Autofinanciamento, impulsionamento pela internet e o fim das coligações para eleições proporcionais são algumas das regras para as eleições municipais de 2020
(Homero Costa)
As Leis 13.877 e 13.878/2019 definiram as regras para as eleições municipais de 2020. As mudanças mais significativas anteriores foram em 2015, quando foi aprovada uma minirreforma cuja principal alteração foi a proibição de doações empresariais às campanhas eleitorais e em 2017, quando foi aprovado o fim das coligações proporcionais (vereadores e deputados) para as eleições de 2020.
Esta foi uma mudança importante porque desde a formação da primeira Comissão Especial de Reforma Política no Congresso Nacional em 1995 – e cujo relatório foi apresentado em 1998 – até 2017, a proibição das coligações em eleições proporcionais não tinha sido aprovadas no Congresso Nacional.
O que foi aprovado para as eleições de outubro de 2020 trouxe algumas alterações importantes. Um delas foi quanto ao autofinanciamento, definindo que os candidatos podem financiar suas próprias campanhas até 10% dos limites previstos para gastos de campanha no cargo concorrido. Também estabeleceu regras para pagamentos de honorários advocatícios e de contabilidade com recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), sem limites de gastos. Nesse caso, os partidos poderão contratar serviços de consultoria contábil e advocatícia, assim como processos judiciais e administrativos, litígios de seus candidatos (eleitos ou não), mas desde que relacionados exclusivamente ao processo eleitoral.
Foi aprovado ainda que os partidos possam receber doações pelo seu site ou por meio de plataformas que possibilitem o uso de cartão de crédito, débito ou boleto bancário assim como de convênios de débitos em conta e que poderão usar os recursos do Fundo Partidário para compra ou locação de bens móveis e imóveis, edificação ou construção de sedes ou para reformas e a permissão para que possam contratar os impulsionamentos de conteúdos de internet, desde que com sede e foro no Brasil. Pela internet, será liberado o impulsionamentos de conteúdo eleitoral por candidatos e partidos (vedada aos eleitores), ou seja, apenas será aceita a contratação de pessoas jurídicas, empresas do ramo para o impulsionamento da campanha eleitoral.
Fica proibida a distribuição de materiais de campanha (camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, etc.), fazer propaganda de qualquer tipo em cinemas, clubes, lojas, templos religiosos, centros comerciais, ginásios e estádios, entre outros e também não será permitido fixar material de campanha no sistema de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes e paradas de ônibus, árvores, muros e cercas, outdoors, assim como o uso do trio elétrico, showmícios, etc.
E ainda que as propagandas eleitorais gratuitas sejam exibidas nos 35 dias anteriores à antevéspera da eleição, e os candidatos não poderão fazer uso de efeitos especiais desenhos ou montagens nos “filmes” de sua campanha. As campanhas pagas estão permitidas a partir do dia 15 de agosto de 2020, seguindo as mesmas regras.
Houve também alterações quanto aos relatórios técnicos. Os partidos estão obrigados a enviar à Justiça Eleitoral o balanço contábil do exercício concluído, até o dia 30 de junho do ano seguinte. Antes, a data-limite era o dia 30 de abril.
Outra questão relevante é quanto ao Fundo Eleitoral. Em outubro de 2019 foi aprovado o valor de R$ 2 bilhões – a proposta da Comissão Mista do Orçamento era de R$ 3,8 bilhões e foi aprovada com apoio de 430 dos 513 deputados e 62 dos 81 senadores – mas com a ameaça de veto presidencial e especialmente a desaprovação pública, houve um acordo com os líderes dos partidos e foi aprovado um valor menor, mas maior do que tinha sido aprovado para as eleições de 2018, 1,7 bilhões.
Destes, 48% deverão ser divididos entre os partidos na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados na última eleição, consideradas as legendas dos titulares, ressalvados os casos dos detentores de mandato que migraram em razão de o partido pelo qual foram eleitos não ter cumprido os requisitos previstos no parágrafo 3º do artigo 17 da Constituição Federal (“ Somente terão direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei, os partidos políticos que alternativamente: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017) I – obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% (três por cento) dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% (dois por cento) dos votos válidos em cada uma delas; ou (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017) e II – tiverem elegido pelo menos quinze Deputados Federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017) e ainda que 15% dos recursos deverão ser repartidos entre as legendas, na proporção do número de representantes no Senado Federal.
Sobre o limite de gastos estabeleceu-se que o valor máximo para os candidatos será equivalente ao limite para os respectivos cargos nas eleições de 2016, atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), aferido pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e para um eventual segundo turno nas eleições para prefeito, o limite de gastos de cada candidato será de até 40% do limite previsto na lei.
