A influência das fake news no fortalecimento do obscurantismo nas eleições recentes é discutida na segunda parte do artigo.
(Homero Costa)
Para Marcos Coimbra, no artigo Por que o TSE decidiu esconder as fake news de Bolsonaro?, publicado na revista Carta Capital de 11 de maio de 2019 “Há indícios abundantes de que o capitão se beneficiou do uso intenso e ilegal de fake news na campanha. Desde o primeiro turno, eles se multiplicam, na forma de denúncias, depoimentos, reportagens, estudos acadêmicos e técnicos, conduzidos dentro e fora das universidades. As pesquisas de intenção de voto realizadas no período também oferecem pistas da manipulação que atingiu parte expressiva da população. Bolsonaro foi eleito jogando sujo, abusando do direito de criticar seu adversário e de fabricar rejeição a ele. Sem as mentiras que inventou maciçamente impulsionadas através do Whatsapp mediante investimentos milionários, é provável que não tivesse vencido”.
Leia a primeira parte desse artigo
As iniciativas da Justiça Eleitoral continuaram em 2019. O Tribunal Superior Eleitoral pensando em discutir formas de impedir ou minimizar a divulgação de fake news nas eleições municipais de 2020, com apoio da União Europeia, realizou nos 16 e 17 de maio de 2019 o Seminário Internacional Fake News e Eleições, reunindo especialistas e autoridades brasileiras e estrangeiras para debater a proliferação de notícias falsas no processo eleitoral.
Além de integrantes do Poder Judiciário brasileiro, contou com a participação de dirigentes do Facebook, do Google, do Twitter e do WhatsApp, especialistas do FBI (Departamento Federal de Investigação dos EUA), da Polícia Federal, do Ministério Público, da Organização dos Estados Americanos (OEA), além de representantes de universidades e de institutos de checagem nacionais e internacionais. Depois foi lançado um livro on-line sobre os debates que ocorreram durante o Seminário.
No Congresso Nacional também há iniciativas importantes como a instalação, no dia 4 de setembro de 2019, de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito com o objetivo de “Investigar, no prazo de 180 dias, os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público; a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018; a prática de cyberbullying sobre os usuários mais vulneráveis da rede de computadores, bem como sobre agentes públicos; e o aliciamento e orientação de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio”.
Entre outros aspectos relevantes, pretende analisar as “consequências econômicas da produção e disseminação das notícias falsas que atentam contra a democracia no mundo” e ainda esquemas de financiamento, produção e disseminação de fake news com o intuito de lesar o processo eleitoral. Constam também da lista de iniciativas acesso aos inquéritos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) contra a Cambridge Analytica sobre o uso irregular de ferramentas digitais na campanha eleitoral de 2018. Como informa a Agência Senado, a comissão também solicitou acesso a relatórios do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a ocorrência de fake news nas eleições de 2018 e do Facebook sobre contas suspensas “como parte de investigação sobre perfis falsos”.
No dia 25 de setembro a CPMI aprovou a convocação de nove empresas de serviços de comunicação digital e cinco provedoras de telecomunicações para prestarem depoimento. Claro, Nextel, Oi, Tim e Vivo. As convocações fazem parte dos 86 requerimentos aprovados pela comissão. Além das convocações e convites a algumas vítimas de fake news, também aprovou requisições de acesso a documentos e inquéritos judiciais. Entre eles, o inquérito que o Supremo Tribunal Federal (STF) conduz desde abril de 2019 sobre ameaças nas redes sociais contra seus integrantes.
São iniciativas relevantes, tanto da Justiça Eleitoral quanto do Congresso Nacional. Embora não seja um problema específico do Brasil, mas um fenômeno mundial, o Brasil, a exemplo do Reino Unido, Alemanha, os Estados Unidos, por exemplo, tem tentado criar instrumentos legais e uso de tecnologias para combater o uso sistemático de fake news. No Brasil, a instalação e os trabalhos de uma CPMI podem trazer alguns resultados, embora haja desconfiança de que, a exemplo de muitas, não dê em nada. É possível, mas é preciso tentar.
Analisar fake news é muito complexo. Há um cenário mais amplo, no qual elas são consequências. Como diz Ivana Bentes, no artigo As milícias digitais de Bolsonaro e o colapso da democracia, publicado na revista Cult (24 de outubro de 2018) estamos no meio de uma encruzilhada. Para ela “diante das forças políticas que emergiram no contexto das eleições de 2018 no Brasil, atropeladas por fake news e uma memética corrosiva, a subcultura da internet está produzindo um estado de exceção digital, que afronta a justiça e as instituições analógicas. Mas o que seria um colapso de proporções e efeitos catastróficos, radicaliza também a potência das redes e de uma democracia digital capaz de calibrar as ditaduras por domínio informacional”.
A questão é: como viabilizar uma democracia digital nesse cenário? O desafio é imenso, como ela mesma diz ao afirmar que há “Uma desordem informacional e uma desorientação política que longe de nos levar para um novo tipo de governança, mergulhou o Brasil em uma onda de violência nas ruas e nas redes, com ataques, linchamentos reais e simbólicos, pautas regressivas, propagação epidêmica de discursos de ódio e mentiras contra mulheres, negros, grupos LGBTQI, indígenas, quilombolas, ativistas, ONGs, artistas e fazedores de cultura, professores e estudantes universitários, ambientalistas e cientistas, defensores dos direitos – um campo diverso e plural chamado de ’esquerda’”.
De qualquer forma, é importante saber, por exemplo, como atuam e quem financia as redes subterrâneas na web, quais os interesses que estão em jogo por trás de sites ou posts que utilizam fake news. Embora, como diz Teresa Perosa, no artigo O império da pós-verdade, os desafios impostos pela era da pós-verdade exigem soluções bem mais complexas. E para tentar furar essa ‘bolha de desinformação’ “as democracias modernas e suas instituições precisam encontrar maneiras de recuperar sua credibilidade. Para ela “no mundo ocidental, há uma crise de confiança generalizada das populações em relação aos governos, aos partidos políticos e aos veículos tradicionais de imprensa”. E é justamente nesse cenário que proliferam as fake news, com impactos significativos (e nefastos) nos processos eleitorais. O problema é: como fazer para informar, mobilizar para que as novas tecnologias sejam utilizadas a favor da construção da democracia e não da mentira e do obscurantismo?
Leia outro artigo do mesmo autor:
O nepotismo na política brasileira
Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Homero de Oliveira Costa