Especialistas e Secretarias Estaduais de Educação do nordeste avaliam os impactos da Medida Provisória 746
Qual o futuro do Ensino Médio no Brasil? Como as mudanças propostas pela Medida Provisória 746 afetarão alunos e professores? E como ficarão os cursos de licenciatura nas universidades? E o ensino das ciências para os jovens? Para uma melhor compreensão da MP, uma ampla jornada de debates vem ocorrendo em diferentes instituições de ensino do nordeste buscando, por meio do diálogo, analisar os prós e contras dessa medida que altera a organização do Ensino Médio no país. O Nossa Ciência ouviu especialistas e Secretarias Estaduais de Educação sobre os impactos da medida.
Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), há uma comissão organizada para analisar o texto da MP, que estabelece alterações à Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A partir do debate envolvendo professores e estudantes, a comissão pretende produzir um documento de posicionamento da instituição. No dia 18 de outubro, a comissão reuniu especialistas para avançar na análise e na construção de uma proposta que será encaminhada ao Ministério da Educação (MEC).
Professores e estudantes – especialmente os ligados à formação nos cursos de licenciatura e pesquisadores na área – estiveram presentes para ouvir o pesquisador em educação Dante Henrique de Moura, representante do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Ele participou dos grupos de trabalho que elaboraram, no âmbito do MEC, os documentos base do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), além do Ensino Médio integrado aos cursos técnicos de nível médio.
Discussão e mobilização
Dante Moura provocou a plateia questionando: é necessário reformar o Ensino Médio? Ele analisa que a MP 746 foi construída considerando motivos verdadeiros, alegados e intenções reais. “As melhorias físicas das escolas e a democratização da gestão escolar estariam entre os motivos verdadeiros. Já a flexibilização, que é um dos motivos alegados, o governo está colocando na ‘boca dos alunos’. Quanto às intenções reais essas são indeclaráveis”, afirma.
De acordo com o pesquisador, o nordeste está mobilizado para discutir a MP. “O movimento é maior dentro das universidades e nos Institutos Federais, que têm uma posição muito privilegiada nesse momento, nessa resistência, pois adquiriu uma capilaridade muito grande no país, são quase 600 municípios brasileiros e aqui no RN são 18. Qual o movimento que está acontecendo nos municípios onde há IFs? Esses institutos estão fazendo uma discussão interna, indo para as ruas, tentando levar para a população, denunciar o que está acontecendo. Também já há movimentos interessantes nas escolas públicas estaduais de Ensino Médio, aqui no RN. O movimento está começando a crescer e a se espalhar pelo país todo”, analisa.
Um dos pontos que mais preocupa o professor Moura é a subtração do conhecimento com a flexibilização curricular. “Sem a base geral, o estudante poderá mudar de área? Como ele fará isso sem ter o conhecimento necessário?”, questiona. Ele propõe que a discussão seja ampliada para fora dos muros das universidades. “É o momento de termos a maturidade de minimizar as diferenças, identificar as pautas que nos une e debater com a sociedade. A única possibilidade que temos é o diálogo com a sociedade, já que não há essa opção de diálogo com o governo”, lamenta.
Licenciaturas interdisciplinares
O que mais preocupa nessa Medida Provisória quanto à formação do professor de licenciatura? De acordo com o professor Gilmar Barbosa Guedes, do Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação da UFRN, é o risco de serem “professores de tudo e de nada”. Fundamentalmente, ele aponta a alteração do artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases. “A formação dos professores, anteriormente, ficava definida por conteúdos que eram organizados nas diretrizes curriculares nacionais, que são as diretrizes dos cursos de graduação das universidades, e no caso das escolas de Ensino Médio no projeto político-pedagógico. Embora tivesse que considerar as diretrizes do Ensino Médio e os parâmetros curriculares, as escolas tinham uma autonomia, liberdade em definir alguns conteúdos específicos dependendo das características sociais, culturais de cada escola, de cada universidade. Na MP, eles engessam esses conteúdos dentro da Base Comum Nacional que vai ser definida por uma comissão interna do MEC. Então, as escolas e as universidades ficarão limitadas efetivamente em ter uma autonomia pedagógica para atuar, em organizar seus currículos, que tendem a ficar engessados”, opina.
