Artigo do professor Homero Costa propõe que há muito (ainda) a se esclarecer sobre as conversas entre o juiz Moro e procuradores
(Homero Costa)
Uma série de três reportagens publicadas no dia 9 de junho de 2019 pelo The Intercept Brasil expôs conversas do ex-juiz federal Sérgio Moro e atual ministro da Justiça com o procurador Deltan Dallagnol e evidenciam, entre outros aspectos, a atuação conjunta para antecipar a prisão de Lula e impedir a vitória eleitoral de Fernando Haddad (o que conseguiram). O grave é que o que foi apresentando como provas eram consideradas por eles mesmos como inconsistentes.
As conversas tiveram uma compreensível repercussão. De imediato, nos sites e blogs progressistas e de esquerda, depois, não pode ser ignorado pela grande mídia, face às gravidades do que foi divulgado até agora. As conversas, ocorridas entre 2015 e 2018, foram recebidas de fonte anônima, segundo o site, e como disse Fernando Haddad “Podemos estar diante do maior escândalo institucional da História da República”
Para o ex-ministro Eugênio Aragão (“A operação Lava Jato desmascarada”), publicado no dia 10 de junho de 2019 no site Diário do Centro do Mundo): “Quem acompanhava as conversas internas do MPF na rede @Membros sabia, desde sempre, da descarada politização do ambiente corporativo, marcado por profunda “petefobia”.
Aos que acompanham de forma critica a Operação Lava Jato e seus desdobramentos desde o início, não causou surpresa o teor das conversas, ou seja, a revelação, considerada por muitos como promíscua, entre quem investiga e quem julga os processos. Como disse Eugenio Aragão “Temos ali promotores que se portam feito meganhas e um juiz que é acusador, todos articulados num projeto político de “limpar o Congresso” e de impedir que o PT fosse vitorioso nas eleições presidenciais de 2018”.
Agora, com a divulgação dos áudios, se dizem vítimas de violação da esfera privada, atribuindo a “uma ação criminosa” de invasão de seus celulares usados “para comunicação privada”. Primeiro, os celulares não eram privados, mas funcionais, de serviço. Segundo, não desmentiram o teor das conversas, que são graves e põem em xeque o julgamento e a prisão de Lula, e mostram como suas decisões tiveram por objetivo impedir Lula de disputar (e ganhar) as eleições.
Terceiro, não tiveram a mesma indignação quando divulgaram as conversas entre a então presidenta Dilma Rousseff e Lula, quando tornaram público o diálogo telefônico entre eles, às vésperas da posse de Lula no cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Como se sabe, Lula foi impedido de assumir pelo ministro Gilmar Mendes no dia 18 de março de 2016. Lula havia tomado posse no dia anterior. A decisão foi proferida em ação apresentada pelo PSDB e pelo PPS e nela o ministro afirmou ter visto intenção de Lula em fraudar as investigações sobre ele na Operação Lava Jato. Além de suspender a nomeação, também determinou que a investigação do ex-presidente fosse mantida com o juiz Sergio Moro.
O que foi divulgado pelo The Intecept mostra que Dallagnol e Moro se consultaram sobre a estratégia a ser adotada e um dia antes de Lula ser nomeado ministro da Casa Civil. Ao constatar que conversas de Lula com autoridades com prerrogativa de foro foram gravadas e anexadas ao processo, o então ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba enviasse para o STF todas as investigações que envolvem o ex-presidente Lula. Teori, que depois morreu em acidente de avião, afirmou que Moro deveria ter enviado os autos ao Supremo, para que esse órgão decidisse sobre a cisão ou não do processo.
O ministro ainda cassou a decisão de Moro, que levantou o sigilo dos grampos telefônicos envolvendo Lula, por entender que o magistrado não tinha competência para tomá-la. Segundo o ministro, Moro decidiu “sem nenhuma das cautelas exigidas em lei”. E que ao divulgar o conteúdo dos grampos, Moro violou o direito constitucional à garantia de sigilo dos envolvidos nas conversas.
O próprio Juiz pediu desculpas ao ministro, no entanto se mostrou indignado contra o que denominou de “violação da esfera privada” quando soube da divulgação dos áudios do The Intercept. Mas, nesse caso, se trata de matéria de interesse público e com compreensível suspeita sobre fatos que fizeram parte de uma conspiração política para condenar e prender Lula. As conversas em celular funcional podem ser consideradas como violação de privacidade?
