Democracia é um valor na América Latina? Artigos

domingo, 20 maio 2018

Indicadores revelam a deterioração sistemática e crescente das democracias da região e que não há perspectiva de consolidação, mas de desconsolidação da democracia

Os resultados de uma pesquisa realizada em 2017 pelo Instituto Latinobarômetro, (sediado em Santiago, Chile), em 18 países da América Latina com aplicação de 20 mil questionários (pesquisas são realizadas pelo Instituto desde 1995), mostraram que há cada vez menos satisfação com a democracia, ou seja, a maioria dos entrevistados acredita menos na democracia como a melhor forma de governo.

Em relação à pesquisa anterior, de 2016, houve uma pequena queda (o apoio caiu de 54%  para 53%), mas o importante é que representou a quinta queda consecutiva desde 2010.  Segundo o relatório da pesquisa, desde 2010 o apoio à democracia caiu oito pontos em média e os indiferentes aumentaram de 23% para 25% em apenas um ano.

Quando se analisam os dados das pesquisas é preciso considerar que existe uma enorme variação regional, ou seja, América Latina não uma região homogênea.

Um dado importante revelado pela pesquisa foi o fato de que entre os cidadãos que menos apoiam a democracia como sistema de governo, estão os brasileiros (43%), seguido pelos mexicanos (38%). A desconfiança no governo atinge 92% dos brasileiros e 85% dos mexicanos.

Em relação à América Latina, como diz o relatório, vistos em conjunto, os indicadores revelam a deterioração sistemática e crescente das democracias da região e que não há indicadores de consolidação, mas de desconsolidação da democracia.

O relatório destaca um cenário que pode parecer contraditório à primeira vista: a queda dos indicadores políticos e sociais coincide com um aumento generalizado dos indicadores econômicos. Para a diretora do Latinobarômetro, Marta Lagos, a conclusão do estudo aponta para o fato de que existe “uma dissociação entre dois mundos, o mundo da economia e o mundo do poder político”. Para ela “A economia vai bem para um lado e a democracia para outro. Não há relação entre elas, porque, embora metade da população tenha se beneficiado, a outra metade está apenas assistindo. A região é bipolar: há sucesso econômico e pobreza, o aspecto econômico avança e os valores democráticos despencam” assim, segundo ela “a democracia não tem nada a ver com a economia”.

Isso vale para todos os países? Em relação ao Brasil, um estudo de Raquel Meneguello, professora da Unicamp (SP) publicado em 2010 também aponta nessa direção, ou seja, há dissociação entre a avaliação das instituições representativas e a satisfação com a democracia.

No entanto, não há consenso quanto a isso. No cenário latino-americano, como mostra Fabíola Brigante Del Porto no artigo “Satisfação com a democracia entre os brasileiros no cenário recente” (2002-2014), publicado na revista Debates (Porto Alegre, v. 10, n. 3, p. 83-106, set.-dez. 2016), Michel Seligson e Érica Smith no livro “The political culture of democracy. Democratic consolidation in the Americas in hard times” (Vanderbilt University, 2010) analisam, com base em dados de pesquisas, os efeitos da percepção da crise econômica sobre os valores democráticos, entre os quais a satisfação com a democracia. Para eles, com diz Del Porto “Os resultados dos autores apontam que, mais do que a percepção da gravidade da crise, os cidadãos estão atentos e avaliam o modo como essa é gerida pelos governantes do momento, e essa percepção tem impacto importante sobre o nível de satisfação com a democracia”.

A autora analisa os resultados do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) entre 2002 e 2014 que apontam nessa direção: “Enquanto, em 2010, a visão positiva retrospectiva da economia não esteve entre os correlatos da satisfação com a democracia, em 2014, ela emerge como o mais importante fator para explicar a avaliação do regime. Na leitura desses resultados, há que se considerar a diferença dos cenários econômicos dos dois momentos: mesmo que, em 2014, o país ainda não atravessasse uma crise política e econômica como a iniciada em 2015, a percepção do cenário já era bem menos positiva do que em 2010, tanto em termos econômicos e sociais como em relação à avaliação de seus governantes.”

O que se constatou é que, em 2014 e 2015 as avaliações dos executivos federais foram centrais para explicar quão satisfeitos os cidadãos estão com a democracia. Assim tal como nos resultados relatados por Seligson e Smith, “As percepções que os cidadãos têm sobre o modo como as autoridades dirigem o país e lidam com a diversidade de questões percebidas como socialmente prioritárias, entre as quais a gestão da economia e da crise, está no âmago da avaliação do desempenho do regime democrático”.

O fundamental é que para ela, sem negar a importância da gestão econômica sobre a avaliação do desempenho da democracia, a percepção do funcionamento da democracia é bem mais complexa.

