Nesse artigo, o biólogo Thiago Lustosa relembra legados de mulheres corajosas, como Rosalind Frankling (foto), a mãe do DNA, que contribuiu para evolução da ciência
Recentemente, a presidente da SBPC e professora da Unifesp, Helena Nader, declarou publicamente seu descontentamento e frustração com a atitude do Executivo que, em consonância com o Legislativo, sancionou a Lei Orçamentária Anual de 2017. A referida lei possui previsão de retirada de 90% dos recursos para as pesquisas na área de CT&I no País. A professora desabafou ao dizer que “não sabe por que continua lutando nesse País”. A pesquisadora já tinha manifestado, em outra ocasião, seu compromisso com o desenvolvimento científico do País, ao criticar, corajosamente, a suposta nomeação de um bispo licenciado da Igreja Universal para assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia, Informações e Comunicação (MCTIC).
Tais atitudes remetem-me aos legados de mulheres corajosas que contribuíram e contribuem para pavimentar a estrada da qual a ciência é construída. Em 2017, completam-se 150 anos de nascimento da polonesa Marie Curie. Uma das mulheres mais emblemáticas da história da ciência, Marie foi a primeira professora universitária da França e, dentre as mulheres, foi pioneira em receber o Nobel e posteriormente ser contemplada com o mesmo prêmio. Ela desbravou a ciência em uma época em que as cientistas nem eram “mulheres comuns”, tampouco eram consideradas pesquisadoras de primeira linha, pois o acesso à educação superior era restritivo.
A “estrangeira” Marie Curie deu continuidade aos trabalhos de Becquerel sobre radioatividade e, mesmo sem recursos financeiros, não só descobriu os elementos radioativos (polônio, rádio e tório), como também lançou a ideia revolucionária de que a radioatividade é uma propriedade atômica dos elementos. Mesmo após o trágico acidente que vitimou seu marido e parceiro científico, Marie continuou a pesquisar e cuidar dos filhos e, mais uma vez, inovou ao demonstrar o valor prático da radioatividade em aparelhos portáteis de raios-X. O seu trabalho inspirou inúmeras mulheres, inclusive a própria filha, Irène Curie, também ganhadora de prêmio Nobel.
Recordo-me também dos trabalhos de Rosalind Franklin, a “mãe do DNA”, considerada por muitos, uma das mulheres mais injustiçadas da história da ciência. Desde cedo, Rosalind revelou seu interesse pela ciência, contrariando a vontade do pai que queria que a filha estudasse serviço social, considerado um campo legítimo de trabalho para mulheres. Cartas reveladas recentemente mostram que o sentimento da década de 50 nas renomadas universidades inglesas (King´s College e Cambridge), em relação à presença de mulheres, era de desprezo até por colegas do grupo de pesquisa (Wilkins que o diga!). Isto não impediu Rosalind de persistir e obter as melhores imagens dos raios-X de DNA de até então, o que incluiria “a fotografia 51”. Tal imagem foi usada por Watson e Crick para resolver a estrutura do DNA, o que lhes rendeu juntamente com Wilkins, o Nobel de Medicina em 1962. O artigo publicado em 1953 na Nature não trazia sequer uma menção a Rosalind, que ficou conhecida como “a dama sombria” da descoberta da dupla hélice. Ainda há tempo para a academia sueca reconhecer Rosalind, mesmo que postumamente, como ganhadora de um prêmio Nobel e acabar de uma vez por todas com as controvérsias envolvendo esse assunto!
E como não se lembrar da bióloga marinha e escritora, Rachel Carson? A americana ficou famosa ao publicar livros como “O mar que nos cerca” e “A primavera silenciosa”. Este último evocava um futuro potencialmente ameaçador, no qual todas as aves seriam dizimadas pela toxicidade dos produtos químicos. Na época, Carson foi duramente criticada, especialmente por parte da indústria química. Não aceitavam que uma mulher solteira, sem doutorado e sem filiações institucionais, conhecida apenas por seus livros sobre o mar e por ser amante dos “bichinhos”, fosse capaz de influir na opinião pública, ao alertar a sociedade para os perigos da intoxicação por produtos químicos. Apesar da morte precoce, vítima de um câncer de mama, deixou seu legado e o congresso americano teve que, mesmo forçosamente, rever e alterar a legislação da época.
Essa incursão científica não é exclusiva das “gringas”! A professora Vanderlan Bolzani, do Instituto de Química da Unesp é um exemplo de pioneirismo na ciência nacional, ao se tornar a primeira mulher a assumir a presidência da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), a integrar o Conselho deliberativo no CNPq na área das Ciências Exatas e a receber o prêmio “Distinguished Women in Science”, em 2011, conferido pelas mais renomadas sociedades de química do mundo (ACS e IUPAC). E nem mesmo os inúmeros empecilhos encontrados pelo caminho foram capazes de impedir que essa nordestina trilhasse um caminho vitorioso na química de produtos naturais.
Mesmo com o momento difícil vivido no País, em que as regras constitucionais parecem não ter mais valor e ainda com uma parcela significativa da classe política enojando e escandalizando a sociedade a cada dia – o que se reflete na indecência dos recursos destinados para as pesquisas na área de CT&I-, os exemplos, as atitudes, e a história de vida de algumas dessas mulheres devotas da ciência fazem-me vislumbrar um futuro melhor.
Thiago Lustosa Jucá é Biólogo, Doutor em Bioquímica de Plantas pela UFC. Atualmente trabalha como Técnico Químico de Petróleo na Refinaria de Lubrificantes e Derivados do Nordeste, PETROBRÁS, onde é Vice Presidente da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Coordenador do Grupo de Trabalho do Benzeno.
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