A mentira na política – parte 2 Artigos

sexta-feira, 11 outubro 2019

A longa decadência do discurso público conduziu à era da pós-verdade. Esse é o tema da segunda parte do artigo.

(Por Homero Costa)

Em relação à ditadura militar e mais especificamente ao governo de João Batista Figueiredo, trata do caso da bomba do Riocentro, de grande repercussão na época. Resumidamente: no dia 30 de abril de 1981 cerca de 20 mil pessoas assistiam a um show, com entre outros, Chico Buarque, Gal Costa, Gonzaguinha (cujo pai, Luiz Gonzaga, seria o grande homenageado) quando uma bomba explodiu no colo de um militar, que se soube depois, era do DOI (Destacamento de Operações de Informações do I Exército) no estacionamento do pátio do Riocentro. O objetivo seria explodir no evento e culpar a esquerda. Logo, foi montada uma farsa, jurídica e midiática, para distorcer os fatos e absolver os dois militares que estavam no carro (ver uma análise mais detalhada nas pgs. 27 a 53 do referido livro).

Segundo os autores “Sim. Você foi enganado. Aproveitando-se de sua boa-fé, os políticos do Brasil têm usado a mentira como um instrumento de conquista e manutenção de poder. E a farsa com finalidade política não segue ideologia nem é recurso restrito a determinados partidos – tem sido utilizadas por conservadores, moderados, progressistas, ditadores”.

No artigo Mente que não sente, publicado no jornal Folha de S. Paulo no dia 3 de setembro de 2019, Álvaro Costa e Silva, afirma que “Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro já fez quase 300 declarações falsas ou distorcidas. Só em agosto, durante a crise ambiental e diplomática em torno da Amazônia, foram mais de 30 falas equivocadas – o que está lhe garantindo um lugar de destaque na galeria da mentira. Entre outros citados, cita a ofensa do presidente à mulher do presidente da França, Emmanuel Macron, e depois disse que não a ofendeu e a acusação, sem provas, que queimadas na Amazônia poderiam ter sido causadas por ONGs e diz “Do jeito que a coisa vai, ainda leremos: Bolsonaro mente que não sente”.

Leia a primeira parte deste artigo.

Segundo o site Aos fatos, atualizado em 30 de agosto de 2019, em 241 dias como presidente Bolsonaro deu 286 declarações falsas ou distorcidas. Os dados, como informa o site, “agrega todas as declarações de Bolsonaro feitas a partir do dia de sua posse como presidente”. As checagens são feitas semanalmente.

Quando o presidente Jair Bolsonaro discursou na abertura da ONU no dia 24 de setembro de 2019, Aos Fatos publicou no mesmo dia uma matéria com o titulo  Aos Fatos listou as mentiras no discurso de Bolsonaro e cita uma parte do discurso em que o presidente afirma que “em 2013, um acordo entre o governo petista e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional”. Falso: “Dados do Tribunal de Contas da União de 2017 mostram que, dos 18.240 médicos participantes do programa, 5.274 eram formados no Brasil (29%), 1.537 tinham diplomas do exterior (8,4%) e 11.429 eram cubanos e faziam parte do acordo de cooperação com a Opas (62,6%). Conforme determina a Lei 12.871/2013, que instituiu o programa Mais Médicos, os profissionais cubanos precisavam apresentar documentação que comprove formação em curso superior de medicina e autorização para exercício da profissão no exterior”. Também afirmou que os médicos foram impedidos de trazer cônjuges e filhos: “Não é verdade que os profissionais cubanos que vieram ao Brasil pelo programa Mais Médicos não podiam trazer parentes. O artigo 18 do texto da lei 12.871/2013 prevê que o Ministério das Relações Exteriores pode conceder visto temporário “aos dependentes legais do médico intercambista estrangeiro, incluindo companheiro ou companheira, pelo prazo de validade do visto do titular”.

No artigo A mentira na política e o ideário fascista, publicado no jornal o Estado de S. Paulo no dia 11 de abril de 2019, Eugenio Bucci, jornalista e professor da Escola de Comunicação da USP (ECA) escreveu um artigo muito esclarecedor sobre o uso da mentira na política brasileira. “Uma indústria da mentiras”, como ele diz, se referindo, entre outros exemplos, a afirmativa segundo a qual o nazismo era de esquerda e que a tomada do poder pelos militares em 1964 não foi um golpe de Estado. Para Bucci  as “mentiras não são infâmias isoladas, pronunciadas por alguém que aposta na polêmica. Associadas umas às outras, elas cumprem um papel que não é gratuito, nem casual, nem humorístico: servem para desmoralizar os direitos humanos, a cultura da paz e a normalidade institucional numa democracia. Vieram o público para promover um ideário, hoje anacrônico, tosco e iletrado, mas renitente: o ideário do fascismo”.

São sucessivos discursos que não passam de imposturas “Tudo isso é impostura. Tudo isso é fascismo canastrão, requentado, que seria paródico se não fosse letal. A usina de mentiras controlada pelos governistas planta entre nós o desejo de tirania, enquanto encoraja a violência generalizada – da polícia, dos milicianos, dos guardas da esquina e da linguagem. As armas de fogo são os novos amuletos da virilidade que espanca mulheres e homossexuais” e por isso, afirma, nada de virtuoso virá de um governante que ofende a história da humanidade e não guarda respeito pela ordem que lhe conferiu o mandato: ao bajular a ditadura extinta, enxovalha o juramento que fez de “manter, defender e cumprir a Constituição”.

A mentira está intimamente ligada à política, e tem sido ao longo da história, objeto de reflexões de psicanalistas, psiquiatras, filósofos, sociólogos, cientistas políticos, historiadores, etc.. Atualmente a mentira na política se potencializa com o desenvolvimento tecnológico, com a expansão e influência das redes sociais e tem ganhado novos ares no que se tem chamado de pós-verdade, quando crenças e convicções têm se sobreposto aos fatos. Como diz Matthew D’Ancona em Pós-verdade. A nova guerra contra os fatos em tempo de fake news (Faro Editorial, 2018, p.128) :“Na longa decadência do discurso público, que, finalmente, conduziu à era da pós-verdade, a classe política e o eleitorado conspiraram em favor da degradação e debilitação do que dizem um ao outro. Promessas irrealizáveis são compatibilizadas com expectativas absurdas; os objetivos inalcançados são ocultados pelo eufemismo e pela evasão; o hiato entre retórica e realidade gera desencantamento e desconfiança. E em seguida, o ciclo recomeça. Quem ousa ser honesto? E quem ousa dar importância a honestidade?”.

Referência:

Aos fatos

Leia outro artigo do mesmo autor:

Eleições e fake news

Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Homero de Oliveira Costa

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