Qual o futuro da sala de aula? E quais são as habilidades mais urgentes para os trabalhos que estão por vir? É preciso quebrar a inércia psicológica e desenvolver a criatividade
Semana passada, tive a honra de compor a mesa redonda “Educação Empreendedora”, objeto da semana pedagógica do Centro Universitário UNIFACEX, convite que chegou a mim por meio do professor Leonardo Aguiar. Muito aprendizado em 60 minutos, de modo que tenho de repassá-lo por aqui, meu melhor canal com o mundo (Obrigado, intrépidas jornalistas do NC!).
A mesa esteve composta pela “Menina do Jerimum”, Monnaliza Medeiros, dois professores da UNIFACEX, Leonardo e Mouzinho, dois professores da UFRN, Anna Gisele (posso chamá-la de Gisa, dado que fora minha aluna de graduação há algum tempo) e este que vos escreve.
Fatos interessantes: pessoas na casa dos 20, dos 30, dos 40 e este guru, na casa dos 50 anos. Foi a mesa mais “escadinha” que participei. Formações em todos os níveis e tipos e o maior aprendizado daquela noite, coisa para a qual nunca tinha atentado, o porque da mesa ter a alcunha de circular: simplesmente porque o circuito fecha com a audiência!
Mesmo sendo retangular o móvel que sustenta os copos com água, a mesa fica “redonda” quando a plateia participa dos discursos, o que não acontece sempre. Quando a participação é unilateral, recebe o nome de aula. E aí eu faço o gancho para o porquê do título desta octogésima aula condensada, inspirada na pauta da mesa desenvolvida por Leonardo:
Fica fácil entender porque as salas de aula deveriam ser chamadas de mesas redondas! Seria muito massa, todo mundo contribuindo com o contexto, gerando uma ordem imaginada reinante, com o objetivo de criar uma inteligência coletiva, aquela que fez dos sapiens vencedores em um mundo habitado também por neanderthais.
Como eu exponho em inteligência coletiva que nos falta, sobrepujamos os neanderthais (mais fortes e mais inteligentes) porque nosso sistema de comunicação fazia com que agíssemos como uma time. Eles não. A competição está de volta. Se vacilarmos, os próximos hominídeos serão chamados de homos automatus. Temos que começar a reforçar as habilidades criativas, individuais e complementares para voltarmos a ser um organismo e ganharmos a próxima batalha, contra a famigerada IA (Inteligência Artificial), decepadora de trabalhos repetitivos. Chega de massificar a forma de ensino.
Mudanças no perfil dos alunos: Passivos x Inconformados.
A mesa “rolou” redonda. Um bate-papo informal profissional. Microfone indo daqui para lá sem muita cerimônia, mas com a seriedade que o tema exigia. Audiência participativa lançando – e respondendo – perguntas balizadas por Leonardo. Esse momento ficou caracterizado pela “mudança do comportamento discente”, o que, para mim, deve-se à tecnologia invasiva e perecível que criou o mundo VUCA: Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity.
Minha contribuição foi na linha de que aquele joguinho de palavras do “aprender a aprender” deve ser aprofundado para o montar-desmontar-remontar o mindset, principalmente dos docentes. No artigo Abstração (des)estruturada, no qual falo do mundo VUCA, dou sugestões do que entendo por quebra de mindset convencional para os guris e gurus, o que nos leva ao outro item da mesa.
O papel do docente na era da informação abundante
A pergunta à queima roupa “por quê os alunos estão aéreos, desmotivados?”, me fez pedir licença para levar um pouco d’água às pregas vocais pra dar tempo de pensar um pouco. Olhei para o quarteto de debatedores ao meu lado, fitei no “dínamo” de eloquência e agilidade mental chamado Monnaliza (isso porque ela já havia descascado o ensino, sob aplausos), voltei para a plateia e respondi: “porque estamos (docentes) errados!”. Coloquei-me em uma encruzilhada sem ter um único coligado do candomblé em meus contatos para dar uma força…
Entretanto, puxei de meu repositório mental o artigo Novos tempos, novo mindset e a coisa andou. Propus então um pequeno experimento para a audiência, composta de docentes: gostaria que vocês me respondessem “qual a enciclopédia mais confiável do mundo?”. Murmúrios, “Barsa” pra lá, “Britânica” pra cá, alguém sugeriu “Delta Larousse” até que chegamos à dinâmica “Wikipedia”. Bingo! Isso mesmo. Ato contínuo, tornei a perguntar: “e por quê ela é a mais confiável?”. E a resposta veio quase em coro: “por ser atualizada diariamente, por muitas pessoas!”. Bingo dois!
Podemos então traçar o seguinte paralelo: os livros convencionais, de papel, estáticos, ajudam com os hard skills. A Wikipedia com os soft skills. E aí comecei a explicar minha tese: muitas das disciplinas-âncora serão necessárias para a formação estrutural (hard): física, lógica, português, algoritmos e outras para colar o vivente ao mundo (soft): artes, liderança, empatia, empreendedorismo, sustentabilidade, aquelas que eu cito em STEAM: que tal darmos um “vapor” em nossa carreira, nossa vida? .
