Artigo discute viabilidade de candidaturas avulsas a cargos políticos no Brasil
(Homero Costa)
No dia 9 de dezembro de 2019 foi realizada em Brasília uma audiência Pública por iniciativa do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, para debater a constitucionalidade da candidatura avulsa no sistema político brasileiro. Participaram representantes de partidos políticos, movimentos sociais, Ordem dos Advogados do Brasil, Advocacia Geral da União, além de acadêmicos, parlamentares e os partidos PT, PROS, DEM, Solidariedade, PL, PSD, PMN, Novo e PSB.
A audiência pública foi motivada por uma ação que contesta no STF a proibição de candidaturas avulsas: em 2016, Rodrigo Mezzomo tentou se candidatar à prefeitura do Rio de Janeiro sem filiação partidária e foi impedido. Sua candidatura foi negada em todas as instâncias da Justiça Eleitoral. Em 2017, ele apelou ao Supremo, e um dos seus principais argumentos foi o de que a proibição viola o Pacto de São José da Costa Rica – oficialmente a Convenção Americana de Direitos Humanos – que foi aprovada em 22 de novembro de 1969, e ratificada pelo Brasil em setembro de 1992. De acordo com o artigo 23, os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos: a) de participar da direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; b) de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
Com o entendimento de que de acordo com a Constituição brasileira, tratados internacionais de direitos humanos assinados e ratificados pelo país têm o mesmo valor jurídico que emendas constitucionais, o STF acatou o recurso e a ação ficou sob relatoria do ministro Luis Roberto Barroso.
A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou no dia 2 de outubro de 2017 um parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) no qual defende as candidaturas avulsas: “Sustentei que, com base no Pacto de São José da Costa Rica, na falta de uma proibição constitucional sobre o assunto, há possibilidade de haver candidaturas avulsas no sistema eleitoral brasileiro”.
O tema é polêmico: existem grandes controvérsias doutrinárias e jurídicas com relação à filiação partidária avulsa. O objetivo da audiência pública foi o de colher subsídios antes de levar a matéria a julgamento no Plenário da Corte, provavelmente no primeiro semestre de 2020. Para o Ministro Luis Roberto Barroso é relevante saber se é indispensável para o país a filiação partidária para fins de candidatura: “Se isso é bom e fortalece a democracia. Ou se isso significa uma reserva de mercado para partidos que, muitas vezes, não têm democracia interna”.
O posicionamento do Ministro sobre o tema antecede a audiência pública. Relatando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 5.081) encaminhada pela Procuradoria Geral da República em 2015 afirma que “A história dos partidos políticos no Brasil é acidentada, marcada por severas restrições à sua organização e funcionamento, sobretudo nos períodos ditatoriais (…) a Constituição de 1988 optou por um desenho institucional que fortaleceu os partidos. Nessa linha, inscreveu o pluralismo político como um dos fundamentos da República (art. 1º, V), assegurou a liberdade de associação (art. 5º, XVII) e consagrou, expressamente, a livre criação de partidos e o pluripartidarismo (art. 17). Além disso, enfatizando o papel proeminente a eles reservado, exigiu a filiação partidária como condição de elegibilidade dos candidatos (art. 14, § 3º, V)”.
Em relação ao que chama de “disfunções” do sistema partidário afirma que ele é caracterizado pela multiplicação de partidos de baixa consistência ideológica e nenhuma identificação popular “Surgem, assim, as chamadas legendas de aluguel, que recebem dinheiro do Fundo Partidário – isto é, recursos predominantemente públicos – e têm acesso a tempo gratuito de televisão. O dinheiro do Fundo é frequentemente apropriado privadamente e o tempo de televisão é negociado com outros partidos maiores, em coligações oportunistas e não em função de ideias. A política, nesse modelo, afasta-se do interesse público e vira um negócio privado”.
Há justificados motivos – e as pesquisas mostram isso – para se desconfiar dos partidos, do parlamento e dos parlamentares de uma maneira geral. Mas, isso justifica a adoção de candidaturas avulsas? Entre os partidos políticos representados e cientistas políticos convidados para a audiência pública, o posicionamento foi contrário com o argumento de que os partidos políticos, apesar de todos os problemas, inclusive em relação a sua real representatividade, continuam a ser os principais veículos da representação em uma democracia e, nesse sentido, ainda mantém o monopólio do acesso ao sistema político. A crítica principal é que candidatos avulsos, por representarem apenas a si mesmos, irão apenas fortalecer o individualismo e podem colocar em risco a governabilidade.
O que diz a Constituição? Que os partidos são criados livremente e inscritos no Registro Civil de Pessoas Jurídicas (RCPJ), e que para adquirir personalidade jurídica eleitoral, devem se registrar no Tribunal Superior Eleitoral, conforme exige o artigo 8o, da Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos). O Código Eleitoral, em seu art. 87, preceitua que somente podem concorrer às eleições candidatos registrados por agremiações partidárias. Essa regra existe desde 1945, quando foi promulgada a Lei Agamenon, que consistia numa reforma do código eleitoral. Desde então, a proibição permanece. Na Constituição de 1988, artigo 14, § 3º estabelece a filiação partidária como condição para a elegibilidade e nesse sentido não é possível a representação política fora do partido.
