeste como um todo, entre 2000 e 2010, houve uma redução de 15% e 16% na quantidade de crianças entre zero e três anos, respectivamente. Reflexo das baixas taxas de fecundidade experimentadas em todo o país e que ocorreram mais bruscamente no Nordeste e o RN.
Fonte: Estimativas: IBGE/Projeções demográficas preliminares; Dados Diretos: MS/SVS – SINASC
A frequência de crianças nessas idades em creches no RN passou de 14,7% em 2000, para 27,3% em 2010, segundo dados do Censo Demográfico 2010. Mas, apesar deste relativo crescimento da cobertura, apenas 65% o faziam na rede pública em 2010. A proposta aprovada no senado é, portanto, uma iniciativa importante, mas que está longe de ser uma realidade para União, estados e municípios. Oferecer educação nesses grupos etários tem particularidades que vão desde a quantidade de profissionais por criança até a distribuição espacial das creches, que não pode ser muito distante das residências dessas crianças.
Por essas e outras razões, o conhecimento da dinâmica demográfica é fundamental para que se definam as metas e se elaborem políticas para cumprir esses marcos. Os dados censitários permitem identificar com muita clareza a distribuição espacial do público-alvo de diversas políticas sociais. Portanto, em contextos de recursos financeiros limitados, faz-se fundamental otimizar investimentos e saber com maior precisão onde é necessário oferecer estas vagas. Além de um diagnóstico demográfico para saber onde residem as famílias com crianças de zero a três anos, é imprescindível elaborar projeções demográficas em níveis de bairros.
Veja um vídeo sobre o assunto.
Mas talvez o ponto mais polêmico deste marco legal não seja este, pois o mesmo texto também propõe o aumento do tempo da licença-paternidade, para que os pais possam estar mais presentes para cuidarem dos recém-nascidos. O texto, que vai à sanção presidencial, aumenta, por meio do Programa Empresa-Cidadã, de 5 para 20 dias a licença-paternidade. Direito que também se estenderá para quem adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção. Além de todos os benefícios que esta medida pode ter na vida da criança e da família, trata-se de uma medida importante na direção de minimizar a tendência de queda acentuada da fecundidade.
Como vimos, o número médio de filhos por mulher hoje no Brasil (e também na região Nordeste e o Rio Grande do Norte) já está abaixo do nível de reposição da população. Em uma população, para que se mantenha o volume populacional estável, é necessário que cada mulher tenha em média 2 filhos. O RN já está com uma taxa de 1,7 filhos por mulher e a tendência é de queda persistente. Diversos países do mundo, sobretudo na Europa, já passam por esses problemas de queda da fecundidade e redução do tamanho da população e para enfrentar os desafios gerados por essa situação demográfica uma das políticas utilizadas é exatamente a ampliação da licença trabalhista para ter filhos.
Veja link sobre o assunto.
Alguns países possuem licenças de até um ano que se estendem tanto para pais como mães, podendo ser compartilhada e dividida por ambos. Na Suécia, um dos países pioneiros nessa discussão, a licença é 480 dias que podem ser compartilhadas entre o casal, mas é obrigatório que os homens permaneçam pelo menos 90 dias com a licença. Com uma das menores taxas de fecundidade do mundo, a Suécia vem adotando políticas que encorajem os casais, mas sobretudo, as mulheres a terem filhos. Diversos estudos apontam que um dos motivos apontados pela decisão de não ter filhos (ou posterga-los) entre as mulheres não são questões financeiras, mas principalmente a dificuldade em gerenciar o tempo entre emprego, cuidados domésticos e filhos.
Portanto, trata-se de uma questão de maior equilíbrio nas relações de gênero e não necessariamente financeiro, pois mesmo em países europeus que oferecem valores em dinheiro para cada filho adicional que a família tenha, os níveis de fecundidade permanecem muito baixos. Assim, a ampliação da licença-paternidade no Brasil, mesmo que ainda em caráter condicionado e limitado apenas a menos de 1 mês, já um grande avanço se considerarmos as pressões dos setores empresarias em torno dessa medida. Os níveis de fecundidade do Brasil já são muito próximos destes países Europeus e os desafios demográficos aqui serão muito mais intensos e difíceis de serem enfrentados. Assim, medidas e políticas que visem maior equilíbrio de gênero e apoio familiar no cuidado das crianças poderão contribuir para, no futuro, manter as taxas de fecundidade brasileiras dentro de um limite mínimo de estabilização do crescimento.
Veja um vídeo sobre o assunto.
Há aqueles que vão contestar a importância dessa medida, pois na prática isso não garante de forma alguma que haverá maior participação dos pais no cuidado das crianças. Mas toda mudança de comportamento na sociedade é lenta e gradativa. E, para alguns homens que gostariam de ter participado mais nos primeiros dias de vida de seu primeiro filho, será uma notícia bem-vinda e, talvez, possa até incentivar o casal a ter um segundo filho. Com maior tempo para o pai e, consequentemente, para a mãe.
Ricardo Ojima é coordenador do programa de Pós-Graduação em Demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
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