Resistência científica Artigos

sábado, 11 janeiro 2020
Muitos acreditam que a humanidade surgiu como nessa tela de Micherlangelo, pintada na Capela Sistina.

A resistência a noções científicas são maiores em lugares nos quais predominam a pseudociência, como no Brasil

Homero Costa

Em 21 de maio de 2017, a agência FAPESP publicou uma matéria com o título Raízes da resistência científica na qual afirma que a resistência em aceitar idéias e fatos científicos tem sido uma preocupação em diversas sociedades. E é citado o artigo Childhood Origins of Adult Resistance to Science, de Paul Bloom e Deena Weisberg, pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade de Yale, publicado maio de 2007 na revista Science.

Neste artigo os autores comentam uma pesquisa feita nos Estados Unidos em 2005 pelo instituto Pew Trust, na qual 42% dos entrevistados disseram acreditar que humanos e outros animais existem em sua forma atual desde o início dos tempos e que “Muitos disseram acreditar na eficácia de intervenções médicas não comprovadas cientificamente, na natureza mística de experiências não corporais, na existência de entidades sobrenaturais do tipo fadas e fantasmas e na legitimidade da astrologia, adivinhação e percepção extra-sensorial”.

Os autores indagam sobre as razões e origem da recusa em aceitar noções científicas. Para eles, conforme a matéria “Essa resistência tem implicações sociais importantes, uma vez que um público cientificamente ignorante está despreparado para avaliar políticas a respeito de temas como aquecimento global, vacinação, organismos geneticamente modificados, pesquisa com células-tronco e clonagem”.

Como diz o título do artigo, as origens infantis da resistência dos adultos à ciência, eles consideram que essa resistência tem origem em concepções e inclinações que se formam na infância e que continuariam na vida adulta: “A principal fonte de resistência está relacionada ao conhecimento das crianças antes de serem expostas à ciência. O problema em ensinar ciência a crianças não é tanto o que o estudante não tem, mas o que ele tem, ou seja, uma estrutura conceitual alternativa para compreender os fenômenos cobertos pelas teorias que tentamos ensinar”.

Eles dão alguns exemplos, como sobre a gravidade e a forma do planeta e como considerar uma estupidez a ideia da terra plana, que contraria o conhecimento científico: “A resistência à ciência é particularmente exagerada em sociedades em que ideologias não científicas contam com vantagens de estarem tanto imbuída no senso comum como transmitidas por fontes consideradas fidedignas”.

O problema, especialmente em relação ao Brasil, é que essas fontes não são fidedignas, nem confiáveis mas contam em seu favor em função da ignorância científica, hoje potencializadas com as redes sociais.  Para eles, a resistência a noções científicas são maiores em lugares nos quais predominam a pseudociência. Ao seu referirem aos Estados Unidos, mostram como predominam a desinformação e ausência de base científica em relação a princípios fundamentais em áreas como neurociência ou biologia evolucionária: “Tais conceitos se chocam com crenças intuitivas, que são defendidas e transmitidas por autoridades políticas e religiosas”.

Em 2019, doze anos depois da publicação do artigo de Paul Bloom e Deena Weisberg, quando certamente houve consideráveis avanços científicos nos Estados Unidos, a desinformação não apenas permanece, como deve ter piorado com a vitoria de Donald Trump em 2016. Entre muitas afirmativas absurdas (e intencionais) de Trump, estão a de chamar o aquecimento global de uma “farsa” criada pelos chineses e que turbinas de energia eólica causam câncer. O problema é que o descrédito às evidências científicas tem efeito nas políticas públicas como ocorreu, entre outros exemplos, em relação à retirada do país do Acordo Climático de Paris (que visa para conter o aumento global de temperatura etc.).

No entanto, os ataques de Donald Trump à ciência (e ao bom senso) trouxeram também resistências, como a criação de uma associação dos “cientistas preocupados” (Union of Concerned Scientists) com o objetivo de combater a desinformação e fortalecer a comunidade científica. E mais: tem havido um enorme esforço para estimular e preparar integrantes da comunidade científica para disputarem eleições e assim poder não apenas qualificar os debates sobre o tema no parlamento, como propor leis e projetos em defesa da ciência, da tecnologia e inovações, por exemplo, e não deixar à mercê dos políticos, como ocorre no Brasil, os quais, em sua imensa maioria são totalmente despreparados (e não apenas do ponto de vista científico).

Uma iniciativa importante foi a criação do 314 Action para incentivar cientistas a entrarem na política. Em 2018, o movimento arrecadou US$ 5,2 milhões (em torno de R$ 19,6 milhões) para financiar campanhas eleitorais e conseguiu eleger um cientista para o Senado, oito para a Câmara e dezenas (em torno de 100) para os legislativos estaduais. Nas eleições de  2020, a perspectiva do 314 Action é conseguir entre US$ 15 e 20 milhões (entre aproximadamente R$ 56 milhões e R$ 75 milhões) para financiar as campanhas eleitorais e ampliar o número de cientistas nos respectivos parlamentos.

