Estes são os grandes problemas citados pela pesquisadora Selma Jerônimo para se fazer Ciência no Brasil
Na segunda parte da entrevista, a professora Selma Jerônimo fala de sua rotina ou da falta dela. Ela revela que acorda cedo e faz exercício. Vai para a Universidade pela manhã e dá aulas à tarde, mas em determinados períodos. Tenta concentrar as aulas em bloco porque quando faz trabalho de campo, sai cedo e chega tarde e prefere não lecionar. No primeiro semestre de cada ano, ministra um curso de Biologia Molecular. Viaja com frequência, algumas vezes para os EUA e outras para trabalhos com colaboradores do Brasil, além do trabalho de campo. Mais recentemente, as atividades administrativas relacionadas ao Instituto de Medicina Tropical (IMT), do qual é idealizadora e diretora, também tem tomado sua atenção. A infectologista afirma que criar um instituto é complexo, é difícil, mas que muito maior é o aspecto da sustentabilidade. A professora fala ainda do papel da Ciência, da necessidade dos comitês de ética, de sua contribuição no estudo da Leishmaniose Visceral em Natal e das dificuldades de se fazer Ciência no Brasil.
Nossa Ciência: Para que serve a ciência?
Selma Jerônimo: Além do encantamento de conhecer, serve para melhorar a qualidade de vida das pessoas. A tecnologia tem nos fornecido muito do ponto de vista de produção de alimentos, de melhorar determinados parâmetros, desenvolver medicamentos, novas formas de tratamento, além do conhecer da Biologia. Nós não sabemos para onde vamos, mas temos uma ideia da evolução da nossa espécie, de outras espécies, entender mecanismos é um aspecto importante da Ciência.
NC: Como tem sido a evolução do estudo da epidemia de Leishmaniose em Natal?
SJ: Comparando o percentual pequeno de pessoas que adoecem agora ao que ocorria quando iniciamos o estudo, vê-se que tinha mais pessoas susceptíveis a desenvolver doenças. Isso modificou bastante. Quando identificamos que algumas pessoas são infectadas e não desenvolvem doença e outras são infectadas e desenvolvem doença, estabelecemos como objetivo entender o aspecto do adoecimento. O adoecer é apenas o pico do iceberg isso é uma contribuição boa nossa. A gente está tentando entender e tem algumas hipóteses: se a espécie humana não mudou, não teve processos migratórios importantes, então foi algo mais ambiental que aconteceu? Mas temos outro problema relacionado a quem não adoece, o que se paga por ter a infecção assintomática? E isso é importante no aspecto de epidemiologia e também no aspecto de que essas infecções causam inflamação. Estados inflamatórios causam pré-disposição para outras doenças? A gente está tentando entender um pouco da patogênese.
NC: A senhora tem trabalhos em áreas bem diversas. De onde vem tanta energia para estudar coisas tão diversas?
SJ: Eu considero o conhecimento, o compartilhamento, o buscar como algo encantador e a energia necessária vem disso tudo. E eu sempre tenho trabalhado com pessoas fantásticas, então se torna quase uma diversão todo esse trabalho. E porque tanta heterogeneidade? As coisas diferentes vêm das possibilidades que o momento me deu. Por exemplo, quando os professores Dietrich e Helena estavam aqui, eles me abriram à Ciência. Quando eu fui para o EUA tinha outra estratégia de trabalho e que me permitiu encaminhar para essa área de doenças infecciosas; nós fomos equipando o nosso laboratório e, na época, nem todos os professores tinham nível de Mestrado e Doutorado, então eu também acabei contribuindo para qualificar os nossos professores. E com o laboratório relativamente bem equipado, as pessoas chegavam para eu auxiliar, porque quando se tem a ferramenta epidemiológica ou sorológica, as ferramentas são as mesmas, faz só as perguntas diferentes e eu acabei colaborando com outros colegas da universidade que estavam tentando iniciar uma carreira científica.
NC: Instituições de ciência precisam de comitê de ética?