Chegamos ao docente: em uma sala com 50 cabeças pensando 50 coisas diferentes, será impossível ter conhecimento universal para gerir essa turma, dada a velocidade e volatilidade das mudanças. Da biologia às ciências sociais, da engenharia ao direito, da medicina à música, há uma miríade de possibilidades e de dúvidas. Um professor “Barsa” não vai conseguir guiar esta turma. Ele já começa desatualizado. Então, o novo docente terá de, ao invés de aprender tudo para passar adiante, aprender a gerir conteúdos e apontar caminhos para os alunos. Ele terá de ser um Professor Wikipedia, um guia, um gestor de propósitos.
Assim como a Wikipedia, a segurança do conhecimento do docente, e do aprendiz, estará respaldada na dinamicidade com que seus conceitos se renovam, não na estabilidade. Saber muito uma mesma coisa é como ser um livro: imutável. Servirá muito bem para as coisas imutáveis, coisas que não evoluem. Não é este o mundo no qual nos encontramos agora. O estudantes estão no modo VUCA; o ensino tem de ser VUCA. Entretanto, os docentes parecem estar no modo contrário, ACUV: Assustados, Complacentes, Ultrapassados, Vagarosos. Temos de inverter esta última sigla.
Qual é o futuro da sala de aula?
A sala de aula terá de ser uma espécie de Escola da Ponte, com grupos focados em problemas, não em profissões, ou seguir o modelo de graduação Zero Teachers da 42 University, que forma engenheiros de software no Vale do Silício, sem um único professor a bordo, só orientadores, formados pela própria escola. Além disto, as escolas atuais terão de formar os estudantes em campo, como eu tento explicar em Bootcamp: aprendizagem intensiva, acelerada e verdadeira em campo . Admirável “sala” nova!
Educação nichada ou generalista: qual é a mais importante para o aluno?
No artigo Para o que você não foi formado?, junto premissas para chegar a uma conclusão simples e não óbvia, cuja resposta foi “Para fazer o que todo mundo faz: a mesma coisa!”.
A sentença direta seria obtida tirando o “não” da pergunta e aplicando à resposta, ficando “Para o que você foi formado?” / “Para não fazer o que todo mundo faz: a mesma coisa!”. Muita gente disse que eu escrevi complicado. Esta foi a intenção: usar a lógica inversa para não deixar óbvia a pergunta e mexer com os brios da galera que, por algum motivo, foi ensinada a não gostar de lógica.
Com este exemplo simples, respondo à pergunta do título deste item: “nichar” é orientar a perder o entendimento do todo. Mostro também que a lógica é transversal a qualquer disciplina, assim como a filosofia, a biologia, as ciências sociais etc. Tudo está conectado. A formação orientada a nicho vai criar especialistas, exímios operadores de um setor específico, o que levará tal indivíduo a proceder de forma rotineira, mecânica. No limite e por definição, todo especialista é muito bom em uma única coisa. Se você juntar única, rotineira e mecânica, vai dar chance pra ela, a IA, te substituir. Duvida?. Você é um cirurgião. Massa! O Star, (Smart Tissue Autonomous Robot) já faz cirurgias tão boas quanto as suas, em qualquer tipo de tecido. Ele varre em microsegundos um banco de dados com todas as anatomias possíveis e todos os procedimentos já realizados, e opta pela melhor intervenção. Se uma topologia é complicada, ela escolhe várias próximas e aprende.Tá bom, você é um contador, um advogado, um exímio economista ou gestor de negócios? Dançou neném: O IBM Watson tá com uma precisão superior a 99%. Ok, você é um enxadrista, um mergulhador, trabalha em um call center, é motorista de aplicativo? Sinto muito, a IA vai te desempregar. “Sou um fuzileiro, macho todo”? Não se apoquente, a Boston Dynamics já possui soldados mais fortes e mais rápidos do que você. És professor, psicólogo? Coitado!!! As Universidades Colorado e Duke desenvolveram a EmoNet, capaz de classificar com precisão imagens em 11 categorias emocionais. Estão utilizando também para detectar o estado mental de estudantes em cursos EaD. Se a IA percebe que a pessoa está entediada, sugere mudança de trabalho ou simplesmente passa uma atividade lúdica para o vidente. E o que limita estas e outras profissões de serem 100% substituídas? Resposta: legislação! Portanto, torne-se um perito e seja substituído. Nem especialista, nem generalista: criativo.
Finalizando… Quais as habilidades mais urgentes para os trabalhos do futuro?
Futuro? Diria que o presente reside em ter uma formação sólida (hard), observar as necessidades (soft), e aplicar o que você aprendeu em um campo completamente diferente do seu, de modo a desconcentrar as áreas. Sendo bem apocalíptico, nossa sobrevivência dependerá dessas ultrapassagens. Não falo em interdisciplinaridade, mas de cruzamento mesmo (crossings), criação de quimeras, hibridização, pois só assim deixaremos as máquinas atordoadas, incapazes de nos copiarem. Temos de quebrar a inércia psicológica e desenvolver a criatividade, trabalhando para sermos diferentes, pois quem tem ideia fixa é doido.
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Leia a edição anterior: Um pouco de Filosofia para entender o ecossistema de natalino
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Gláucio Brandão
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