Homero Costa comenta julgamento do ex-presidente Lula,ocorrido na última quarta (24), como um exemplo de Lawfare, que pode ser traduzido como 'guerra jurídica'
Para os que têm acompanhado o desenrolar da operação Lava Jato e mais especificamente em relação a Lula, não esperava outra coisa senão a confirmação da condenação pela 8ª. Turma da 4ª. Região do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre no julgamento do recurso da defesa do ex-presidente da decisão do juiz Sergio Moro proferida em 12 de julho de 2017, que condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. De nada adiantou a presença de milhares de pessoas em Porto Alegre no dia do julgamento, em solidariedade a Lula. Não ia mudar a sentença, mas foi importante porque mostrou a capacidade de mobilização dos que defendem Lula, em contraste com os que eram(e são) favoráveis à sentença, mas o fundamental é que a decisão já tinha sido tomada com antecedência. Como foram lidos, os votos já estavam prontos e não levaram em conta o que foi dito nas sustentações orais da defesa de Lula. A novidade talvez tenha sido não a confirmação, mas a ampliação da pena.
A desconfiança de que não se tratava de um julgamento justo foi dada pouco depois da condenação quando o presidente do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, afirmou que a sentença assinada por Sérgio Moro era “tecnicamente irrepreensível”. E, considerando a extensão do processo, numa frase que teve ampla repercussão nas redes sociais, o sociólogo Emir Sader disse que “o revisor do processo do Lula leu 250 mil páginas em 6 dias. Isto é, ele leu 2 mil páginas por hora, sem dormir, durante 6 dias.”
Há um termo que tem sido utilizado que talvez possa ajudar a compreender esse processo. Chama-se Lawfare. Consiste basicamente na má utilização das leis e dos procedimentos jurídicos para fins políticos. Formada pelas palavras Law, e warfare pode ser traduzida em português como ‘guerra jurídica’. Estudos mostram que o fenômeno do Lawfare é mundial. Como afirma Cristiano Zanin, “Lawfare é uma palavra inglesa que representa o uso indevido dos recursos jurídicos para fins de perseguição política”, ou seja, a lei é utilizada como “arma de guerra”, permitindo “o uso de um instrumento jurídico com afeição política”. Umas das características do Lawfare é o uso de acusações sem provas, sem materialidade. Assim, o termo foi usado pela defesa de Lula em relação aos procuradores de Curitiba e o juiz Sergio Moro, quando no entendimento dos advogados de defesa, eles tomam decisões que configuram o uso dos meios jurídicos para fins de perseguição política.
Uma iniciativa importante sobre o Lawfare foi o lançamento internacional do Instituto Lawfare, no dia 5 de dezembro de 2017, na Universidade de Londres, na Inglaterra, por iniciativa dos advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Martins e Rafael Valim. Além da participação de professores da Universidade, uma das mais prestigiadas do mundo, foi formado um conselho consultivo com participação de juristas da Europa, Estados Unidos e da América Latina.
No Brasil, o uso do termo é recente e foi adotado pela defesa do ex-presidente Lula para denunciar diversos processos contra ele, sem as devidas provas materiais e com o claro objetivo de prejudicar ou inviabilizar sua atividade política. Segundo Zanin, o Lawfare fica evidente nas arbitrariedades que ele vem sofrendo ao longo do tempo, como a condução coercitiva sem previsão legal a que ele foi submetido em março de 2017, ou a apresentação de uma denúncia criminal em rede nacional, com a elaboração de um Power Point repleto de adjetivações.
Além desses exemplos, outra grave afronta a Constituição Federal apontada por ele foi o vazamento de áudio de conversas privadas entre Lula e a ex-presidenta Dilma Rousseff “porque a lei é clara quanto ao sigilo desse tipo de informação em processo penal” (…) Daí porque para Zanin o juiz Sergio Mouro havia perdido a imparcialidade para julgar o ex-presidente Lula. Mas de nada adiantou. Ele não só julgou como o condenou a nove anos e seis meses de prisão.
Numa sociedade democrática, a justiça e as leis não podem ou não devem ser usadas com objetivos de perseguição política, ou seja, o uso e abuso do Sistema de Justiça usado para prejudicar pessoas, impondo restrições aos seus direitos.
Para alertar e contar com apoio internacional, um grupo de juristas (606) assinaram um documento que foi divulgado pela Plataforma Change no inicio deste ano, publicada em cinco idiomas, denunciado o Estado de Exceção e a prática de Lawfare no Brasil. Segundo o documento “O Estado de Direito está sendo corroído depois do Golpe contra a Presidenta Dilma, encetado por meio de um Congresso majoritariamente fisiológico ou corrupto, comprometido com forças econômicas espúrias” e que conta como aliado fundamental “a mídia corporativa, para dar ‘direcionamento e seletividade’ ao vazamento de informações”.
Entre as práticas de Lawfare denunciadas no documento estão à delação premiada, as conduções coercitivas “de caráter nitidamente político, desnecessárias e ao arrepio dos dispositivos processuais do Estado de Direito formal, com o visível intuito de desmoralizar lideranças políticas que sequer foram convidadas a depor” e as prisões preventivas “destinadas a buscar depoimentos especificamente contra o Presidente Lula, alvo preferencial dos Procuradores de Curitiba”.
Segundo o documento, “A deformação de um conjunto de processos contra a corrupção sistêmica no país (…) é a conseqüência do “aparelhamento” das medidas anticorrupção para fins de instrumentalização política por setores da direita e da extrema direita do Ministério Público, que hoje se arvoram purificadores da moral pública nacional. Fazem-no, especialmente, para atacar a figura do Presidente Lula, visando anular sua participação no próximo pleito presidencial (…) nenhuma pessoa está acima da lei e não nos opomos a qualquer investigação ou processamento de quem quer que seja; porém, com cumplicidade de parte do Poder Judiciário, o Sistema de Justiça, não apenas em relação a Lula, mas especialmente em razão dele, tem sufocado o direito à ampla defesa, tratando-o de forma desigual e discriminatória e criado normas processuais de “exceção” contra ele e vários investigados e processados, típico “Lawfare”, subordinado ao processo eleitoral”
E finaliza afirmando que “É preciso que essas informações sejam claramente compreendidas pela comunidade jurídica internacional, a quem solicitamos apoio para a luta dos brasileiros comprometidos com a ética pública, a segurança jurídica, a preservação da soberania popular e a reconstrução da democracia”.
Homero de Oliveira Costa é professor titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Leia o artigo Frente de esquerda e as lições de Portugal, do mesmo autor.
Homero de Oliveira Costa
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