Ainda segundo Guedes, alguns docentes equivocadamente acham que não serão atingidos com as mudanças propostas pela MP 746. “Eles acham que a Medida Provisória apenas vai impedir que Sociologia, Filosofia e ensino de Espanhol deixem de ser obrigatórios. Mas na hora que o MEC definir o que é essa Base Comum Nacional essa base vai contemplar Português, Matemática, Física, Química. Todas as áreas vão ser impactadas pela reforma e não especificamente a área de Humanas”, explica.
Maranhão: avaliando os caminhos
No Maranhão, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) já discute uma proposta de fortalecimento do Ensino Médio pautada, sobretudo, na inovação curricular e ampliação do tempo do estudante na escola. Com a publicação da MP 746, em 20 de setembro de 2016, a ideia é prosseguir avaliando os caminhos para consolidar a proposta do Governo do Maranhão. “Faremos uma ampla discussão com o Conselho Estadual de Educação e a sociedade civil organizada, para que em conjunto, verifiquemos a possibilidade de implantação em 2017, compreendendo a autonomia que os Estados possuem para elaborar suas propostas curriculares e estruturar as redes de educação”, esclarece o secretário Felipe Costa Camarão.
Na visão da secretaria a reforma apresenta alguns pontos frágeis, entre eles a falta de clareza referente ao ensino médio regular noturno. Outro ponto preocupante é quanto ao formato da MP. “A reforma foi editada por meio de Medida Provisória. Embora haja a necessidade de agilidade na implementação de políticas públicas para fortalecimento do Ensino Médio, compreendemos que poderia ter sido feita em forma de Projeto de Lei em regime de urgência permitindo, dessa forma, uma análise e discussão sobre as mudanças a serem implantadas”, pondera o secretário.
Por outro lado, a Seduc do Maranhão avalia como positivos três pontos da proposta: a possibilidade do Ensino Médio ser todo de tempo integral, o que poderá agregar mais qualidade na formação discente; o aporte financeiro do Governo Federal para implantação desta realidade; e o protagonismo juvenil como referência para o currículo quando este é voltado para um projeto de vida.
Incentivo ao ensino de Ciências em Pernambuco
Em Pernambuco, a Secretaria de Estadual de Educação (SEE) tem sido muito ativa no incentivo ao ensino das Ciências nas escolas. Dados da Secretaria Executiva de Desenvolvimento da Educação da SEE/PE demonstram que além de promover ações próprias, a SEE forma parcerias para desenvolver outras ações, como também incentiva e apoia a participação de professores e estudantes em feiras de conhecimento e afins. Isso tem aumentado o interesse das comunidades escolares nas atividades de caráter científico, bem como em torneios e mostras, rendendo inclusive premiações.
De acordo com informações dessa secretaria enviadas por e-mail, o principal entrave apontado pelos professores é o pouco tempo disponível na carga horária de ciências para trabalhar de forma mais efetiva a ênfase na pesquisa, bem como as carências (em alguns casos) na formação inicial, que o deixam inseguro para atuar nesta seara. As ações da SEE visam empoderar o professor para melhor trabalhar a relação teoria – prática – pesquisa diminuindo as dificuldades em seu trabalho cotidiano.
Quanto à MP 746, a Secretaria Executiva de Desenvolvimento da Educação da SEE/PE informa que a ideia de um Ensino Médio “flexibilizado” em áreas do conhecimento pode ser positiva no sentido de proporcionar um maior tempo pedagógico a ser destinado ao itinerário formativo da área de ciências. Uma das dificuldades do trabalho pedagógico que vem sendo apontada é o tempo insuficiente para um trabalho formativo voltado para a pesquisa propriamente. Contudo, é claro que desenhar este formato constitui um desafio muito grande para as redes de ensino.
Bahia: reflexões sobre os impactos da MP
A Reitoria da Universidade Federal da Bahia promove, nesta quinta-feira (20), o seminário “Reflexões sobre o Ensino Médio Brasileiro: impactos da Medida Provisória 746/2016”. O evento terá a participação de representantes do Ministério da Educação (MEC), da Secretária da Educação do Estado da Bahia, pró-reitores e professores de universidades federais do nordeste e outras entidades ligadas à Educação como a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino (ANDIFES), Associação Baiana Estudantil Secundarista (ABES) e o Fórum Nacional de Educação.
“O objetivo dos debates é elucidar os diversos aspectos e implicações da Medida, de modo a propiciar à Universidade e aos atores da educação básica a oportunidade de discutir um assunto tão importante para a formação das novas gerações de brasileiros”; diz o pró-reitor de Ensino de Graduação, Penildon Silva Filho.
Edna Ferreira
Deixe um comentário