Pelo que se pode ler e ouvir até agora, é possível que as conversas vazadas não sirvam para condenar Sérgio Moro e os promotores do ponto de vista penal, mas certamente derrubam o discurso da sua imparcialidade: como aceitar que um juiz, que deve ser imparcial, dar palpite sobre estratégias de investigação sobre o que depois viria a julgar? Assim, pode-se questionar não apenas as atitudes do juiz e promotores, mas também a condenação e prisão de Lula e a própria legitimidade das eleições presidencial de 2018.
O que se espera com as revelações do The Intercept é que tenham conseqüências. Em nota divulgada no dia 10 de junho de 2019, integrantes do Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e presidente das subseções estaduais, defendem o afastamento de Sergio Moro e de Dalton Dallagnol. Entre outras coisas dizem que “Não se pode desconsiderar, contudo, a gravidade dos fatos, o que demanda investigação plena, imparcial e isenta, na medida em que estes envolvem membros do Ministério Público Federal, ex-membro do Poder Judiciário e a possível relação de promiscuidade na condução de ações penais no âmbito da operação lava-jato. Este quadro recomenda que os envolvidos peçam afastamento dos cargos públicos que ocupam, especialmente para que as investigações corram sem qualquer suspeita”.
O que foi demonstrado em relação ao julgamento, condenação e prisão de Lula foi uma combinação entre o juiz que ia julgar e a acusação, e como desdobramento a indicação do juiz que beneficiou o candidato eleito presidente para o cargo de ministro da Justiça. Assim, ao impedir Lula de concorrer e ganhar as eleições (liderava todas as pesquisas até então) – e os áudios parecem indicar – foi uma condenação com fins políticos e eleitorais.
Muito sintomático nesse processo é o posicionamento do jornal O Estado de S. Paulo, que desde sempre apoiou a Lava Jato e Sergio Moro. Em editorial do dia 11 de junho de 2019 (“Muito a esclarecer”) diz: “Causou compreensível estupefação o conteúdo de conversas atribuídas a integrantes da força-tarefa da Lava Jato e a Sergio Moro, então juiz responsável pelos processos relativos à operação e hoje ministro da Justiça. Se as mensagens forem verdadeiras, indicam uma relação totalmente inadequada – e talvez ilegal – entre o magistrado e os procuradores da República, com implicações políticas e jurídicas ainda difíceis de mensurar. Por muito menos, outros ministros já foram demitidos”.
Mesmo salientando que as mensagens eram de caráter privado e “sua interceptação, sem mandado judicial, é criminosa, razão pela qual são inválidas como prova num eventual juízo e, em princípio, não podem ser aceitas como evidência de vício em decisões judiciais tomadas no âmbito da Lava Jato” afirma que” No entanto, presume-se que os efeitos políticos da divulgação dessas conversas serão graves. Não é possível ficar indiferente a suspeita, levantada pelas mensagens, de que o então juiz Sergio Moro pode ter dado orientações ao procurador Deltan Dallagnol, responsável pela Lava Jato, em casos relativos à operação (…) Nem o ministro Sergio Moro nem os procuradores citados desmentiram o teor das conversas divulgadas.
Ao comentar as respostas de Sergio Moro e de integrantes da força-tarefa da Lava Jato diz “tanto o ministro Moro como os procuradores da Lava Jato não enxergam em sua relação bastante amistosa e às vezes colaborativa algo que fere um dos princípios mais comezinhos do Estado de Direito, aquele que presume simetria entre acusação e defesa no tribunal”.
E finalmente que “Não foram poucas às vezes em que as suspeitas levantadas pela Lava Jato custaram o cargo a ministros de Estado, incapazes de se explicar. Se Sergio Moro continuar a dizer que é normal o que evidentemente não é sua permanência no governo vai se tornar insustentável. Fariam bem o ministro e os procuradores envolvidos nesse escândalo, o primeiro, se renunciasse e, os outros, se se afastassem da força-tarefa, até que tudo se elucidasse”.
Como afirma o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão “Ou o país tira lições dessa atuação criminosa de atores judiciais, ou pode sepultar sua democracia representativa, porque já não haverá mais respeito pelas instituições que devem protegê-la”.
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Homero de Oliveira Costa