A ciência e a própria história política recente do país demonstram que o desmatamento desordenado é um erro que custará muito caro a toda a humanidade
(Homero Costa)
“O Brasil é uma virgem que todo tarado quer” (declaração do presidente Jair Bolsonaro em relação às críticas feitas por chefes de Estado europeus em relação à política do governo brasileiro sobre a Amazônia).
O Brasil tem a maior floresta tropical do mundo com uma das mais ricas biodiversidades e o seu desmatamento traz consequências graves não apenas para os seus habitantes, como para o planeta, uma vez que contribui para acelerar o aquecimento global, ou seja, a sua destruição pode aumentar a emissão de gases de efeito estufa, que causam mudanças climáticas.
No artigo O meio ambiente como estorvo, publicado na revista Piauí (n.152, junho de 2019), Bernardo Esteves afirma que “a derrubada da vegetação natural na Amazônia e no cerrado emite duas vezes mais gases responsáveis pelo aquecimento global (…) juntos o desmatamento e o setor agropecuário respondem por 70% dos gases que causam o aquecimento global emitidos pelo Brasil”.
Ele analisa algumas das consequências da política ambiental do governo Bolsonaro. Para a matéria, entrevistou 58 pessoas, sendo 29 funcionários e ex-funcionário do governo e revela o temor de alguns entrevistados, solicitando para não serem identificados, por causa do clima de intimidação que há no Ministério do Meio Ambiente e informa que, entre outras medidas, o ministro Ricardo Salles “agilizou a tramitação de processos administrativos que culminaram na demissão de servidores” e que o ministro, um dos fundadores do Endireita Brasil, foi denunciado pelo Ministério Público e condenado em 1ª. Instância por improbidade administrativa devido a sua gestão como Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, na gestão de Geraldo Alckmin”.
Nos anos 1970, em plena ditadura militar, foram criados diversos Comitês de Defesa da Amazônia. Naquele momento, denunciava-se não apenas a destruição de floresta e suas consequências, como a cumplicidade dos governos nesse processo, incluindo as facilidades para a presença de empresas estrangeiras no país, sendo o Projeto Jari talvez o maior e mais conhecido. Trata-se do nome de uma fábrica às margens do Rio Jarí para a produção de celulose e outros produtos, que foi iniciada em 1967. Criada pelo norte americano Daniel Keith Ludwig e planejada para funcionar como um complexo econômico, com atividades industriais, agrícolas e de extração mineral e vegetal. Na época foi considerada a maior companhia florestal do planeta e mais extensa propriedade agrícola do mundo pertencente a uma só pessoa. Era uma área superior a muitos países da Europa e foi objeto de críticas e denúncias, especialmente pelos que a identificava como uma ameaça à soberania nacional.
Entre seus críticos, o sociólogo Otávio Ianni que no livro “Ditadura e agricultura. O desenvolvimento do capitalismo na Amazônia: 1964- 1978” (publicado em 1979) se referiram ao Projeto Jarí como “um enclave estrangeiro criado com a proteção econômica e política da ditadura”. Para ele, a ditadura facilitou a abertura da Amazônia aos grandes negociantes de terra e promoveu uma política de concentração fundiária na região. Nesta e em outras obras como A ditadura do grande capital (1981) ele analisa a subordinação do Brasil que se ‘modernizava’ por meio de uma ditadura militar e sob os auspícios do imperialismo norte-americano, que nas suas palavras “captura o Estado nacional”.
O problema é que, nos governos civis que sucedem o regime militar, de José Sarney ao atual governo, o processo de desmatamento na Amazônia continuou, mas que se acelera desde o golpe de agosto de 2016. Bernardo Esteves informa que entre 2004 e 2012, que corresponde aos governo de Lula e o primeiro governo de Dilma Rousseff, havia um Plano Interministerial o qual conseguiu reduzir 84% a derrubada da cobertura florestal na Amazônia e que as taxas voltaram a crescer a partir de 2016.
Um artigo publicado na revista Veja no dia 24 de novembro de 2018, Desmatamento da Amazônia atinge recorde em uma década, informa que “o desmatamento da Amazônia atingiu seu maior nível em uma década (…) impulsionado pela exploração ilegal de madeira e pelo avanço da sob agricultura e a floresta”.
