A melhora da imagem do governo é uma tendência?
(Por Homero Costa)
No dia 13 de agosto de 2020, o Instituto Datafolha tornou público um levantamento feito por telefone com 2.065 entrevistados. Os dados são relativos aos dias 10 e 11 de agosto e mostram que houve um crescimento dos índices de bom/ótimo na avaliação do presidente Jair Bolsonaro. No levantamento anterior, de 5 e 7 de agosto de 2020, o índice foi de 32% e cresceu 5 pontos, passando para 37% e houve também uma diminuição da rejeição, caindo de 44% para 34%.
Outro levantamento feito pela XP/Ipespe e divulgado no dia 17 de agosto de 2020 (realizados entre os dias 13, 14 e 15 de agosto, com 1.000 entrevistados) aponta os mesmos índices, ou seja, 37% que avaliam o governo como bom ou ótimo. Este é o maior índice de aprovação do governo desde o seu início.
Os dados também revelam que, embora tenha havido uma queda nos índices de rejeição 45% para 37% e 45% para 34% nos levantamentos da XP/Ipesp e Datafolha respectivamente, ainda assim é praticamente o mesmo de ruim/péssimo, ou seja, 37% e 34% considerando as respectivas margem de erro de 3,2 e 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Uma observação importante em relação às pesquisas é que são “retratos” do momento e que há diferentes metodologias, com amostragem distintas nos quais perguntas e a posição delas nos questionários, data que foram feitas, como os dados foram coletados (residência, rua, telefone etc.), por exemplo, que podem ter resultados diferentes e assim torna difícil serem comparadas.
Mas a questão relevante é: o que explica esses dados num momento em que o país superou 100 mil mortes por causa da pandemia do coronavírus e mais de três milhões de infectados?
A primeira constatação é que o comportamento do governo frente à pandemia, com críticas ao isolamento social, considerando que era apenas uma “gripezinha”, negando sua letalidade, além dos confrontos com a ciência (e o bom senso) não pareceu afetar sua popularidade, ou a parcela do eleitorado que desde o início o apoia. Nem mesmo a acusação de genocídio: no dia 11 de julho de 2020 o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes numa videoconferência realizada pela revista IstoÉ afirmou que o Exército estava se associando a um genocídio, ao se referir à crise sanitária resultada da pandemia, agravada pela falta de um ministro titular no Ministério da Saúde.
De qualquer forma é um percentual bem menor do que de Dilma Rousseff em um ano e oito meses de governo: em agosto de 2012 o índice de aprovação dela era de 62% de bom/ótimo e considerando os presidentes pós-ditadura, os índices atuais só são maiores do que o de Fernando Collor no mesmo período.
O que explica esses índices atuais? Há várias possibilidades de análise. Os levantamentos coincidem com um momento de mudança de comportamento (público) do presidente, depois da prisão Fabrício Queiróz, no dia 18 de junho de 2020, amigo do presidente de longa data e assessor do seu filho, hoje Senador Flavio Bolsonaro, acusado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro de vários crimes. Houve mudanças no relacionamento com o Congresso, como uma aproximação, antes, alvo de críticas e mais especificamente com o chamado “centrão”, cujo apoio se baseia em negociações e práticas também antes condenadas (o conhecido “toma-lá-dá-cá”).
Mas parece haver consenso de que o fator principal do crescimento do índice bom/ótimo se deve ao auxílio emergencial, em vigência desde abril de 2020, em função das consequências da pandemia e que beneficia mais de 53 milhões de pessoas (em torno de 25% da população).
Embora o benefício de R$ 600 tenha sido aprovado pelo Congresso (a proposta do governo era de R$ 200) o fato é que teve impacto nos índices de aprovação do governo. Aumentou o valor em relação ao programa Bolsa Família e de beneficiados. Segundo Cassia Almeida, em matéria publicada no jornal O Globo no dia 16 de agosto de 2020, “A injeção na economia de R$ 50 bilhões a cada mês por meio do auxílio emergencial para informais reduziu a pobreza e fez a desigualdade brasileira chegar a seu menor nível histórico”. A referência é “um cálculo inédito do sociólogo Rogério Barbosa, do Centro de Estudos da Metrópole da USP”.