No Brasil, em que pesem todos os ataques à ciência (e aos cientistas) não existe iniciativa como esta e há uma situação muito mais preocupante, com autoridades do governo, não apenas negando evidências científicas, como justificando os sistemáticos cortes de verbas para a ciência, tecnologia, educação etc.. Nesse sentido, é louvável a iniciativa de vários ex-ministros de governos anteriores, de áreas distintas, que tem expressado suas preocupações e lançado documentos públicos, como um manifesto contra o governo Bolsonaro no dia 01 de julho de 2019 por ex-ministros da Ciência. Foi a quarta vez que titulares de gestões passadas se uniram contra medidas do governo. Em maio, sete ex-ministros do Meio Ambiente publicaram um documento criticando o desmonte das políticas ambientais. Em junho, seis ex-ministros da Educação que se posicionaram contra as perseguições ideológicas e cortes de verbas na área e o terceiro foram 11 ex-ministros da Justiça e Segurança Pública que publicaram um artigo no jornal Folha de S. Paulo, no dia 4 de junho de 2019, intitulado Carta aberta pelo controle de armas.

No caso do manifesto dos ex-ministros de Ciência, Tecnologia e Inovação trata-se, como é dito no documento de um “chamado para que a sociedade brasileira se comprometa e se mobilize na defesa da Ciência, do Conhecimento e da Tecnologia, patrimônios de uma Nação”.

O documento, intitulado “A ciência brasileira em estado de alerta”, afirma em outras coisas que “Agravam-se os cortes orçamentários drásticos que poderão levar a um retrocesso sem paralelo na história da ciência brasileira, área essencial e crítica, tanto ao desenvolvimento econômico e social quanto à soberania nacional e destacam a maturidade da ciência nacional alcançada nos últimos anos,  que como exemplos citam “as tecnologias de ponta mais avançadas do mundo em exploração de petróleo em águas profundas; a agricultura de alta produtividade, desenvolvida a partir de pesquisas realizadas nos âmbitos universitário, governamental e empresarial; a construção de um novo acelerador de partículas de terceira geração; o enriquecimento de urânio e construção de um reator multipropósito para produção de radioisótopos utilizados na Medicina; o monitoramento e manejo ambiental, que previne desastres naturais e contribui na preservação da Amazônia; a Medicina avançada e vacinas desenvolvidas em instituições de pesquisa e universidades públicas”.

Concluem dizendo que não se pode “permitir a criação de condições que estimulem a evasão de nossos melhores cérebros” nem “a ausência de representantes da comunidade científica em comitês e conselhos governamentais” e que esta bandeira pelo conhecimento não tem partido e não pertence somente à comunidade científica, acadêmica e empresarial, mas deve ser levantada por toda a sociedade.

A ignorância em relação à ciência e os ataques de autoridades governamentais, não podem ser subestimados e nem deixadas de lado. É necessário perceber que estão em jogo interesses ideológicos e econômicos. Hoje, se trata de uma guerra não apenas à ciência, mas também e especialmente à informação. O presidente da República, que deveria servir de exemplo de equilíbrio e sensatez, ataca a mídia, universidades, o conhecimento, etc., e isso não devem ser visto apenas como expressão da ignorância, mas parte de movimentos populistas de direita que tem entre outros objetivos estratégicos diminuir papel das instituições cientificas e culturais do Estado para justificar seu esvaziamento e depois sua privatização, como é o caso das universidades públicas. A ciência e tecnologia não podem e nem devem ser vistos como gastos, mas investimentos fundamentais do país.

Nesse sentido, é de fundamental importância a resistência não apenas aos avanços dos retrocessos políticos, como também a resistência científica e iniciativas como a criação de um canal no YouTube como um chamado Resistência cientifica. Criado pelo biólogo Henrique, a página nasceu como o nome de teoria do design estúpido “em vista da necessidade combater o movimento fundamentalista travestido de ciência chamado design inteligente”.

Um dos seus objetivos é o de “detonar a pseudociência”. Como diz em sua página inicial “O canal é voltado para a área da defesa da Ciência, combate à pseudociência, defesa do profissional Biólogo, do meio ambiente, preservação da natureza, família, educação ambiental, Zoologia, Botânica, Ecologia e Cultura Nerd. Faz parte do seleto grupo: Resistência Científica que é um selo que atesta qualidade da divulgação científica no Youtube e que visa à divulgação científica e o combate à pseudociência”.

Como este canal, há outras iniciativas nas redes, hoje um espaço fundamental para combater a desinformação e a estupidez presentes nas redes sociais e que tem justificado os ataques à ciência. Alguns desses canais podem ser acessados em no site da Resistência Científica. Sua divulgação é parte da imprescindível resistência. Política e científica.

Referências

Carta dos ex-ministros de Ciência e Tecnologia

Resistência Científica

Leia outro artigo do mesmo autor:

Os engenheiros do caos

Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Homero de Oliveira Costa

Uma resposta para “Resistência científica”

  1. Joseane Silva disse:

    A verdadeira “resistência” é contra algumas pessoas que vestem a capa de “professor”, “doutor”, “especialista” e utilizam da burocracia do seu cargo para enfiar uma pauta revolucionária na cabeça das pessoas. Essas pessoas não representam toda a ciência.

    Afirmar que o descontentamento diante das coisas erradas que acontecem em ambientes acadêmicos significa negar a ciência, não passa de pura demagogia e distorção da realidade.

    Como boa parte da população é analfabeta funcional (graças à educação do PT), poucos são capazes de perceber a verdadeira pauta em questão.

    Ignorante para o senhor é quem não concorda com o PT.

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