Segundo a matéria “Imagens de satélite mostraram que entre julho de 2017 e julho de 2018, 7.900 quilômetros quadrados de floresta amazônica foram destruídos, equivalente a mais da metade do território da Jamaica. O valor representa um crescimento de 13,7% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando foram desmatados 6.947 km².
Historicamente os estados que apresentam os índices mais elevados de desmatamento são Pará, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas.
Segundo o Greenpeace, entre agosto de 2017 e julho de 2018, a floresta perdeu 7.900 km2 por causa do desmatamento ilegal.
Na edição de 26 de abril de 2019, volume 364, revista Science (Volume 364) publicou com o título Make EU trade with Brazil sustainable uma carta assinada por 602 cientistas de instituições europeias pedindo para que a União Europeia (UE) condicione a compra de insumos brasileiros ao cumprimento de compromissos ambientais, redução do desmatamento, respeito aos direitos dos índios e à proteção ambiental.
Esse processo de avanço do desmatamento e destruição da floresta amazônica tem sido motivo de preocupação não apenas de organizações não-governamentais de defesa da Amazônia, como também de ex-ministros do meio ambiente, que no dia 8 de maio de 2019 divulgaram um Comunicado, assinado por Rubens Ricupero, Gustavo Krause, José Sarney Filho, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira e Edson Duarte, no qual afirmam que a governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição e que em outubro de 2018 já haviam alertado sobre a importância de o governo eleito não extinguir o Ministério do Meio Ambiente e manter o Brasil no Acordo de Paris e que “A consolidação e o fortalecimento da governança ambiental e climática, ponderamos, é condição essencial para a inserção internacional do Brasil e para impulsionar o desenvolvimento do país no século 21. No entanto, “passados mais de cem dias do novo governo, as iniciativas em curso vão na direção oposta à de nosso alerta, comprometendo a imagem e a credibilidade internacional do país”.
Segundo o comunicado “Estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente. Entre elas, a perda da Agência Nacional de Águas, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, a extinção da secretaria de mudanças climáticas e, agora, as ameaças de descriação de áreas protegidas, de apequenamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente e de extinção do Instituto Chico Mendes”.
Um boletim divulgado no dia 28 de maio de 2019 pelo Imazon afirma que o desmatamento na Amazônia aumentou 20% entre agosto de 2018 e abril de 2019. “Neste período, o bioma perdeu 2.169 km² de floresta”.
No dia 28 de junho de 2019, na reunião do G20 no Japão, o presidente do Brasil Jair Bolsonaro convidou o presidente da França, Emmanuel Macron, a visitar a Amazônia, com o objetivo de mostrar que o país, ao contrário do que ele mesmo afirmara antes, pretende participar do Acordo de Paris para o clima e combater o desmatamento da floresta amazônica.
Seguindo a sua sugestão, Lucio Flávio Pinto, professor, jornalista e sociólogo que desde os anos 1970 vem denunciado os crimes cometidos contra a floresta amazônica e suas populações (índios, seringueiros, pequenos produtores etc.), editor do Jornal Pessoal, que circula em Belém (PA) desde 1987 e autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, publicou o artigo Aonde levar Macron? No qual diz que ele poderia levar Macron para conhecer a reserva biológica do morro dos Seis Lagos, em São Gabriel da Cachoeira “famosos tanto por sua beleza e significado ecológico quanto pelas ‘chaminés alcalinas’, testemunhos da maior concentração de nióbio do planeta (além de outros minérios)”. E informa que é uma “reserva biológica, com 40 mil hectares, se sobrepõe a um território indígena e um Parque Nacional, em torno do Pico da Neblina (…) formando uma das áreas mais exemplares da natureza na Amazônia, no Brasil e no mundo” e que se a visita fosse para verificar que é o Brasil é o país que mais protege a natureza no mundo “poderia perguntar-lhe, ao final, se ele aprovaria a introdução da mineração naquele paraíso, se ele pertencesse à França. Talvez Macron dissesse o que realmente pensa e não o que a diplomacia lhe imporia”. Outros artigos desse jornalista estão disponibilizados em sua página pessoal e no site observatório da imprensa.
Os que os dados têm demonstrado e as consequências da política ambiental, evidenciam que a luta em defesa da floresta amazônica continua, porque como diz o comunicado dos ex-ministros do Meio Ambiente, “Estamos diante de um risco real de aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia. Os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós”.
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Homero de Oliveira Costa