O apreço do eleitorado pela democracia como forma de governo diminuiu nos últimos anos, um provável reflexo do descrédito em que os políticos caíram com o cerco à corrupção e a profunda recessão econômica

Uma pesquisa do Datafolha publicada no início de outubro de 2017 mostra que o apoio à democracia diminui com corrupção e recessão: “O apreço do eleitorado pela democracia como forma de governo diminuiu nos últimos anos, um provável reflexo do descrédito em que os políticos caíram com o cerco à corrupção e a profunda recessão econômica em que o país mergulhou há três anos.”

Segundo o Datafolha, 56% dos eleitores concordam com a noção de que a democracia é sempre melhor do que outras formas de governo.   Em dezembro de 2014, a mesma ideia tinha o apoio de 66% do eleitorado – o nível mais alto de apoio à democracia observado desde que a pergunta começou a ser feita pelo instituto, em 1989. “Na série histórica o nível mais baixo de apreço pela democracia foi observado em fevereiro de 1992, quando o então presidente Fernando Collor de Mello estava prestes a completar dois anos de mandato”.

Na pesquisa divulgada em outubro de 2017 pelo Datafolha, 21% dos eleitores concordam com a ideia de que em certas circunstâncias uma ditadura é melhor do que um regime democrático. Em dezembro de 2014, eram 15% dos eleitores. Houve, portanto um aumento de 6%.  Outros 17% se disseram indiferentes à forma de governo do país. Em 2014 eram 12%, ou seja, também aumentou não apenas os que concordam que a ditadura é melhor do que a democracia como também a quantidade dos indiferentes.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação em março de 2018, “A Cara da Democracia no Brasil” (Um dos eixos que articulam a investigação sobre representação, participação e opinião pública) mostra como é frágil a base de apoio à democracia no Brasil. De acordo com o levantamento, apenas 19,4% dos entrevistados dizem estar satisfeitos ou muito satisfeitos com a democracia. Em comparação com a pesquisa realizada pelo mesmo instituto em 2014, houve uma queda significativa, de 38,9% para 19,4%, ou seja, mais de 19 pontos percentuais.

O Instituto faz pesquisas sobre o tema desde 2002 e naquele ano os que estavam satisfeitos e muito satisfeitos com a democracia eram 30,3%. Esse percentual aumentou consideravelmente nos governos de Lula: em 2006 era 47,1% e em 2010, 41,4%. Diminui em 2014 para 39,9%. O que se pode observar é que o descenso começou em 2010.

Quando indagados sobre se um golpe de Estado dados pelos militares seria justificado, 47,8% dos entrevistados defenderam a medida em caso de “muita corrupção” e 53,2% em contexto no qual houvesse “muito crime”.

Os dados das pesquisas do Datafolha mostraram que a parcela do eleitorado que considera a ditadura preferível ao regime democrático em “certas situações” alcançou 29% em junho do ano 2000 e desde então diminuiu de forma quase contínua até o fim de 2014. No entanto, a partir daí, houve uma ampliação da adesão dos que consideram a ditadura preferível à democracia.

O que as pesquisas demonstram é que existe uma baixa adesão à democracia não apenas no Brasil, como na maioria dos países da América Latina.

O que as pesquisas demonstram é que existe uma baixa adesão à democracia não apenas no Brasil, como na maioria dos países da América Latina. No caso do Brasil, a pesquisa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, como vimos, mostra que apenas 19,4% dizem estar satisfeitos com o sistema democrático, e mais preocupante é o fato de que, como evidenciam outras pesquisas, houve também o aumento dos que preferem a ditadura e considerando que não houve diminuição de “muita corrupção” e “muito crime” isso, em princípio, tenderia a aumentar o apoio às saídas autoritárias.

Um aspecto importante revelado pela pesquisa é o número dos que não tem preferência ou não sabem que sistema político prefere: 13% afirmaram que tanto faz entre a democracia e a ditadura, enquanto os que não souberam responder foram 9,4%. Somando-se, são 22,4%.

O que se constatou, em relação à pesquisa anterior, de 2014 é que houve um crescimento do ‘não sei o que prefiro’ o que torna uma parcela considerável da população vulnerável, à mercê de quem pode convencê-las tanto em relação à democracia – o que seria desejável – mas também por uma ditadura.

Como mostram as pesquisas do Latinobarômetro o descenso em relação à credibilidade da democracia não é um problema específico do Brasil, mas como diz o Instituto “Os últimos anos vêm mostrando mudanças importantes no comportamento, nas atitudes e nos valores dos cidadãos brasileiros com relação à democracia e seu funcionamento no país.”

E que “uma percepção crescentemente negativa, que se associa ao sistema o sistema representativo com déficits que se expressam no baixo grau de confiança e de avaliação das instituições, mas também, na recusa da política, dos partidos e dos políticos, constituindo percepções negativas que afetam a legitimidade do sistema”.

Esse parece ser um dos grandes desafios dos que defendem a democracia no Brasil e na América Latina de uma forma mais geral: a de convencer à população de que a democracia, com todas as suas limitações em países com tantas desigualdades, deve ser a única e melhor alternativa e tornar consciente a necessidade de melhorar a qualidade da representação e assim ampliar a confiança nas instituições e na democracia.

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Referências

Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Homero de Oliveira Costa

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