No Congresso Nacional, o debate não é recente. Há inclusive os que defendem candidaturas avulsas. Em 2011, o senador Paulo Paim (PT/RS) apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em defesa das candidaturas avulsas mas teve parecer contrário do relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em 2015, o senador José Reguffe (Podemos-DF), apresentou uma PEC com o mesmo objetivo: retirar do texto constitucional a exigência de filiação partidária como condição para se candidatar. Em 2017, mais uma proposta, a PEC 350, de autoria do deputado João Derly (Rede/RS) como o objetivo de permitir as candidaturas avulsas, desde que houvesse um apoio mínimo de eleitores na circunscrição (a área em que um candidato concorre). Todas as propostas foram rejeitadas.
A rejeição antecede estas propostas. O posicionamento do Congresso Nacional ao longo dos anos é o da defesa de candidaturas pelos partidos e não candidaturas avulsas. Desde 1995 foram várias comissões especiais de reforma política que elaboraram relatórios extensos, com muitas propostas para o sistema político e partidário (e que não foram sequer votadas no plenário das respectivas Casas Legislativas) e em nenhum dos seus relatórios consta a proposta de candidaturas avulsas.
Quem tem se posicionado a favor de candidaturas independentes com criticas ao monopólio da representação pelos partidos políticos são alguns setores da sociedade civil que não se sentem representados pelos partidos, alegando que estes têm estruturas hierarquizadas, oligarquizadas (partidos com donos), portanto sem democracia interna, com total ausência de transparência na distribuição de recursos do Fundo Eleitoral e Partidário, além de denúncias de inúmeros casos de candidaturas “laranjas”, como o do PSL nas eleições de 2018 . As primeiras denúncias ocorreram em fevereiro de 2019 no âmbito da operação Sufrágio Ostentação, relacionadas a mulheres candidatas em Minas Gerais, Pernambuco e Ceará no qual o atual ministro Marcelo Álvaro Antonio, do Turismo foi mencionado. Foram expedidos diversos mandatos de prisão, buscas e apreensões. O STF determinou em março de 2018 que 30% do dinheiro público destinado ao financiamento das campanhas deveriam ser utilizados para investimentos em candidaturas femininas. O que houve foram muitas candidaturas “laranjas” com o objetivo de desviar recursos.
Um dos argumentos principais dos que defendem as candidaturas avulsas é que estas possibilitariam maior renovação política, ampliando a possibilidade de participação, etc. As críticas aos partidos são de que em sua imensa maioria não têm programas e consistência ideológica e com desempenhos pífios em eleições. Os partidos, como seus “donos” são usados para fazer negócios, construir alianças em trocas de cargos etc.
Outro argumento é a de que embora a Constituição Federal tenha estabelecido a filiação partidária como condição de elegibilidade, afirma também que ninguém poderá será ser compelido a associar-se ou a permanecer associado, defende a liberdade de consciência (art. 5º,§ 6º,) assim como impede a privação de direitos por convicções filosóficas ou políticas (art. 5º, § 8º).
Quanto à experiência em outros países, o portal de notícias Agência Senado informa que a maioria dos países já adota candidaturas avulsas: “Levantamento realizado pela Rede de Informações Eleitorais – integradas por Estados Unidos, Canadá e México e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – revela que o Brasil alinha-se, ao lado de África do Sul, Argentina e Suécia, entre outros, no grupo de 9,68% dos países do mundo que não adotam nenhum tipo de candidatura avulsa em seus pleitos”.
E ainda que 4 em cada 10 nações permitem que pessoas sem filiação partidária disputem pelo menos cadeiras legislativas em nível local ou nacional, (como Alemanha, Japão, Itália e Reino Unido) e que em 37,79% dos países, as candidaturas avulsas valem até mesmo para presidente da República (EUA, França, Chile, Irã e India).
Na França, em 2017,Emmanuel Macron foi eleito como candidato independente. Fazia parte do movimento político République en Marche que só se tornou um partido político após as eleições. O ex-presidente da Alemanha, Joachim Gauck (2012-2017) é outro exemplo. Ocorreu também na Áustria, com Alexandre Van der Bellen, na Finlândia, com Sauli Niinistö, a prefeita de Tóquio, Yuriko Koike e Enrique Peñalosa em Bogotá, capital da Colômbia.
Embora existam em alguns países, sua aprovação no Brasil será muito difícil no Congresso Nacional, e importante salientar, poderá trazer mais problemas do que soluções para a governabilidade, especialmente mantendo o presidencialismo de coalizão. Uma mudança nesse sentido não pode ser também uma decisão isolada do STF, mudando o artigo 14 da Constituição.
Fundamentalmente, o debate sobre o tema deveria ser inserido no âmbito de uma discussão mais ampla sobre reforma política, desde que trouxesse alterações profundas no sistema eleitoral e partidário.
Que há necessidade de mudanças, não há dúvidas, os partidos não devem nem podem continuar como a maioria é, ou seja, extensão dos interesses particulares de seus dirigentes. É de fundamental importância que haja democracia interna, criação de mecanismos que limitem os mandatos dos seus dirigentes, que não permita a manutenção eterna dos diretórios provisórios enfim, mudanças que possibilitem uma inserção mais ampla do filiados nas decisões dos partidos. A permissão de candidaturas avulsas, a ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal, por si só, não irá contribuir para isso e pode, ao contrário, além de outros desdobramentos para o sistema eleitoral e partidário, aumentar a fragmentação partidária e intensificar a personalização do voto.
Referências
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.081 DISTRITO FEDERAL
Leia outro artigo do mesmo autor:
Homero de Oliveira Costa
Deixe um comentário