Professor de Ciência Política analisa fatos relacionados à criação de uma Frente de partidos de esquerda no Brasil
No dia 18 de abril de 2018 foi publicado um manifesto assinado por sete partidos: PT, PDT, PCO, PSOL, PC do B, PSB e PCB convocando todos os setores sociais comprometidos com os valores democráticos para a formação de uma ampla frente social. Como desdobramento, oito dias depois (26/4) ocorreu em Porto Alegre o lançamento formal de uma Frente Nacional pela Democracia, Soberania e Direitos do Povo.
Como o título indica, ela se construiu para defender a democracia e os direitos do povo que “estão sendo violentados e abandonados pelo atual governo e pelas forças conservadoras”. No manifesto de lançamento afirma que “A retirada de direitos, promovida de maneira acelerada pelo governo de Michel Temer e sua base parlamentar, é parte de um preocupante surto autoritário. A violência, o ódio e a intolerância disseminados nas redes sociais, incitados por estratégias de comunicação da mídia tradicional, se arrogam a pretensão de pautar a agenda política nacional, tratando o Estado Democrático de Direito como se fosse apenas um empecilho anacrônico em seu caminho”.
Dos partidos que integraram a frente, apenas o PT (aliado com o PC do B), e PDT (com o apoio do Avante) e PSOL (sem alianças) lançaram candidaturas à presidência da República em outubro de 2018, sendo derrotados pelo candidato do PSL (que teve o apoio apenas do PRTB).
O objetivo era de que a Frente se ampliasse e fosse além dos partidos, ou seja, que incorporasse todos os setores sociais comprometidos com a defesa da democracia e de um País justo e soberano, ao mesmo tempo em que denunciava o aprofundamento da crise econômica e social.
No dia 23 de maio de 2018, a Frente se reuniu em Brasília e divulgou uma nota, na qual faz um balanço dos dois anos do governo Temer: Impopular, com altos índices de rejeição e que “somente uma base fisiológica na Câmara pode explicar que permaneça impune com tantas denúncias de corrupção contra ele”.
No caso, um governo ilegítimo, resultado de um golpe, com um plano econômico que aprofundou a recessão e as desigualdades.
Mas é importante salientar que a Frente, quando foi constituída, pelo menos em relação aos seus objetivos, não visava apenas às eleições, mas “estimular um amplo debate nacional contra o avanço do ódio, da intolerância e da violência”. Não conseguiu. O ódio, a intolerância e a violência continuaram, antes, durante e depois das eleições e não houve, no segundo turno, uma ampla aliança dos partidos de oposição e de esquerda, com as conseqüências conhecidas.
Assim, o fato é que, na prática, a Frente não passou de intenções e se atualiza em 2019, num momento em que há a necessidade de se enfrentar uma agenda antipopular e antinacional, de retirada de direitos, de desmonte das políticas públicas, dos atentados à soberania nacional como tem sido demonstrado pelo conjunto das ações (e intenções) do atual governo e suas relações subalternas nas relações com os Estados Unidos, como ficou demonstrado na visita em março de 2019 do Presidente da República àquele país. Como disse o editorial da revista época, edição de 25/3/2019, insuspeita de esquerdista “A visita de Estado encerrou-se mais rica em deslizes e rapapés – como as juras de amor às calças jeans, à Coca Cola e à Disneylândia – do que em acordos com consequência relevante, seja na área política, seja na área econômica” e que o país abriu mão de proteções e facilidades na Organização Mundial do Comércio em troca de uma promessa de apoio incerta na OCDE.
Hoje, uma frente de oposição e não apenas de partidos de esquerda é de fundamental importância, uma iniciativa urgente e necessária para enfrentar a direita, não apenas no Congresso Nacional, mas também suas milícias digitais e as armadas. O grande desafio é como construir essa unidade.
As idéias e fundamentos da Frente continuam atuais, como um programa que possa ampliar os espaços democráticos e uma política econômica que possa diminuir as desigualdades. No manifesto da Frente se afirma que “A democracia não pode conviver com milícias armadas, ameaças de morte, atentados ou assassinatos” e que era “hora de dar um basta à violência, atuando em todas as instâncias possíveis, para alcançar e punir os responsáveis por disseminar e incitar o ódio e a intolerância, bem como os responsáveis pelos crimes contra lideranças políticas, que chocaram o país”.
Num momento de ameaças à democracia no país, com o avanço do retrocesso é fundamental unir-se para além das questões eleitorais em defesa da democracia e da soberania nacional. A questão é: será possível a construção de uma Frente com tais propósitos? É imprevisível, mas parece ser uma necessidade para se ter as condições para se defender a democracia e (re) construir um país soberano, com plena vigência de um Estado Democrático de Direito.
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte