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sexta-feira, 7 abril 2017

Artigo de Laurence Bittencourt, diretor Científico da Fapern, para o Nossa Ciência

Mesmo tendo terminado um de seus mais importantes livros no final do século XIX, mais precisamente em 1899, ele, seu autor, fez questão de lançá-lo apenas em 1900, ou seja, na abertura do século XX. Foi intencional? Sem dúvida. Diria mesmo, totalmente. Bom, mas de que livro estamos falando? Do livro, “A interpretação dos sonhos”. Seu autor: Sigmund Freud.

O nome Freud, podemos ainda afirmar com toda a tranquilidade, mesmo passado quase um século de sua morte (Freud morreu em 1939, em Londres, fugindo da perseguição dos nazistas. Freud era judeu) continua, ainda, extremamente forte. Sua obra imensa, continua sendo lida e estudada, a cada ano, por psicólogos, psiquiatras, filósofos, antropólogos, sociólogos e afins. E mesmo entre os leigos.

Nascido em 1856, formou-se em Medicina (por sinal, foi um aluno brilhante e um médico profissional mais brilhante ainda) pretendendo seguir carreira como Neurologista. E assim o fez, até decidir ir fazer um cursode quatro meses, logo após o termino da graduação (curso, portanto, de pós-graduação) em Paris, no famoso Hospital “La Salpetriere” junto ao grande nome da época, diretor do hospital, o médico neurologista, Martin Charcot. Esse curso, podemos dizer, mudou a vida de Freud, sua carreira de médico e a vida da humanidade.

Na época, Charcot era um dos poucos nomes na ciência médica, que dava importância a um dos acometimentos mentais mais intrigantes, totalmente incompreendido para os psiquiatras e neurologistas da época, que era a famosa Histeria.

Ao ir a Paris, Freud gozou do privilegio de ser aluno de Charcot e de assistir algumas de suas aulas-casos, ficando visivelmente impressionado como também interessado por essa afecção, a histeria, que não tinha explicação orgânica, ou seja, biológica. Como diziam os psiquiatras da época, “era pura invenção”, coisa de filhinhas de papai que se negavam a enfrentar a vida e “ficavam” arranjando sintomas que paralisavam suas vidas, ainda que não tivessem etiologia orgânica.

Freud, da mesma forma que Charcot levou a sério as queixas das mulheres histéricas, passando a fundar uma nova concepção cientifica, rompendo com a prática médica, criando o que ele próprio intitulou de Psicanálise, que passaria a ser uma forma de investigação dos sofrimentos psíquicos e um método de tratamento paraesse sofrimento. Mas mais do que isso. Através da psicanálise, Freud na verdade, irá propor uma explicação plausível sobre a forma de funcionamento do espaço psíquico, da mente humana. Com as histéricas, Freud larga, por assim dizer, a medicina e passa para o lado da psicologia.

Já no volume 1 de suas Obras Completas, volume este que traz as publicações ainda pré-psicanalíticas, no artigo, “Algumas considerações para um estudo comparativo das paralisias motoras, orgânicas e histéricas”, encontramos a seguinte frase de Freud: “Martin Charcot foi o primeiro a nos ensinar que, para explicar a causa da neurose histérica, devemos concentrar-nos na psicologia”. E foi isso o que ele fez.

Com Freud, portanto, o sintoma histérico passará a ser um “corpo” que fala. Um “corpo” falante. Um corpo que goza. A proposta terapêutica passa a ser a de propor que o sintoma histérico (contraturas corporais, paralisias motoras, cegueiras sem causa orgânica) teria um sentido e precisaria ser decifrado, uma vez que “escondia” uma forte emoção que não pode ser descarregada.

Com Freud e sua nova teoria da mente, foi possível entender que o sintoma psicológico, se apresentava como uma língua estrangeira (desconhecida) para o sujeito sofredor. Dai a proposta psicanalítica que o mesmo teria que ser decifrado, compreendido, através da fala do paciente.

Dando voz às histéricas, ao sintoma histérico, Freud causou uma revolução na clinica psiquiátrica de sua época. Na verdade, e corajosamente, ao não reduzir o sintoma (no caso, o histérico) a algo biológico, naturalizado, independente do sujeito, ele reinseriu a noção de sujeito. Deu voz e reconheceu um sujeito. Um sujeito falante. Um sujeito histérico. Toda terapia psicanalítica é feita com base no discurso do paciente em conversa com o analista. O que rege o tratamento, não é outra coisa, a não ser a fala.

Com Freud, portanto, a linguagem, a fala humana, ganhou talvez o seu maior defensor. Hoje se pode dizer que o sintoma psicológico, é, no fundo, uma “fala presa”, algo que por não poder ser dito, gera um sintoma. Por isso, toda importância atribuída a fala, a linguagem.

A partir da escuta das histéricas, Freud criou uma nova abordagem de compreensão sobre da natureza humana.

A importância da fala nas nossas vidas é tão fundamental que basta pensarmos que um pensamento sem discurso é puro cemitério. De nada adianta o pensar, sem a materialização de um discurso. Ora, como o mundo irá saber dos seus planos, por exemplo, se o seu pensar não encontra uma materialização discursiva? Foi a isso, que Freud levou toda uma vida, a mostrar que a palavra é o que nos determina. É por um discurso (um bom discurso, por exemplo) que a física (como a química) se estruturou e estruturou sua área de conhecimento. Para decifrar a natureza (estou pensando na física) o homem não faz (e não fez) sem a utilização de um discurso. Poderíamos mesmo reduzir: a vida é um falatório. É a tentativa de transformar imagens, pensamentos em palavras. Freud aos poucos, foi nos explicando que o humano não é só sinapses, neurônios, um corpo, um feixe de nervos. Somos acima de tudo, como diria Shakespeare, palavras, palavras, palavras.

Por fim, como disse recentemente a psicanalista francesa, Elizabeth Roudinesco, “a psicanálise restaura a ideia que o homem não é determinado pelo biológico”. Ou se quiserem, apenas pelo biológico.

Laurence Bittencourt é diretor Científico da Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio Grande do Norte – Fapern. Mestre em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Graduado em Jornalismo pela UFRN e em Psicologia pela Universidade Potiguar (UnP). É professor na graduação e na pós-graduação da UnP.

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