Com rejeito da indústria salineira, pesquisadores da Ufersa conseguiram reproduzir mudas e estão reflorestando áreas degradas
Recuperar e preservar o meio ambiente utilizando um dos seus agressores. Pesquisadores do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Semiárido (Ufersa), em Mossoró (RN), conseguiram reproduzir mudas de plantas usando águas hipersalinas e estão reflorestando áreas degradas de manguezal. A estratégia faz parte da pesquisa “Uso de águas hipersalinas na produção de mudas de mangue branco” conduzida pelo engenheiro agrônomo Lucas Ramos Costa, ao lado do professor Marcelo Tavares Gurgel, coordenador do projeto, e com alunos de graduação em Agronomia, Engenharia Florestal e especialistas em salinidade.
Durante o estudo, os pesquisadores avaliaram a utilização de águas hipersalinas na produção de mudas de mangue branco (Laguncularia racemosa) na área rural do Semiárido. O experimento foi implantado na comunidade de Requenguela, em Icapuí (CE). Foram comtempladas 30 famílias com o projeto de reflorestamento de áreas degradadas, que receberam 200 mudas provenientes da pesquisa. O pesquisador explica que o mangue branco foi escolhido pois a região é uma área de ocorrência do apicum ou salgado, nome dado a uma área com salinidade elevada.
De acordo com Costa, as águas hipersalinas são aquelas que circulam em tanques de cristalização atingindo altas concentrações de sódio e precisam ser descartadas nos corpos hídricos ou recirculadas nos tanques de sal da indústria salineira. Estes efluentes são fontes potenciais de nutrientes contendo altos teores de sódio, potássio, cloreto, sulfato e magnésio. “O efluente que usamos é resultado da circulação da água nos tanques de cristalização da indústria salineira do estado do RN, na região da Costa Branca. Constatamos um crescimento mais de 100 % no que diz respeito à altura da planta. As mudas que foram irrigadas com 2,400 litros de água hipersalina diluída, mediam 7 cm, sendo que no estágio final o resultado obtido foi o crescimento de cerca de 17 cm”, detalha.
Destino nobre
Segundo Lucas Costa, o estudo concluiu que as amostras irrigadas com 5.300 litros de água salina diluídas apresentaram os melhores resultados, as medidas de diâmetro do caule no início mediam 2,0 milímetros, após os testes as amostras chegaram a 3,5 milímetros de diâmetro. “Esta alternativa de reúso pode proporcionar um fim nobre ao efluente despejado nos mananciais hídricos, reduzindo os impactos ambientais causados por essa prática”, afirma o engenheiro.
Os manguezais são, na sua grande maioria, berçário natural para a desova e reprodução de várias espécies aquáticas que estão inseridas nesse ecossistema. O aumento da salinidade de água nos ambientes aquáticos cria condição ambiental desfavorável para a maioria das espécies, tais como peixes, moluscos, caranguejos, entre outros, além de causar o aumento exponencial dos níveis salinos do solo do manguezal. “No entanto, não se sabe se a morte dos manguezais é resultado dessa atividade”, pondera Costa.
O engenheiro agrônomo explica que nesse processo da indústria salineira, a água do mar é captada de um braço de rio próximo e fica retida nas bacias de cristalização ou tanques de cristalização, que utilizadas para que a água captada seja evaporada e como consequência o sal se precipite. “No entanto, para que isso ocorra é necessário que a água circule por vários tanques, até chegar na água chamada de água mãe ou água de grau, que na pesquisa chamamos de água hipersalina”, explica.
A pesquisa e suas etapas
Iniciada em 2014 com a instalação de experimentos na casa de vegetação instalada no setor de solos pertencente à Ufersa e na área experimental do município de Icapuí-CE, a pesquisa passou por cinco etapas. A primeira etapa foi entrar em contato com a estação Ambiental Mangue Pequeno no Ceará para buscar auxílio na coleta de sementes e melhor local para coleta do solo de mangue, para a constituição do substrato utilizado na fase de produção das mudas em casa de vegetação. “Depois preparamos as águas que iríamos utilizar para irrigar as mudas. O experimento foi realizado em 360 plantas, divididas em 24 blocos contendo 15 plantas cada um, que receberam 10 litros de água hipersalina diluída em água de abastecimento urbano por dia. Ao todo foram realizadas seis diluições”, explica Costa.
Em seguida, os pesquisadores realizaram estudos de crescimento e desenvolvimento das mudas onde, as variáveis avaliadas foram: número de folhas; diâmetro do caule; altura da planta; comprimento do sistema radicular, entre outras. “A última etapa foi levar as mudas para o campo e acompanhar as mesmas durante quatro meses e a outra parte das mudas foram doadas para os moradores da região de abrangência do estudo”, explica.
Os resultados finais revelam que o crescimento do número de folhas é significativo com relação às amostras que receberam água com alto teor de salinidade, que cresceram cerca de 3 folhas por planta. Comparativamente, as amostras que receberam apenas água de abastecimento urbano apresentaram um crescimento médio de 15 folhas por planta.
Papel social
O estudo está ligado ao projeto Bramar da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e ao Programa de Mestrado em Manejo água e Solo da Ufersa. O Bramar é um projeto em rede de cooperação entre Brasil e Alemanha que tem como um dos objetivos analisar o potencial e avaliar os efeitos da aplicação de efluentes na produção de cultivos agrícolas, forrageiras e florestais no Nordeste brasileiro.
O resultado positivo junto às famílias de Icapuí reforça o papel social da pesquisa. Segundo Lucas Costa, a pesquisa proporciona benefícios sustentáveis para a sociedade, sendo evidente o caráter ecológico. E demonstra uma atividade tão atual que é a reutilização da água. “Isso evidencia o uso racional deste recurso tão importante para a manutenção da vida”, ressalta.
Quanto ao futuro dos experimentos, o pesquisador faz suspense. “Por enquanto, o próximo passo não pode ser revelado porque ainda o estamos desenvolvendo, mas já adianto que outras comunidades serão beneficiadas, e se tudo correr da maneira que estamos planejando virá algo inovador para a comunidade que produz mudas em casa de vegetação”, adianta.
Edna Ferreira
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