Thiago Lustosa analisa as relações destoantes entre os interesses científicos, a política e os mercados financeiros
Existe uma imagem histórica, no período entre as grandes guerras, na qual o físico nuclear Oppenheimer discute uma explosão experimental com o general e seu chefe, Leslie Groves, um dos principais mentores do programa norte americano da bomba atômica (Projeto Manhattan). Nessa época e, durante grande parte do período Pós-guerra, a ciência ocupava o centro das decisões políticas, tanto pelo seu papel estratégico para fins militares, como pelo seu sinergismo com os governos e a indústria. Tal aliança perigosa, por outro lado, mobilizava cientistas opositores a tais ideias como Albert Einstein e Bertrand Russel, ambos pacifistas e preocupados com as consequências desastrosas se certas decisões fossem tomadas. A destruição das cidades japonesas, e o clima tenso durante a Guerra Fria provaram que a preocupação de ambos fazia muito sentido.
No mundo Pós-genoma, as decisões continuam sendo políticas, mas a diferença é que a ciência deixou de ocupar o centro de tais decisões, sendo substituída pelos mercados financeiros. Para confirmar isso, basta ver a decisão recente do Presidente americano Donald Trump, que anunciou que os Estados Unidos irão abandonar o acordo de Paris. Tal decisão desconsidera a quantidade avassaladora de estudos realizados pela comunidade científica alertando para as consequências devastadoras dos eventos climáticos extremos decorrentes do aquecimento global. Estes eventos, por sua vez, tem sua causa primária no aumento desenfreado das emissões de dióxido de carbono na atmosfera, as quais têm larga contribuição das indústrias do carvão (que, por sua vez, ajudaram a eleger Trump).
O sempre aclamado e um dos maiores divulgadores da ciência durante o século XX, o astrofísico americano Carl Sagan, chamou a atenção em vários pontos de um dos seus grandes Best Sellers, “O mundo assombrado pelos demônios”, para as relações destoantes entre os interesses científicos e os do Congresso Nacional Americano. Segundo Sagan “Como podemos executar a política nacional – ou até mesmo tomar decisões inteligentes sobre nossas próprias vidas – se não compreendermos as questões subjacentes? Enquanto escrevo, o Congresso está dissolvendo seu próprio Departamento de Avaliação de Tecnologia – a˙única organização que tem a tarefa específica de orientar a Câmara e o Senado sobre ciência e tecnologia. Sua competência e integridade têm sido exemplares durante todos esses anos. Dos 535 membros do Congresso dos Estados Unidos, raramente 1% chegou a ter alguma formação científica significativa no século XX. O ˙último presidente cientificamente alfabetizado foi talvez Thomas Jefferson. Assim, como é que os norte-americanos decidem essas questões? Como é que instruem os seus representantes? Quem de fato toma essas decisões, e baseando-se em que fundamentos?”.
Lendo o trecho acima do livro de Sagan escrito, ainda em 1996, e, levando-se em conta a atitude do Presidente americano fica claro que a ignorância científica de algumas lideranças políticas mundiais não só permanece a mesma, como tem de fato, a capacidade de assombrar o mundo. Mas e no Brasil? A tomar pelas recentes decisões referentes ao campo científico (liberação de pulverização aérea, fusão de ministérios e a redução no orçamento para CT&I, só para citar algumas!), é facílimo suspeitar que a formação científica da maioria de nossos congressistas esteja no mesmo patamar (ou quem sabe até pior!) daquela dos representantes americanos.
A redação de projetos em busca de fomento, e os serviços burocráticos têm tomado um tempo precioso dos nossos cientistas, seja os tirando da sala de aula, da bancada ou das atividades de extensão. Mas será que a solução seria criar uma “bancada científica” no Congresso Nacional que defendesse interesses científicos, o que incluiria o aumento progressivo do orçamento destinado para pesquisas na área de CT&I? E se essa bancada viesse a seguir o exemplo da bancada dominante no congresso conhecida popularmente como “BBB” (boi, bala e bíblia) que legisla na maioria das vezes em causa própria, atendendo unicamente a interesses de grupos em detrimento dos interesses da coletividade? E como seria o financiamento de campanha desses cientistas? O voto distrital ou até em lista fechada aumentaria as chances de eleição? E a questão da legenda, seria um único partido, quem sabe o “Partido para o Progresso da Ciência” (PPC) ou vários? A quem interessaria financiar tais campanhas? E afinal de contas, haveria interesse por parte dos cientistas de ingressarem no meio político? E o povo se viria representado por esse grupo de pessoas?
Sinceramente não acho que essa seja a causa básica, e nem que represente uma solução a médio prazo, mesmo que os inúmeros empecilhos supracitados sejam superados. Coréia do Sul, Finlândia e Cingapura, só para citar alguns exemplos, investem maciçamente na educação básica, através de ações que se estendem desde uma seleção rigorosa dos melhores alunos para o magistério, já no vestibular, passando por uma formação sólida para os futuros professores, até atrativos como ótimos salários, já no início de carreira. Nesses países, o ensino de ciências é extremamente valorizado e, deixa de ser visto como um mero acúmulo de conhecimento para se tornar uma maneira crítica de pensar. E essa maneira crítica de pensar e enxergar o mundo, caso existisse no Congresso Nacional brasileiro, aniquilaria os interesses de particulares ou das conhecidas bancadas dominantes nas casas legislativas. Pode levar mais tempo, e talvez seja até necessário uma “revolução” no campo da educação infantil e básica, mas no futuro teríamos um congresso cientificamente alfabetizado. E como diz Carl Sagan, só assim, não colocaríamos poder demais nas mãos de políticos moralmente fracos, corruptos e ávidos por poder.
Thiago Lustosa Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente trabalha como Técnico Químico de Petróleo na Refinaria de Lubrificantes e Derivados do Nordeste, Petrobras, onde é vice presidente da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e coordenador do Grupo de Trabalho do Benzeno.
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