Mas, uma das regras que deverá ter grande impacto nas eleições municipais é quanto ao fim das coligações (eleições proporcionais). Uma das justificativas para sua aprovação em 2017 (não valeu para as eleições de 2018) era a de que possibilitará maior identificação entre os eleitores e os partidos e também que levará a redução de partidos com representação nos respectivos parlamentos (municipal, estadual e no Congresso Nacional) e também para evitar que candidatos sem representatividade sejam eleitos, como tem sido a regra com as coligações.
O fim das coligações para eleições proporcionais visa corrigir uma distorção, que é o fato de muitos eleitos terem menos votos e eleitos em função do quociente eleitoral (definido pelo número de votos na coligação, dividido pelo número de vagas).
Uma pergunta relevante é: o fim das coligações resolverá o problema? Em parte, porque são apenas para as eleições proporcionais. Por que não foi extensiva às majoritárias? E mais: como foi mantido o sistema de listas abertas, as disputas internas por votos entre os candidatos nos partidos continuarão (diferente, por exemplo, do que ocorreria num sistema de listas fechadas).
As coligações beneficiam a maioria dos eleitos (a proporção dos que são eleitos com votos próprios é muito pequena) e são importantes tanto para os grandes partidos como principalmente para os pequenos, porque aumentam as possibilidades de eleger seus candidatos. O problema é que se coligavam (e se coligam) apenas para ampliar as suas chances, sem qualquer coerência programática e/ou ideológica.
Neste aspecto, o fim das coligações para eleições proporcionais é positivo. Cada partido deverá contar apenas consigo mesmo, lançando o maior número possível de candidatos permitidos pela legislação (no caso de vereadores, são 44, sendo que 14 devem ser mulheres, ou seja, os partidos devem reservar uma cota mínima de 30% para as mulheres).
Em relação ao Fundo Partidário e Eleitoral uma questão importante nesse sentido é: quem define a distribuição dos recursos entre os partidos? Existe uma discussão democrática quanto ao processo de sua distribuição, já que são recursos públicos? Há os que controlam e são beneficiados, como os que já têm mandato e concorrem a reeleição, porque tem e terão muito mais recursos e reduz as chances de renovação dos representantes, impondo barreiras à entrada de novos concorrentes e fundamentalmente reforça a desigualdade na disputa eleitoral. No caso das eleições de 2020 vai se associar ao autofinanciamento das campanhas, significando que os candidatos com mais dinheiro terão muito mais chances de serem eleitos, ou seja, a nova regra não vai conseguir inibir o abuso do poder econômico e, portanto não se coaduna com o princípio da isonomia.
O fato é que no Congresso Nacional foram aprovadas apenas mudanças pontuais, que não alteraram substancialmente as distorções da representação, nem tampouco aprovadas regras que democratizem, por exemplo, o uso de recursos (públicos) pelos partidos. E como foram proibidas coligações apenas para as eleições proporcionais, mantida para majoritárias, nas eleições pós 2020, se manterá o mesmo processo que caracterizou as eleições gerais anteriores, ou seja, permissão de coligações para eleições majoritárias, circunstanciadas, sem programas partidários unitários e nenhuma consistência ideológica, e, portanto as mesmas bases do atual presidencialismo de coalizão, com os problemas para a governabilidade com grande número de partidos com representação etc.
Outros aspectos importantes como o uso de Caixa 2 e fake news, por exemplo, com seus reflexos nas eleições, embora proibidos, deverão ser mantidos. Pela legislação em vigor, o candidato que contratar pessoas físicas ou jurídicas no intuito de espalhar notícias falsas, bem como fazer comentários na internet com o objetivo de prejudicar a imagem do concorrente, estará cometendo crime e pode ter sua candidatura cassada. Como se sabe, a prática de fake news com fins eleitorais foi criminalizada em 2018. Em junho, o Congresso aprovou uma lei que prevê pena de dois a oito anos de prisão para este crime, no entanto foi vetada pelo presidente da República. Pouco depois o Congresso derrubou o veto e manteve a punição para “quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulga ou propaga, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído”.
A questão é: qual a estrutura dos órgãos responsáveis pela fiscalização (e punição)? Embora tanto o Caixa 2 como as fake news tenham sido usadas largamente nas eleições de 2018, ninguém foi punido e associado à manutenção das distorções e desigualdades nas disputas eleitorais, como as regras aprovadas para as eleições de 2020, devem continuar a existir, com todas as suas consequências.
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Homero de Oliveira Costa
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