Ciência aberta: é possível um debate desapaixonado? Artigos

quarta-feira, 29 janeiro 2025

Pesquisador aponta sugestões para a promoção de práticas científicas transparentes e colaborativas.

(John Fontenele Araújo)

No início do ano, o presidente do CNPq, professor Ricardo Galvão, e a Diretora de Análise de Resultados e Soluções Digitais, professora Débora Menezes, publicaram um artigo direcionado à comunidade científica, divulgado no site do CNPq, sobre o tema da Ciência Aberta. Eles avaliam que a implementação da Ciência Aberta no Brasil e no mundo, embora necessária, deve ser precedida por uma ampla discussão sobre as especificidades das condições de trabalho dos pesquisadores brasileiros e a diversidade das áreas de conhecimento.

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No artigo, os autores apresentam vários pontos que devem ser considerados no debate sobre Ciência Aberta. Entre eles, destacam-se os custos diretos, como as taxas de processamento de artigos e a manutenção de uma infraestrutura para repositórios de dados científicos. Por isso, o título do artigo é particularmente apropriado: “Ciência Aberta: uma visão desapaixonada”.

A publicação gerou reações entre pesquisadores brasileiros. Em resposta ao texto produzido pela direção do CNPq, a Rede Brasileira de Reprodutibilidade (RBR) publicou uma carta aberta propondo uma agenda proativa para a agência nesse campo. A carta apresenta vários argumentos contrários à visão dos diretores do CNPq, que sugerem, de forma implícita no título do artigo, que defender a Ciência Aberta é uma “atitude ingênua”.

A Rede Brasileira de Reprodutibilidade é uma iniciativa que promove a reprodutibilidade, transparência e integridade na pesquisa científica no Brasil. Para esclarecer o papel da RBR, listo alguns de seus objetivos principais: promover boas práticas científicas, fomentar a colaboração, realizar estudos de replicação, criar políticas que incentivem a transparência e a integridade na pesquisa, além de elaborar guias e materiais educativos que auxiliem pesquisadores na adoção de práticas reprodutíveis. A iniciativa inspira-se em movimentos semelhantes, como o Center for Open Science (COS), nos Estados Unidos, e a UK Reproducibility Network, no Reino Unido, adaptando essas experiências ao contexto brasileiro. Por isso, a RBR se posiciona como um representante qualificado da comunidade científica brasileira para elaborar a carta aberta “Ciência Aberta: outra visão desapaixonada”, enviada ao CNPq.

Acompanho o trabalho da RBR desde sua criação, tendo participado da Iniciativa Brasileira de Reprodutibilidade, uma ação multicêntrica que busca estimar a reprodutibilidade da ciência biomédica brasileira. Essa iniciativa é financiada pelo Instituto Serrapilheira. A atuação da RBR no debate e na proposição de sugestões sobre Ciência Aberta tem sido fundamental.

Por outro lado, como membro do Conselho de Assessoria (CA) do CNPq, acompanho as discussões sobre Ciência Aberta dentro da agência. Percebo que o debate no CNPq ainda é tímido. No artigo publicado pelos diretores, a discussão começa com a apresentação de dificuldades, em vez de possíveis estratégias para implementar a Ciência Aberta no Brasil. Apesar disso, reconheço que o CNPq tem feito algumas iniciativas importantes, como a apresentação do Plano de Dados Abertos em 2023. Além disso, algumas chamadas do CNPq já exigem que os proponentes apresentem um Plano de Gestão de Dados, que é um dos critérios de avaliação das propostas.

A carta da RBR sugere quatro ações concretas de baixo custo que poderiam ser imediatamente implementadas pelo CNPq:

  • Garantir que a avaliação da produção dos pesquisadores não se baseie no veículo de publicação;
  • Criar campos específicos no currículo Lattes para registro de práticas de Ciência Aberta;
  • Exigir o compartilhamento dos artigos científicos resultantes de projetos financiados pelo CNPq;
  • Tornar o compartilhamento de dados uma prática padrão nos projetos financiados pela agência.

Aproveito este espaço para comentar os desafios relacionados ao compartilhamento de dados e aos repositórios. Os diretores do CNPq apontam essa questão como uma das facetas mais difíceis da Ciência Aberta. Embora o desafio seja real, muitos pesquisadores brasileiros já utilizam dados de repositórios digitais nacionais e internacionais. Por exemplo, recentemente, uma de minhas mestrandas utilizou dados de registros eletroencefalográficos de uma base de dados americana para desenvolver uma rotina computacional baseada em aprendizado de máquina, capaz de detectar crises epilépticas.

Entre os repositórios nacionais consolidados, destaco as plataformas do IBGE e do DATASUS. No portal do IBGE, é possível acessar ferramentas como o SIDRA (Sistema IBGE de Recuperação Automática), que permite a extração de tabelas e dados estatísticos personalizados, e o Banco de Dados Agregados (BDIA), um repositório de microdados agregados das pesquisas do instituto.

Já o DATASUS, do Departamento de Informática do SUS, coleta, processa e disponibiliza dados sobre saúde pública no Brasil. Essa plataforma é essencial para pesquisadores, gestores e profissionais da área de saúde, oferecendo informações sobre mortalidade, nascimentos, doenças, atendimentos hospitalares e financiamento da saúde, entre outros temas. O DATASUS é amplamente utilizado em pesquisas científicas no Brasil.

Provavelmente, muitos projetos financiados pelo CNPq utilizam dados do IBGE e do DATASUS. No entanto, qual é a extensão desse uso? Será que a comunidade científica brasileira aproveita plenamente esses repositórios? Sugiro que o CNPq avalie o uso desses bancos de dados em projetos financiados pela agência. Também poderia incluir campos específicos nos formulários da plataforma Carlos Chagas e no currículo Lattes para informar o uso desses repositórios. Além disso, o CNPq, a CAPES e os programas de pós-graduação poderiam promover o uso dos dados disponíveis nessas bases, incentivando análises científicas que contribuam para o desenvolvimento do Brasil.

O debate é necessário. A pouca paixão pela Ciência Aberta demonstrada pelos diretores do CNPq pode ser revertida com propostas factíveis apresentadas e discutidas pela comunidade. O que esperamos é que essa discussão aconteça e que o “debate seja desapaixonado”.

Leia também: Acesso aberto a publicações científicas

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John Fontenele Araújo é professor titular do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

John Fontenele Araújo

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