O cientista político Homero de Oliveira Costa fala sobre o período conhecido como ‘janela’, que se abrirá durante todo o mês de março de 2018, permitindo a troca de partido sem a perda de mandato
No dia 5 de outubro de 2017, dois dias antes do prazo para que a lei pudesse ter validade para as eleições de 2018, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 97/2017 que é um conjunto de mudanças qualificado apropriadamente como minirreforma eleitoral, já que não se tratou, de fato, de uma ampla reforma política. Entre os itens aprovados estão à abertura de um período, conhecido como janela durante todo o mês de março de 2018 para troca de partido, sem que isso implique a perda do mandato.
Foram aprovadas também: A criação de um fundo eleitoral no valor de R$ 1,7 bilhão para financiar campanhas; a liberação de arrecadação de recursos para campanhas por meio de “vaquinhas online” a partir de 15 de maio de 2018 (os partidos poderão promover eventos e vender bens e serviços para arrecadar recursos); o estabelecimento de limites de gastos, conforme o cargo (presidente, governador, senador, deputado federal e deputado estadual), a instituição de uma cláusula de barreira que estabelece que cada partido precisará ter ao menos 1,5% dos votos válidos nacionais a deputado federal em pelo menos 1/3 dos Estados (Também conhecida como cláusula de exclusão ou cláusula de desempenho, é uma norma que impede ou restringe o funcionamento parlamentar ao partido que não alcançar determinado percentual de votos. Já havia sido aprovado pelo Congresso em 1995 para ter validade nas eleições de 2006, mas foi considerado inconstitucional pela unanimidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o argumento de que prejudicaria os pequenos partidos).
Foi aprovado também o fim das coligações para eleições proporcionais, a partir de 2020.
Em relação à troca de partidos, a lei anterior, aprovada em 18 de fevereiro de 2016, alterou a Constituição Federal para estabelecer a possibilidade “excepcional e em período determinado, de desfiliação partidária, sem prejuízo do mandato” (Emenda Constitucional 91/2016), aprovada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, “nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal”, que promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º É facultado ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à promulgação desta Emenda Constitucional, sem prejuízo do mandato, não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos.
Como era
Antes, havia lei 13.165/2016 a qual estabelecia que todo final de mandato, sete meses antes da eleição, seria aberta uma janela para livre troca de partido, sem perda do cargo, para os mandatos que estejam se findando no respectivo ano eleitoral. Em 2016, portanto, valia para vereadores e prefeitos.
Os partidos podiam solicitar à Justiça Eleitoral a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa. A lei, no entanto, assegurava a possibilidade de mudança de partido em “justa causa”, considerando com tal “à incorporação ou fusão do partido, a criação de partidos, a mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário e a grave discriminação pessoal”.
O objetivo naquele momento era barrar o troca-troca partidário, prática comum até então.
O tema voltou à discussão – e foi uma das razões para a mudança na legislação – quando uma Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu sobre a criação de partidos e permitiu a troca de 20 deputados federais para criar o Partido da Mulher Brasileira (dos quais, curiosamente, eram apenas duas mulheres).
Troca-troca
Na primeira semana da aprovação da Resolução do TSE, mais de 40 deputados federais mudaram de partido, assim como dezenas de deputados estaduais e vereadores.
O que leva a troca de partidos e/ou a formação de partidos? Um conjunto de fatores. Neste momento, além da prevalência dos interesses pessoais, as negociações em curso (sem que os eleitores saibam como se dão), um dos principais objetivos são as articulações para as eleições de 2018.
A troca de partidos, certamente trará mudanças nas suas composições. Mas o fundamental é que a troca de partidos e/ou a criação de partidos, não se dão em função de programas e/ou ideologias, e sim visando aumentar seu poder de barganha (prática comum para a formação de bases de apoio nas Câmaras municipais, Assembleias legislativas e no Congresso Nacional).
Fundo partidário
Outro fator é o acesso ao Fundo Partidário. Trata-se do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos. Ele foi criado em outubro de 1965(Ato Institucional n.2) que acabou com os partidos e instituiu as regras para a formação dos partidos (que resultou na formação da Arena e do MDB) e tinha por objetivo declarado garantir que os partidos tivessem autonomia financeira. Mas, como se sabe, eram controlados pela ditadura e assim não se permitia nem a autonomia financeira, e tampouco dos partidos, impossibilitando assim a criação de espaços para a diversidade partidária no país.
Com a decisão de proibição de financiamento de empresas a partidos e candidatos e o fracasso das doações de pessoas físicas nas eleições municipais de 2016, o Fundo Partidário passou a ser a principal fonte (oficial) das campanhas eleitorais. Restaram para as legendas R$ 888 milhões do Fundo Partidário e os R$ 1,7 bilhão aprovado na mini-reforma eleitoral. Dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral e divulgados no dia 2 de novembro de 2017, mostravam que os partidos já haviam recebido mais de 562 milhões de reais (R$ 562.617.968,25).
No entanto, as regras ainda precisam ser definidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A dúvida é saber se ambos serão usados ou apenas o fundo eleitoral criado pela minirreforma.
Um entendimento é o de que o fundo partidário serviria exclusivamente para custear a estrutura partidária e não poderia ser usado para gastos de campanhas. Pelo menos esta é a posição já explicitada pela vice-presidente do TSE, ministra Rosa Weber, que assumirá a presidência depois do ministro Luiz Fux.
Resultados
Quanto à janela partidária, se o objetivo declarado é o de dar liberdade aos parlamentares, não evita que permaneça uma das muitas deformações do processo político e eleitoral brasileiro. Primeiro, porque as motivações para a troca de partido são os interesses pessoais dos parlamentares e as negociações são nesse sentido, ou seja, não são programáticas e/ou ideológicas, visando o fortalecimento dos partidos. Assim as deformações continuarão até porque vão além do troca-troca de legendas
Segundo, pode ajudar a ampliar a descrença dos eleitores porque em princípio se vota num candidato e num partido e o eleito, sem consultar quem o elegeu e pensando apenas em si mesmos, troca de partido e trai o eleitor.
Assim, a janela para a troca de partidos que se abrirá em março, não significará nenhum avanço na legislação eleitoral, talvez um retrocesso porque, com a permanência de partidos que são apenas legendas para viabilizar candidaturas e permitir o controle de seus dirigentes do fundo partidário, deverá estimular a barganha e manter todas as distorções e vícios do sistema partidário e eleitoral brasileiro.
Homero de Oliveira Costa é professor titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Leia o artigo Crônica de uma condenação anunciada, do mesmo autor.
Homero de Oliveira Costa
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