A importância do Museu Antroplógico da Universidade de Coimbra para o desenvolvimento da Antropologia Forense no Brasil é o tema desse artigo do professor Gustavo Barbalho Guedes Emiliano
Quem visita a Universidade de Coimbra, não imagina que o sótão do Departamento de Ciência da Vida sedia uma das maiores e mais completas coleções de crânios e esqueletos identificados do mundo. O prédio é um antigo colégio jesuíta, fundado em 1576, no estilo maneirista com fachada ampla e recortada por grandes janelas simétricas. O visitante ao entrar pela porta da Antropologia se defrontará com um o jardim interno e lances de escadas ladeadas por azulejos pintados à mão sobre temas cotidianos e grandes feitos dos bravos navegadores portugueses pelos quatro continentes. A contribuição da nação ibérica para o Brasil vai além da maneira de pensar o mundo através da língua portuguesa. O pioneirismo lusitano lega às sociedades modernas o pensamento do ignoramus – “nós não sabemos”, que veio a romper com crenças cristalizadas nas mentes do homem medieval. Nesse momento estava dado o início da odisseia humana pelo saber científico.
O Museu Antroplógico da Universidade de Coimbra representa um dos mais importantes centros de pesquisa científica, produção de conhecimentos e desenvolvimento tecnológico na área de Antropologia Forense, Física e Bioarqueologia. O museu ocupa um amplo espaço no sótão do Departamento de Ciencias da Vida por onde se chega através de vários lances de escada terminando em uma estreita porta. Ambiente climatizado, com claraboias que permite a entrada de luz natural e com máquinas de desumidificação para conter à degração do tecido ósseos por fungos e bactérias. Os restos humanos estão perfeitamente organizados em caixas retangulares em incontáveis corredores de prateleiras. O controle é restrito. A coleção do museu é formada por amostras ósseas de cidadãos comuns identificados (coleções de trocas internacionais, médicas I, II e III), por restos ósseos de populações antigas e batalhas históricas, como a de Aljubarrota, de 1385, entre portugueses e castelhanos, e vítimas de genocídio por decapitação, ocorrida no século XX.
As coleções osteológicas que formam o museu antropológico surpreendem visitantes e pesquisadores pelo grande número de crânios e esqueletos identificados. O acervo é formado por cerca 2.000 crânios e 800 esqueletos identificados, o que faz dele um dos maiores do gênero no mundo. Soma-se a isso, o excelente estado de conservação e fontes bem documentadas sobre os dados ante-mortem da coleção, como filiação, naturalidade, idade à época da morte e provável causa mortis. São informações importantes para pesquisas científicas relativas aos hábitos dos indivíduos (experiência de cárie dentária, em populações passadas), desenvolvimentos de métodos modernos de estimativa de perfil biológico (sexo, idade, ancestralidade e estatura) de restos humanos em contextos forenses, pesquisas sobre fatores de individualização, paleopatologias, traumatologia, etc.
É um acervo singular no mundo cientíico e de interesse corrente de pesquisadores de várias nacionalidades. O estreito intercâmbio científico entre a Dra. Eugénia Cunha, professora e coordenadora do Laboratório de Antropologia Forense da Universidade de Coimbra e presidente da FASE (Forensic Anthropology Society of Europe) com pesquisadores e peritos brasileiros tem impulsionado o desenvolvimento da Antropologia Forense no Brasil, especialmente por meio de cooperação interinstitucional entre Brasil-Portugal, colaboração em pesquisas, em perícias, novas tecnologias, cursos e treinamentos para brasileiros no país e no exterior.
A simbiose dessa rede formada por Coleção Osteológica – Pesquisa/Perícia Antropológica – Pesquisadores/Peritos resulta no salto qualitativo da formação dos recursos humanos na área e, revela-se de importância capital em Estados democráticos e de direito, dada a necessidade ética, social e médico-legal de identificar os indivíduos mortos e discutir as causas e circunstâncias da morte como forma de subsidiar o Estado quanto à responsabilização criminal de indivíduos e devolução dos restos humanos aos familiares das vítimas. A Universidade de Coimbra é o porto, o Museu Antropológico é a embarcação, os pesquisadores e peritos são navegadores e o horizonte, o saber científico de um mundo que não prescinde de justiça.
Gustavo Barbalho Guedes Emiliano – odonto.legal@yahoo.com.br. Professor Doutor do Curso de Odontologia da Universiadade do Estado do Rio Grande do Norte.
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