Em que consiste essa lei e qual a sua importância para as eleições municipais de novembro de 2020?
(Por Homero Costa)
As eleições municipais de novembro de 2020 no Brasil serão as primeiras a serem realizadas em meio a uma pandemia (em 1918 houve a pandemia da Gripe Espanhola, só que foram eleições presidenciais, realizadas no dia 1 de março, quando iniciou a pandemia no mundo, mas que só chegou e se expandiu no país em setembro do mesmo ano, vitimando inclusive o presidente eleito pela segunda vez, Rodrigues Alves).
Outra particularidade das eleições deste ano é a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados. Em que consiste e qual sua importância para as eleições? A lei foi sancionada pelo presidente da República dia 18 de setembro de 2020 e regulamenta a política de proteção de dados pessoais e privacidade, modifica alguns dos artigos do Marco Civil da Internet, aprovado em 2014 e entre outros aspectos, transforma a maneira como empresas e órgãos públicos tratam a privacidade e a segurança das informações de usuários e clientes, com o respeito aos direitos e as garantias, como proteção à privacidade online e da segurança das informações pessoais.
Quais seus antecedentes? No dia 14 de agosto de 2018, foi aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República, Michel Temer, a lei n. 13.709/20 chamada de Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, prevista para entrar em vigor no dia 3 de maio de 2021.
Em abril de 2020, o governo editou a Medida Provisória n. 959/20 que tratava da operacionalização do Beneficio Emergencial que seria pago aos trabalhadores com redução da jornada de trabalho e suspensão de contrato durante a pandemia no novo coronavírus e incluiu no artigo 4 um dispositivo que previa a entrada em vigor da LGPD em maio de 2021.
No entanto, em agosto de 2020, parte da MP, em especial a relativa a data da vigência da Lei de Proteção de Dados, foi rejeitada pelo Senado. Com a rejeição, o presidente teria até o dia 17 de setembro para sancioná-la, o que foi feito, com entrada em vigor a partir de dia 18 de setembro.
Com isso, a lei passa a valer para as eleições de novembro (embora exista a discussão a respeito de um dispositivo constitucional que prevê que mudanças nas regras eleitorais deveriam ser aprovadas um ano antes da realização das eleições). De qualquer forma, o entendimento é que a lei está valendo para as próximas eleições.
Quais as suas implicações? Como afetará os partidos e as eleições? Uma das principais é que a lei estabelece que partidos e candidatos só poderão enviar materiais de campanha com a autorização prévia do eleitor (parágrafo 5 do artigo 7º.).
Como se sabe, milhões de informações pessoais circulam por redes virtuais diariamente. É cada vez mais frequente a exposição de dados em larga escala que, além da exposição da privacidade, mostra também as fragilidades dos sistemas de proteção desses dados, especialmente por parte do Estado, que deveria fiscalizar a segurança das operações. A lei aprovada tem por objetivo sanar essas deficiências, mas especialmente garantir o direito à privacidade das pessoas.
Em relação às eleições, o uso do marketing dos candidatos com propagandas para convencerem os eleitores, deverá contar com a sua anuência, ou seja, os eleitores deverão ser informados sobre como seus dados foram obtidos e também como serão usados pelas campanhas.
Caso recebam, por exemplo, uma mensagem no celular, poderá perguntar de que forma seu contato telefônico foi parar na lista de determinada candidatura e pode procurar o Ministério Público ou a Justiça Eleitoral para denunciar, caso não haja resposta ou não tenha dado a devida autorização.
A importância da aprovação da lei, é que as pessoas terão sua privacidade protegida contra eventual violação de segurança que importe em risco de exposição ou vazamento no tratamento de dados pessoais. De que se trata? De qualquer procedimento que envolva a utilização de dados das pessoas, desde a coleta, classificação, utilização, processamento, armazenamento, compartilhamento de dados etc., a lei assegura inclusive o direito de ter seus dados apagados de determinado banco de informações, ou seja, estabelece que toda empresa que coletar informações de clientes precisa se adequar a lei e dar o poder aos titulares da informação de decidirem por manter, apagar ou gerenciar quais dados serão utilizados e de que forma.
