Em seu artigo publicado no Jornal da Ciência, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, da Fapemig, comenta sobre a crise econômica no Brasil e os investimentos em C&T
Como enfrentar uma crise econômica? Essa pergunta poderia gerar várias respostas, mas o que vemos é uma receita única recitada com a convicção digna de jihadistas. Proponho uma reflexão: vamos analisar uma situação de crise que foi combatida com sucesso, e ver o que foi feito.
Refiro-me à Crise Asiática de 1998, que afetou gravemente a economia mundial (Brasil incluído, e que levou a uma maxidesvalorização do Real). Essa crise atingiu primariamente as economias da Coreia do Sul, Japão, Rússia e Indonésia. O PIB da Coreia do Sul caiu 5,5% nesse ano. A situação ficou tão grave que este país esteve à beira da moratória e da falência. Podemos refrescar nossa memória relendo as matérias publicadas, por exemplo, na Folha de São Paulo (FSP) naquele ano. Em 6 de janeiro de 1998, a FSP publicou, sob o título “Risco de Moratória”, a informação: O governo da Coréia do Sul planeja emitir US$ 35 bilhões em bônus para evitar a moratória, informou ontem o jornal norte-americano “The New York Times”.
Dois dias depois (8/1/1998), a revista Nature publicou a seguinte informação: Recent stock Market and currency turmoil has hit South Korea’s economy hard, but despite this the government has approved a five-year science and technology innovation plan designed to increase government-funded research and development to boost economic growth (A recente turbulência cambial e de mercados de ações atingiu duramente a economia da Coreia do Sul, mas apesar disso o governo aprovou um plano quinquenal de ciência e inovação tecnológica projetado para aumentar a pesquisa e desenvolvimento financiados pelo governo para impulsionar o desenvolvimento econômico). Em outro trecho da matéria, que também trata de medida semelhante feita pelo Japão, lê-se: Kim [fonte do Ministério de Ciência e Tecnologia coreano] acknowledges that this will be “quite difficult” in the current economic climate, but argues that improving and increasing basic research is essential for future prosperity (Kim reconhece que isso será “bastante difícil” no atual clima econômico, mas argumenta que melhorar e aumentar a ciência básica e essencial para a prosperidade futura).
A vantagem de olharmos para situações no passado é que podemos ver se essa estratégia funcionou. Vamos aos fatos. Em 11 de agosto, ainda em 1998, a FSP publicou sob o subtítulo “Bolsas abrem em alta no Japão e na Coréia do Sul” a seguinte informação: Também a Bolsa de Seul, na Coréia do Sul, abriu hoje em alta de 2,27%, impulsionada pela expectativa de que o governo iria anunciar medidas para incentivar o crescimento da economia, incluindo cortes nas taxas de juros. Mais adiante, em 22/09/1998, sob o título “Medidas de austeridade colocam crescimento em risco, diz FMI” a FSP publicou: Os governos dos países da América Latina podem colocar em risco o crescimento da região se elevarem muito os juros e cortarem despesas de forma drástica para defender o valor das moedas. A avaliação é de Charles Adams, diretor-assistente de pesquisa do FMI (Fundo Monetário Internacional). “Todos na América Latina estão reduzindo a demanda interna, o que pode ter impacto muito negativo no crescimento da região.” Ou seja, contrariamente ao que a Coreia do Sul e o Japão fizeram, a nossa ênfase no combate à mesma crise, da qual fomos vítimas indiretas, foi no sentido exclusivo de cortes de despesas, e afetando duramente o setor de C&T no Brasil. Tanto é a assim que em 11/11/1998 a FSP publicou, sob o título “Reitores pedem manutenção de bolsas de pesquisa científica”, a notícia: Durante a audiência que será agendada com o presidente, os reitores vão argumentar que países como a Coréia do Sul e o Japão, que estão passando por crises semelhantes, não fizeram cortes em ciência e tecnologia, considerada uma área estratégica.
Passados quase 19 anos, podemos ver quem agiu mais inteligentemente – nós ou a Coreia? Em 1999, o PIB coreano saltou para impressionantes 11,3% (com crescimento médio de 7% no período subsequente de 5 anos), enquanto nosso PIB se manteve quase inalterado (0,3 para 0,5%). Mais importante do que isso, a Coreia é hoje um dos países mais inovadores tecnologicamente. Quem duvidar, verifique a marca do seu carro, televisor, computador, tablet ou celular. Há uma alta chance de que vários sejam coreanos.
Hoje enfrentamos nossa própria crise, que não é pior do que a enfrentada pela Coreia em 1998. Não se fala em moratória, não há uma crise cambial, e o nosso PIB caiu menos do que o da Coreia então. Qual a nossa receita para enfrentá-la? Exatamente a que foi criticada pelo diretor do FMI e que deu resultados pífios. E desta vez ainda mais grave, porque o Senado está em vias de consolidar esse disparate na Constituição, tolhendo nosso desenvolvimento científico e tecnológico por 20 anos. Acho que deveríamos aprender um pouco com nossos erros e com os acertos de outros países.
Paulo Sérgio Lacerda Beirão é diretor de Ciência Tecnologia e Inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig)
Deixe um comentário