Para a articulista, a Regulamentação da mídia é um passo fundamental para a democratização do país
Perdida na última prateleira da sessão de produtos prestes a vencer: é aí que se encontra o debate sobre regulação da mídia no Brasil. A analogia é do advogado Gustavo Barbosa, com quem, ao lado da vereadora em Natal (RN), Natalia Bonavides (PT), tive a oportunidade de dividir uma mesa, na última sexta-feira (21), com o tema “Direito, mídia e poder: a influência e monopólio dos meios de comunicação na justiça”, na 17ª Aula Magna de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Esquecida nas redações, ignorada pela população e demonizada pelo Congresso Nacional, a pauta da regulação dos meios de comunicação brasileiros parece muitas vezes nascer e morrer nas rodas de conversa do movimento estudantil dos cursos de comunicação social. No que consiste, de fato, a regulação da mídia? E o que isso tem a ver com democracia? Para compreender melhor esse debate (e o porquê dele ser continuamente deixado de lado), é preciso entender, primeiramente, que a comunicação é um direito humano fundamental.
Foram os grandes escândalos políticos, guerras e desastres que começaram a trazer à tona a importância do direito do ser humano de se comunicar. No século XX, o direito humano à comunicação passou a figurar ao lado de direitos sociais, econômicos e culturais em termos de importância, como uma premissa para garantir à população todos esses outros direitos assegurados por constituições democráticas.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, deixa claro que: “[…] todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras” (Assembleia Geral das Nações Unidas, 1948, Art. 19).
Como se comunicar livremente, no entanto, se poucos são os detentores dos meios de comunicação? Em um país tão diverso como o Brasil, com diversas cores, realidades e classes econômicas, todos os detentores das grandes mídias, acabam recaindo em apenas uma delas: brancos, ricos, concentrados na região Sudeste. Esqueça o sotaque Nordestino: o chiado ao fim da palavra é o “sotaque neutro”. De repente, todo um país acaba sendo obrigado a se ver em apenas uma das faces que o compõe.
Com a chegada da internet, o modo de se fazer e pensar comunicação deu um giro de 180 graus. Não mais os espectadores eram passivos ao que estava sendo transmitido. A velocidade da produção foi amplificada, as rotinas das redações foram transformadas e muitos veículos tradicionais fecharam para sempre suas portas por não ter conseguido se adaptar aos novos moldes de produção da informação. Novos atores passaram a ganhar importância e as alternativas aos grandes meios de comunicação se multiplicaram. Acreditava-se que todos teriam voz neste novo espaço sem fronteiras ou limites visíveis.
Apesar de ter proporcionado uma abertura significativa no mercado de comunicação, com o passar do tempo viu-se também que a internet passava longe de ser este espaço neutro tão sonhado de livre circulação do conhecimento. Dominada por poucas grandes empresas – Google, Facebook, Amazon e tantas outras -, percebeu-se que o conteúdo poderia até ser produzido, poderia até ser postado: mas seu alcance era ditado, similarmente ao que acontecia nos veículos tradicionais, pelo mercado. Essa é apenas uma das principais problemáticas envolvendo o mundo virtual e a comunicação.
A Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do IBGE apontou, em 2017, que 63% dos brasileiros têm acesso à internet em casa. De acordo com a pesquisa, 92,3% dos lares brasileiros possui ao menos um morador com celular. O marco de 63% dos brasileiros com acesso à internet é significativo. Estamos cada vez mais nas redes. Mas os 37% que não possuem acesso ainda representam uma enorme fatia de nossa população. Esse é o nosso segundo problema.
A internet não é universal. Muitas vezes, em nossa bolha, acreditamos que todos possuem acesso irrestrito à internet, e é de lá que obtém todas as suas informações. Acreditamos que falar dos veículos tradicionais, falar de televisão e jornal, é ultrapassado. Enganamo-nos. De acordo com a mesma Pnad Contínua, 97,3% dos lares brasileiros possuem um aparelho de televisão. A televisão é considerada um “bem universal”. E é a partir dela que parte esmagadora da população se informa.
Se mais de 90% da nossa população possui acesso à televisão, não seria o mínimo de se esperar que tivéssemos nela representada toda a diversidade de nosso território? Muitos críticos da regulação da mídia acreditam que regular significa um ataque à liberdade de expressão. Mas quando apenas um grupo específico, de uma região, de algumas poucas famílias, podem veicular sua visão de mundo, há de fato liberdade de expressão?
Regular a mídia é um passo fundamental para que a democracia em nosso país seja plena. Um passo fundamental para garantir a tão sonhada liberdade de expressão que, infelizmente, ainda é para poucos. As novas tecnologias digitais transformaram o modo de se fazer e de se pensar comunicação, e precisamos também discutir essas novas formas e suas implicações. Os moldes tradicionais, no entanto, ainda não foram superados e, às vésperas de uma das mais conturbadas eleições presidenciais em nosso país – que já está sofrendo interferência direta dos meios de comunicação – precisam, mais do que nunca, ser discutidos e repensados.
Mariana Ceci é estudante de Comunicação Social (Jornalismo) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e repórter da Tribuna do Norte, além de militante da Marcha Mundial das Mulheres.
Mariana Ceci
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