As pessoas poderão exigir que uma empresa informe se ela tem algum dado seu, assim como exigir que, caso tenha, apague todos os dados armazenados. Qualquer pessoa, enquanto titular de dados, poderá solicitar acesso, exclusão ou até a revogação de consentimento que havia sido concedido previamente, informações como origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, nome, nacionalidade, estado civil, endereço etc.
O objetivo da lei é o de regulamentação do tratamento de dados pessoais por pessoas ou entidades do setor público ou privado, visando à proteção dos direitos de privacidade. Basicamente, coíbe o uso indiscriminado de dados pessoais informados por meio de cadastros e garante ao cidadão o direito de estar ciente sobre como será feito o tratamento de suas informações e para qual finalidade específica elas serão usadas.
Quais são seus antecedentes? A discussão e a aprovação da lei no Brasil foi precedida de intensos debates nos Estados Unidos e Europa especialmente depois do vazamento (e escândalo) do uso de dados pessoais por parte de grandes empresas como a Cambridge Analytica, que usou de dados retirados do Facebook (mais de 50 milhões) para beneficiar a campanha de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2016.
Esse escândalo de vazamento e compartilhamento de dados sem consentimento dos titulares teve consequências. Na União Europeia foi aprovada um conjunto de leis com o objetivo de regulamentar a privacidade de dados, chamada de General Data Protection Regulation (Regulamento Geral de Proteção de Dados) com entrada em vigor em abril de 2017 e que passou a servir de modelo para o Brasil e outros países, fazendo com que entidades e empresas estabelecessem regras quanto ao uso de dados pessoais (no caso da Europa, vale também para empresas de outros países que atuem na Europa, sob risco de não cumprimento, ter as penalidades previstas na lei).
Além da aprovação e vigência da Lei de Proteção de Dados, outra medida importante em relação às eleições de novembro de 2020 é quanto a proibição de disparos de mensagens em massa, que fere também a lei de Proteção de Dados. Como mostra uma matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo no dia 18 de outubro de 2018 pela jornalista Patrícia Campos Mello sobre disparo em massa de mensagens por WhatsApp contra Fernando Haddad, candidato do PT à presidência. Ela mostra como havia empresários que planejavam contratar agências de marketing para enviar milhões de mensagens, ferindo inclusive à legislação eleitoral (lei n. 13.488/2017, que proibia mandar pela internet mensagens ou comentários que ofendesse a honra e prejudicasse a imagem de um candidato ou partido).
Depois da publicação da matéria a autora começou a sofrer o que ela chamou de “um processo de desconstrução nas redes sociais”, que ela relata com detalhes no livro A máquina do ódio? Notas de uma repórter sobre fake news e violência digital, publicado em 2020 pela editora Companhia das Letras.
O fato é que o uso de mensagens pelo whatsApp nas eleições presidenciais de 2018 no Brasil teve um papel importante porque não eram apenas mensagens dos candidatos, mas muitas mentiras (fake news) desqualificando os adversários, e descumprindo a lei em vigor. Nesse sentido, nas eleições de novembro de 2020, se a lei for cumprida, deverá tornar mais difícil a microssegmentação das campanhas, no qual se busca atingir nichos específicos dos eleitores a partir de informações digitais, dados que muitas empresas tem e negociam.
A Lei de Proteção de Dados é uma lei mais geral e não é especifica para eleições, mas certamente terá seu impacto nos processos eleitorais. Resta aos eleitores ficarem atentos ao uso de seus dados para fins de propaganda sem seu consentimento, com ocorreu nas eleições anteriores. Agora, a lei sancionada estabelece que qualquer cidadão poderá exigir, tanto dos setores públicos como privados, informações sobre os seus dados e como são usados. É o que se espera.
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Homero de Oliveira Costa
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