SJ: O comitê de ética (CE) hoje é fundamental até para a proteção do pesquisador, para a proteção do pesquisado e também para melhorar os aspectos metodológicos e certificar que todos os passos seguidos. Muitas vezes quando se usa o voluntário humano ou animal, o protocolo não está muito claro. O problema é que o CE precisaria ter um pouco mais de agilidade, mas isso é complicado porque ele é formado por um número pequeno de pessoas e precisaria um número maior de voluntários. Tem sessões que o CE recebe 30/40 projetos. Para se analisar um projeto, é preciso ler o projeto, escrever o parecer, comparecer à reunião, ou seja, para participar do CE é preciso dedicar um número de horas muito grande. Eu pertenço ao CE desde que nós criamos, porém nesses últimos dois anos eu não tenho sido muito boa relatora em virtude das outras atribuições, mas eu fico lá para dar um certo apoio. Mas a gente precisar ter mais pessoas participando porque quanto mais um projeto de pesquisa é visto por pessoas de diversas formações, mais tem assegurada sua melhor qualidade.
NC: O que lhe dá mais prazer: bancada ou sala de aula?
SJ: Eu não tenho mais tempo para a bancada. Quando nós iniciamos esse projeto, quando recebemos o financiamento do National Institut of Health (EUA), eu ia a campo, trazia as amostras de sangue, processava essas amostras e depois ia dar aula. Eu gostava de bancada. Hoje eu ainda faço muito campo, faço a parte de recrutamento de pessoas e gosto do ensino. Eu tenho prazer em todos eles. Cada ponto que eu estou fazendo, eu faço de forma intensa e eu tenho muito prazer.
NC: Quais são as maiores dificuldades para se fazer Ciência no Brasil?
SJ: A parte de financiamento porque os projetos geralmente não têm os recursos necessários. Eu tive a sorte de conseguir montantes importantes em alguns dos editais do CNPq. Os financiamentos quando são do aporte do INCT ou do aporte de alguns editais específicos são determinantes. O nosso gargalo é o mesmo que tínhamos há 30 anos, que é adquirir reagentes no tempo certo. Se a gente precisa de um reagente, se leva três meses, seis meses para importar. Grande parte do que fazemos depende de material importado dos EUA ou da Europa e é caro e quando se compra aqui no Brasil é caríssimo. Um anticorpo que custa 200 dólares nos EUA, aqui custa 750 dólares, por exemplo. Tem também o reparo de equipamentos. Se uma centrífuga dessa quebra, muitas vezes tem sido necessário encaminhar para São Paulo, mas agora estamos com acesso a alguns técnicos. O gargalo que nós temos ainda é um pouco de infraestrutura, disponibilidade de reagentes e recursos. E o Brasil poderia resolver isso. Talvez o Marco legal vá contribuir.
NC: Os recursos têm sido suficientes para dar sustentabilidade ao IMT?
SJ: A professora Ângela (Cruz, reitora) e a administração da UFRN tem dado muito apoio, mas o país atravessa um momento complexo. Nós temos promessas importantes do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Quando nosso prédio clínico estiver pronto, em agosto de 2017, vamos criar a pós-graduação com Mestrado Profissionalizante e começar a parte de atendimento clínico, montar os laboratórios, dar resolutividade. A nossa expectativa é atender de 60 a 80 mil pessoas por ano no complexo ambulatorial. Só que isso envolve recursos, insumos, contratação e treinamento de pessoal, e ainda desenvolvimento e implantação de protocolos. Esses são desafios enormes porque significa que vamos precisar ter aporte financeiro grande para dar sustentabilidade.
NC: Há trocas de informações entre as instituições que atuam em doenças infecciosas no nordeste?
SJ: As pessoas interagem de acordo com as áreas de interesse. Nós temos colaboração em Leishmaniose com o grupo da Fiocruz da Bahia, e na área de Hanseníase com a Fiocruz do Rio de Janeiro. O grande parceiro no caso das doenças que nós estudamos, poderia ser o Ministério da Saúde. Nós podemos fazer contribuições com o conhecimento que geramos e podemos aplicar. Um dos objetivos do Instituto (IMT) é ser um local de pesquisa que possa auxiliar aos estados e municípios a resolver alguns problemas que são seculares.
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