“Toda água é boa” Entrevistas

quarta-feira, 5 outubro 2016

Pesquisador da UFCG, Kepler França defende a dessalinização da água como método de reaproveitamento do recurso mineral para o consumo humano e outros tipos de reuso

Nesta segunda parte da entrevista, o professor Kepler Borges França fala de projetos em andamento e justifica sua opção por estudos multidisciplinares. Tendo dedicado grande parte de seus estudos às pesquisas para extração de sal da água, o pesquisador explica o processo de dessalinização e as dificuldades para a manutenção dos sistemas já instalados.

Existe água ruim?

Eu digo sempre que toda água é boa, sem exceção, não interessa onde ela esteja, porque onde ela estiver, o sol, a luz vai levá-la para as nuvens, vai deixá-la fantástica e ela desce de novo. A água é testemunha da geração do nosso planeta. A água do mar tem praticamente a mesma idade da Terra e é a água do mar que sai, evapora, forma as nuvens, elas condensam e a água da chuva cai no solo e a gente bebe e depois ela volta de novo. É o ciclo hidrológico. É sempre a mesma água. Quando a gente fura um poço, talvez a gente esteja bebendo a mesma água que Cristo bebeu.

Então o grande problema é que se está poluindo mais água do que a natureza é capaz de recompor?

Nós somos 7,5 bilhões de pessoas no mundo. Daqui a 25 anos, o ciclo hidrológico não vai atender à demanda de água dos 8 bilhões de habitantes da Terra. Atualmente, 1 bilhão de pessoas não têm água e qualquer atividade humana precisa de água. Como é que o homem devolve a água para a natureza? Nós temos que nos conscientizar de que estamos matando a nós mesmos.

O senhor perguntou como o homem está devolvendo a água para a natureza. Há respostas?

Temos um projeto em Santa Luzia do Picuí (PB) (foto), que monitora 400 famílias, através de exames epidemiológicos em toda a comunidade. Nós captamos água das cisternas e fazemos análises físico-químicas e bacteriológicas e também investigamos os vírus presentes na água. Os vírus encontrados estão correspondendo com as viroses que estão aparecendo em toda a região, tanto nas crianças, como nos adultos. O trabalho é feito em colaboração com a Universidade de Bryngton, na Inglaterra e com a Agência Nacional de Águas (ANA).

Características químicas, físicas, vírus são conhecimentos de áreas distintas. Que áreas o senhor engloba nos seus projetos?

A gente precisa fazer um pool, juntar as pessoas de áreas de conhecimento diferenciados para desenhar projetos, tipo guarda-chuva, que venham a beneficiar a pesquisa, o ensino, a extensão. Eu posso pensar: o que eu posso somar com o seu conhecimento dentro do meu projeto ou vice-versa? Meus projetos são multidisciplinares envolvendo as áreas social, de saúde, da biotecnologia, das engenharias, de forma que de fato se estude um problema para resolver. Quando se trabalha em áreas isoladas não há crescimento.

Qual é a situação da água em algumas cidades do nordeste?

Campina Grande (PB) tem um açude que está somente com 7% da sua capacidade volumétrica e a qualidade da água está ficando cada vez mais crítica com o desenvolvimento das cianobactérias, que liberam cianotoxinas e muitas delas são mortais, a exemplo daquele caso que aconteceu em Caruaru (PE), em 1996. Natal (RN), que é praticamente em cima de dunas, é abastecida em mais de 80% de água subterrânea. Considerando que nós não temos coleta e tratamento de esgotos, os mananciais estão ficando poluídos com nitrato. A concentração de nitrato acima de 10 miligramas por litro de água causa problemas seríssimos de estômago. Em Recife (PE), furaram tantos poços na orla, que o solo começou a ceder.

Já existem condições reais para resolver o problema hídrico no Brasil?

É uma pergunta pertinente quando estamos passando por uma crise hídrica forte. Cada pessoa consumindo 100 a 150 litros de água por dia, de acordo com as companhias de água estaduais (Compesa, Cagepa, Caern), significa que o consumo de água é muito grande. O lado técnico resolve a questão, mas o problema é de outra natureza. Tem que existir uma atitude política como primeiro passo, do reconhecimento da concentração, vivemos em estados secos, há cinco anos faz sol todos os dias! O que vai acontecer? Imagine o número de pessoas que vai adoecer em curto espaço de tempo. O que vai ficar mais caro, a saúde humana ou a produção de água potável?

Quais seriam as possíveis soluções para essas cidades a que o senhor se referiu?