O levantamento do Datafolha revelou o aumento da aprovação entre a população que ganha até dois salários mínimos, especialmente no Nordeste (única região em que o presidente eleito foi derrotado em todos os estados nas eleições de 2018) onde se tornou possível mensurar o impacto social, econômico e eleitoral do auxílio emergencial. Entre junho e agosto houve uma queda da rejeição de 17 pontos. A região tem 27% da população do País, recebe 35% do total do auxílio.
Antes, os programas de transferência de renda dos governos petistas eram tidos como “compra de votos”, “esmolas eleitoreiras” e um meio de “tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda”.
A influência de fatores econômicos nos resultados eleitorais tem sido objeto de análises e debates na ciência política. O crescimento da aprovação do governo expressos nos levantamentos pode ser analisada por uma das vertentes interpretativas chamada Teoria do Voto Econômico, baseada na Teoria da Escolha Racional que, resumidamente, defende que o voto econômico é o fator explicativo na decisão do voto, o qual passa pela análise custo-benefício: ir às urnas e votar em determinado(a) candidato(a) significará a expectativa de uma recompensa.
Há uma frase do então assessor de Bill Clinton, James Carville, que ficou famosa e reforça isso: ao se referir ao fator decisivo na hora do voto disse: “É a economia, estúpido!”. George W. Bush era o favorito às eleições presidenciais de 1992, mas o país estava em recessão e seus efeitos foram decisivos para a vitória de Bill Clinton.
No artigo Bolsa família e voto na eleição presidencial de 2006, publicado na revista Opinião Pública (vol.15 n.1, 2009), Eliane Cristina Lício, Lucio Rennó e Henrique Carlos de O. Costa mostram o impacto do voto em Lula entre os beneficiários do programa Bolsa Família num contexto de “uma cultura política de um país desigual com pouca possibilidade de mobilidade social”.
Outra pesquisa evidencia a importância do Programa Bolsa Família. No artigo A eleição de Dilma em 2010 e seus determinantes: evidências empíricas do programa Bolsa Família dos economistas Ana Elisa Gonçalves Pereira, Cláudio Shikida, Felipe Garcia Ribeiro e Luciano Nakabashi apresentam evidências empíricas de que o Programa Bolsa Família teve um papel preponderante na eleição Dilma Rousseff em 2010, e que “esse efeito foi superior ao do desempenho econômico favorável nos dois mandatos do governo Lula”.
A referência que fundamental a Teoria do Voto Econômico é o livro de Anthony Dows Uma teoria econômica da democracia, publicado em 1957 (e no Brasil em 1999, pela Edusp). Para ele, há uma racionalidade no voto e o relaciona à lógica do mercado: o eleitor(a) vota em quem julga que pode lhe trazer benefícios. Dows entende a ação racional como a que é “eficientemente planejada para alcançar os fins econômicos ou políticos conscientemente selecionados do ator”.
A partir desta obra, muitos estudos foram publicados se fundamentando na perspectiva do eleitor racional. Entre autores importantes e influentes dessa teoria está Morris P. Fiorina, professor da Universidade de Stanford que publicou diversos resultados de pesquisas nas quais destaca a avaliação retrospectiva do eleitor em relação à economia “que leva a punir ou premiar o governante” em processos de reeleições (uma referência de seus estudos é o livro Retrospective Voting in American National Elections, publicado pela New Haven, CT/ Yale University Press, 1981).
No Brasil, uma referência importante desses estudos é Marcus Figueiredo, em especial o livro A decisão do voto (Editora Sumaré/Anpocs, 1991) entre outros aspectos, ele faz uma revisão crítica das teorias explicativas do voto (teoria sociológica, psicológica etc.,) e afirma que eleitor é racional e decide participar votando em algumas das alternativas apresentadas e escolhe a que mais se aproxima das suas aspirações de bem-estar social (e também a que tem mais chances de vencer).
Depois disso, foram publicados muitos estudos, resultados de pesquisas, entre eles O voto econômico no Brasil: evidências com dados em painel e em multinível, publicado em 2017 por Gustavo Andrey de Almeida Lopes Fernandes e Ivan Filipe de Almeida Lopes Fernandes que mostram evidências de que há um impacto positivo do crescimento econômico nos votos de candidatos à reeleição (no caso, para quem exerce o mandato e quer se reeleger). Para comprovar as afirmativas, os autores analisam dados de uma amostra da população dos municípios brasileiros das eleições presidenciais e municipais de 2000 a 2008.
