Artigo do professor Helinando Pequeno de Oliveira, da Univasf, para o Nossa Ciência
A recente interiorização das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil teve início em 2004 com a instalação da Universidade Federal do Vale do São Francisco no sertão nordestino. Este processo veio como uma forma de sanar uma carência histórica e uma demanda reprimida dos jovens do interior que não tinham oportunidade de ingressar em Universidades Públicas, por residirem a grandes distâncias dos centros urbanos. Para tirar o processo de interiorização do papel foi necessário investimento crescente, como forma de viabilizar infraestrutura para ensino, pesquisa, extensão e assistência estudantil.
Relativamente à pesquisa, o aporte de recursos financeiros via Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), chamadas CT-Infra da FINEP e Editais de Apoio nos moldes do Universal do CNPq e apoio ao pesquisador (FACEPE e FAPESB) favoreceu a consolidação da infraestrutura de pesquisa em laboratórios multiusuários, o que pôde ser visto na estruturação do Instituto de Pesquisa em Ciência dos Materiais (IPCM) da Univasf, que passou a contar com laboratórios de microscopia eletrônica, Raman e raios-X, realidade pouco imaginada nesta região até 2004.
A capacitação em nível de pós-graduação também representava outro anseio da região, dada a limitação de opções. Apenas no Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO-Univasf) – laboratório integrante do IPCM foram formados 21 mestres e dois doutores entre 2009 e 2016, contando no momento com oito teses de doutorado em andamento (programas de biotecnologia e engenharia industrial) e parcerias com a UFPE, UFRPE, UFBA, MIT e Universidade de Coimbra.
Apesar dos dados promissores, podemos considerar como extremamente frágil a condição da pesquisa e pós-graduação nas Universidades Federais mais jovens. Para a consolidação dos grupos de pesquisa e em particular dos programas de pós-graduação da Univasf (todos ainda em nível 3) é fundamental a retomada dos investimentos em Editais de Equipamentos Multiusuários e o fortalecimento de parcerias com as demais instituições consolidadas.
No entanto, o orçamento do antigo MCTI (agora MCTIC) atinge em 2016 o menor nível desde 2006, o que significa um sinal de alerta para o fomento a todo sistema. Não bastasse esta constatação, a PEC 241 (agora renomeada como PEC 55) preconiza o congelamento de recursos para um horizonte de 20 anos. Este retrocesso no investimento em pesquisa pode significar o fim de todas as ações de pesquisa no interior do país. Em um cenário recessivo, de fato, os maiores prejudicados serão os grupos mais vulneráveis, que levarão desvantagem em um processo de seleção natural pelos parcos recursos financeiros. A tímida migração que a ciência assumiu com a interiorização das Universidades será calada pela manutenção da ciência nos centros consolidados, que também precisam sobreviver.
A PEC 55 exercerá entre tantos outros, o papel de algoz desta ação embrionária que é de levar ciência a todos os cantos do país. E as Universidades recém-criadas não mais poderão exercer o tripé ensino-pesquisa-extensão em sua plenitude, passando a se assemelhar a grandes escolas de ensino superior.
Em uma escala mais ampla, o congelamento de investimentos em educação poderá representar o desfecho de um processo neoliberal de privatização em massa das Universidades Públicas. Sem recursos para desenvolver as atividades básicas, não apenas a produção de conhecimento será afetada, mas também a premissa de acesso ao ensino gratuito nas Universidades Federais.
A aprovação da PEC 241 na Câmara pareceu vir acompanhada de um grande silêncio (ao menos do que é noticiado pela grande mídia). Este mesmo silêncio que antecede a catástrofe de grandes tsunamis. Esta será uma grande onda que promete varrer para sempre do mapa a Universidade Pública, o Plano Nacional de Educação, o SUS…
A garantia de investimentos em ciência e tecnologia é premissa para o desenvolvimento das nações que acreditam em seu potencial e que defendem a soberania pela produção de conhecimento. A escravidão moderna é desenhada pela desinformação e subserviência aos grandes centros produtores de tecnologia e conhecimento.
A Universidade no interior permanecerá assim, como uma muda viçosa e forte, prestes a dar bons frutos. Da mesma forma que o Brasil, o país do futuro, que tem uma predileção por passado e retrocessos. Que a classe política ouça a voz das ruas e entenda que este gigante adormecido é enorme, do tamanho da soma dos sonhos de cada um. Pelo Brasil, pela ciência, contra a PEC 55.
Helinando Pequeno de Oliveira é coordenador do Grupo LEIMO – Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos, do Instituto de Pesquisa em Ciência dos Materiais, da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).
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