Para Campina Grande, uma cidade com mais de 450 mil habitantes e que somando com os outros lugares chega a um milhão de pessoas, há duas soluções. Uma seria chuva e a outra seria a Transposição do Rio São Francisco, que deverá estar pronta em janeiro, segundo a ANA, mas a água só chega talvez mais um trimestre à frente. Natal está reduzindo seu potencial hídrico porque não resolveu o problema do esgoto. Em Recife, a gente poderia fazer uma usina de dessalinização para atender à comunidade da orla (Boa Viagem, Pina, Candeias), formada por quem tem um poder aquisitivo maior e tem condição de pagar. Da água que iria para esse setor iria também para o subúrbio, onde não se recebe água.

Como funcionam as usinas de dessalinização?

O processo de dessalinização utiliza membranas poliméricas, que são classificadas em função do tipo de água que vai ser tratada. Pode ser água salobra, água poluída e não salobra e a água extremamente salgada, como a do oceano, que precisa de uma membrana mais resistente. Esse processo além de dessalinizar, também purifica a água. Os sistemas de pequenos porte instalados em comunidades difusas no nordeste são formados por membranas para águas salobras. Cabe às prefeituras a responsabilidade pela manutenção dos equipamentos e pela distribuição da água potável às pessoas que não tem acesso.

Quantas usinas estão instaladas atualmente e funcionando no nordeste?

Hoje tem mais de 3 mil sistemas instalados no nordeste e alguns no centro-oeste. Eu não tenho o número exato de quantos estão funcionando, mas mais da metade estão parados por alguma razão óbvia, trivial ou muito séria. Essas razões são falta de manutenção, falta de capacitação de pessoas para lidar com os equipamentos, falta de conscientização e falta de respeito por um sistema de dessalinização que foi doado pelo Programa.

Como resolver?

Com a instalação de um sistema de controle remoto pela telemetria vamos poder observar o funcionamento dos equipamentos à distância, saber quando ele deve ser feita a troca do filtro, a limpeza química da membrana. Considerando hoje esse universo da informática, da comunicação rápida via internet, a gente poderia instalar em todos esses sistemas de uma forma inteligente e fazer a manutenção. E isso é muito fácil.

Todos os lugares já tem acesso à internet?

Muitas localidades já têm e nos lugares que não têm, pode ser colocado um sistema tipo bluetooth no equipamento para enviar os sinais via celular. Também se pode usar um telefone fixo (orelhão) para fazer a mesma coisa.

O conhecimento sobre dessalinização produzido no Brasil é de boa qualidade?

Não.É muito pobre. A única universidade do país que desenvolve membrana polimérica, não para dessalinização, mas para microfiltração é a COPPE, no Departamento de Engenharia Química; e o Labdes/UFCG é o único laboratório que desenvolve membrana cerâmica, tanto para purificação de água como para separação entre água e óleo. O investimento para o desenvolvimento de membrana polimérica deveria ser muito maior. O que nós temos são empresas montadoras de sistemas de dessalinização que compram membrana no exterior.

A Petrobras não financia pesquisas nessa área?

Financiava. Eu já trabalhei com a Petrobras, no desenvolvimento das membranas cerâmicas para reuso de águas cinzas, para separação de água e óleo e até para extração do índigo blue, um poluente muito usado na região de Toritama (PE), na fabricação de calças jeans.  A gente deixa a água límpida e ainda recupera o índigo blue que foi lançado no rio.

Quais são os impactos ambientais do processo de dessalinização?

Duas correntes saem da água que entra num sistema de membranas. Uma é a água potável e a outra que alguns chamam de rejeito, mas essa palavra já nasce infeliz e nós denominamos de concentrado, que é uma água mais salgada do que a que entrou no sistema. Quando o concentrado é lançado no meio ambiente, se ele está muito salgado, pode salinizar o solo e prejudicar o meio ambiente. Todo processo causa um impacto, mas buscamos minimizar tanto quanto possível esse impacto para ele não afetar a vida.

O que é feito com esse material resultante da dessalinização?

Há dois processos que nós fazemos aqui. Criação de peixes como tilápia, usando sistemas hidropônicos; e um sistema de secagem para recuperar o sal. Mas há também outros fins menos nobres que podem ser usados dentro de condomínios, para dar descarga em toaletes, limpeza de assoalhos, do chão. Também tem que se estudar o percentual gerado por cada tipo de sistema instalado. Nos Estados Unidos eles injetam em poços secos, mas aqui no Brasil a gente não faz isso.

Isso não causa um dano maior?

O dano depende do solo e do índice pluviométrico da região porque a chuva pode diluir essas águas. Muitas vezes o que é colocado é insignificante para a quantidade de água que vai chegar lá e vai diluir. Pode-se, por exemplo, voltar para o oceano o concentrado resultante da dessalinização da água do mar.

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