Podem ser citados também Votando com o “bolso” na América Latina: uma investigação dos determinantes individuais e macro estrutural do voto econômico de Rafael da Silva, professor de Política na Universidade Estadual de Maringá . O artigo foi apresentado no 10º. Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (2016) ; O voto econômico na América Latina: o estado da arte de Flavia Bozza Martins no qual analisa alguns estudos sobre o voto econômico em alguns países da América Latina (Paraná eleitoral, vol.2, n.3, 2013) e Voto econômico na América Latina: uma abordagem em dados em painel (1995-2011) de Tarianna Lustosa Santos apresentado no I Seminário Internacional de Ciência Política (2015). A conclusão é a de que os eleitores latino-americanos levam em consideração a situação econômica do país no passado na decisão do voto do presente.
Em O voto econômico em democracias recentes: determinantes do comportamento eleitoral na América latina Luciana Fernandes Veiga, Éder Rodrigo Gimenes e Ednaldo Aparecido Ribeiro analisam o voto em 64 eleições presidenciais na América Latina entre 2008 e 2014 e concluem que há variações entre os países, salientando a complexidade dos sistemas partidários e eleitorais que podem ter influência no voto: em alguns é mais orientado pelos partidos em outros, não. O estudo confirma as hipóteses de que países com estrutura fechada de competição pela presidência aumentam as chances de que seus cidadãos votem orientados pela sua identificação partidária e que quanto menor for à volatilidade eleitoral, maior a chances de haver voto partidário e quanto mais baixo a fragmentação partidária, maior a chance de haver identificação partidária.
Nesse sentido, como explicar o voto no Brasil, que tem alto índice de volatilidade eleitoral, baixa identificação partidária, expresso nos altos índices de rejeição aos partidos e alta fragmentação partidária (maior dos 17 países pesquisados)?
Certamente incorporando na análise outros fatores, como os efeitos do sistema partidário e eleitoral, aspectos conjunturais, assim como fatores de ordem sociológica (o pressuposto desse modelo é que o comportamento eleitoral individual só pode ser compreendido no contexto social mais amplo, levando em escolaridade, renda, etc.) e psicológica (nesse modelo, privilegia-se a formação da identidade subjetiva do indivíduo), enfim, não há apenas um modelo que explique as razões que levam às pessoas a saírem de casa para votarem e escolherem determinado(a)s candidato(a)s.
No artigo Voto econômico ou referendum político? Os determinantes das eleições presidenciais na América Latina – 1982-1994, Fabian Echegaray, professor de Ciência Política da Universidade de Connecticut (EUA) se refere a duas concepções que têm prevalecido para entender os resultados eleitorais: o voto no partido do governo determinada por seu desempenho econômico (o chamado “voto econômico”) e o que ele chama de “referendum político” no qual as eleições ”referendam” outros temas relevantes para a cidadania, sobretudo na liderança demonstrada na sua administração. Ele utilizou dados macroeconômicos e de opinião pública de 30 eleições realizadas entre 1982 e 1994 em 15 países da região e conclui que “verifica-se um maior respaldo para a hipótese do “referendum político”; na medida em que o impacto da popularidade presidencial sobre a distribuição de votos obtida pela situação supera os efeitos de diferentes variáveis macroeconômicas”.
Isso reforça o que foi afirmado anteriormente, ou seja, há uma pluralidade de interpretações. Em relação à decisão do voto, são fatores diversos e muitos deles, conjunturais, por isso é muito cedo para fazer projeções para as eleições de 2022. Muita coisa pode acontecer e mudar completamente as intenções de voto. É certo que o voto econômico tem sua relevância para a participação e compreensão do voto, como crescimento econômico e seus desdobramentos (que não parece ser hoje o cenário que se projeta, com a queda do PIB e outras consequências da pandemia) mas coexiste com outras dimensões explicativas.
Enfim, há um cenário de incertezas, em especial em países como o Brasil, com alta volatilidade eleitoral (se todos votassem sempre do mesmo jeito, não haveria mudanças, já que ganhariam sempre os mesmos. E não é o que acontece). Hoje não é possível saber o que ocorrerá em relação à aprovação do governo com o fim do auxílio emergencial.
Além disso, no processo de decisão do voto deve ser considerado também os efeitos do marketing político e eleitoral e seu uso na mídia, a utilização das redes sociais, das fakes news, da filiação religiosa (vide a importância do chamado “voto evangélico” nas eleições presidenciais no Brasil em 2018), entre outros fatores.
Referências
O voto econômico no Brasil: evidências com dados em painel e em multinível
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Homero de Oliveira Costa
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