Seminário reúne prefeito, vereadores, empreendedores, arquitetos, professores e representantes de entidades e de conselhos municipais ligados à ocupação do solo urbano
“Não somos nós que temos que decidir: é o mercado quem tem que decidir.” Esse foi o tom da palestra da arquiteta Águeda Muniz, secretária de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza (CE), que foi uma dos três palestrantes no Seminário e Workshop Desenvolve Natal, realizado nesta segunda (9) em Natal, pela Fecomércio RN e Instituto dos Arquitetos do Brasil, seccional RN.
A afirmação da secretária recebeu efusivos aplausos da plateia formada em grande número por empresários do setor representados pela Fecomércio, mas também da indústria e da construção civil. Em sua apresentação, ela falou sobre “Eficiência na gestão pública, como agregar valor à cidade” e comparou a administração de uma cidade à de uma empresa.
A demolição de um prédio de 10 andares e a construção no mesmo local de um hotel de 40 andares, ainda que o Plano Diretor daquela cidade regulamente o gabarito em 24 andares, a partir da flexibilização da legislação é um exemplo das Operações Urbanas Consorciadas (OUC). O modelo consiste na “troca” de licenciamento para ocupação do solo por equipamentos urbanos de uso social. A secretária informou que o valor do equipamento social é avaliado de acordo com o valor de mercado da área onde o empreendimento será instalado.
Plano diretor
A fala da cearense se remeteu à exposição do prefeito de Natal, Álvaro Dias, que a antecedeu e que fez uma enfática defesa do que ele classificou como necessárias mudanças no Plano Diretor de Natal (Lei Complementar 082, de 21/06/2007). O novo Plano deverá ser votado ainda esse ano pela Câmara Municipal.
Dias afirmou que o atual Plano Diretor expulsou o desenvolvimento de Natal para as cidades vizinhas e especialmente para Parnamirim. “Nova Parnamirim não existia. Ela é o resultado das dificuldades que o Plano Diretor de Natal criou para as pessoas. Em Nova Parnamirim há vias modernas, bonitas, com prédios e um comércio forte e todos foram para lá.” Mais de 300 mil habitantes deixaram Natal por cidades próximas, garantiu o prefeito. O fato pode ser observado com relativa facilidade: uma rápida investigação no endereço de pessoas conhecidas revela que para grande parte o CEP de suas residências não é de Natal. Porém, diferentemente do que o prefeito afirmou, o grande povoamento de Nova Parnamirim é bastante anterior a 2007, ano de promulgação do Plano, datando ainda da década de 1990.
Atraso ou proteção?
Como exemplos do que chama de atraso, o prefeito apresentou uma imagem aérea da Praia da Redinha, que ele classificou como a praia mais bonita de Natal e que, na sua opinião, precisa ter liberada a verticalização com a construção de prédios. Atualmente, o artigo 21 do Plano Diretor designa a Redinha como uma das Áreas de Controle de Gabarito que são aquelas que mesmo passíveis de adensamento, visam proteger o valor cênico-paisagístico, assegurar condições de bem estar, garantir a qualidade de vida e o equilíbrio climático na cidade. Na Redinha, como nas demais Zonas de Proteção Ambiental, as construções não podem ultrapassar os 7,5 metros de altura. A medida equivale a prédios de no máximo 3 andares, bem abaixo dos 65 e 90 metros, permitidos em outras regiões da cidade.
Além da orla da Redinha, a orla urbana também foi citada por Dias como exemplo de atraso da Cidade em relação a outras. Uma foto atual do antigo Hotel dos Reis Magos, construção que está em péssimas condições, foi apresentada com a seguinte pergunta: “Isso é bonito? Isso atrai turistas?” Para ele, é obrigatório que o Governo do Estado libere a demolição do prédio, que tem sido motivo de contendas entre defensores do patrimônio arquitetônico, que lutam por sua preservação, e os donos do imóvel, que querem a demolição para a construção de outro empreendimento no local.
Álvaro Dias garantiu que vai se empenhar fortemente para que o novo plano diretor seja mais moderno. E para isso, na opinião do prefeito, ele deve deixar de penalizar a Cidade e desobstruir o caminho de quem quer empreender. “Natal não vai permanecer no atraso, Natal vai voltar a se desenvolver. Nós vamos mudar o Plano Diretor”, prometeu.
Temas
Os outros dois palestrantes foram o jurista e secretário de Planejamento de Goiânia (GO), Henrique Pereira, coordenador do Plano Diretor de sua cidade e que falou sobre o acesso à habitação, usando como exemplo a capital de Goiás; e o professor da Mackenzie de São Paulo e especialista em Desenvolvimento Urbano Sustentável, Projetos Urbanos e Estruturação e modelagem urbana, Carlos Leite, que falou sobre “Planos Diretores Espacializados: Instrumentos Inovadores, Mobilidade e Urbanismo”.
Dos 29 legisladores que vão aprovar o Plano Diretor, o evento contou com a participação dos vereadores Felipe Alves (MDB); Eleika Bezerra (PSL); Aroldo Alves (PSDB); Klaus Rêgo (Solidariedade); Fúlvio Saulo (Solidariedade); Ary Gomes (PDT) e Sueldo Medeiros (PHS). Nenhum apresentou perguntas aos palestrantes ao final de suas apresentações, quando ficaram à disposição dos presentes para responder suas questões.
Leia entrevista da professora Ruth Ataíde, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sobre o Plano Diretor de Natal.
Ao Nossa Ciência, o vereador Ary Gomes deu uma entrevista sobre o Plano:
Nossa Ciência: Como é que estão as conversas na Câmara Municipal em função do Plano?
Ary Gomes: Nós estamos nos organizando, estamos escutando todas as palestras, como também participando de todas as audiências públicas que estão acontecendo e daí a gente vai ter uma análise. Nós sabemos que o PD é fundamental para o futuro da nossa cidade e também para ter uma cidade melhor para a gente viver. Natal é uma cidade bonita, mas é uma cidade que se atrasou no tempo, parou no tempo e nós não podemos deixar isso acontecer.
NC: O que o senhor chama de parou no tempo, se atrasou? Que exemplo práticos o senhor poderia dar?
AG: Por exemplo, a nossa Ribeira parou no tempo. Ela foi conduzida a uma revitalização, que não aconteceu, mas é um bairro que tem toda a estrutura para ser um bairro de grandes proporções. Como também a orla marítima, que deixa muito a desejar para nós e também para que as pessoas possam vir e levar uma boa impressão.
NC: De que forma o senhor acha que deveria ser a ocupação da orla para que as pessoas tivessem essa melhor impressão?
AG: Eu acho que toda orla por si já é bonita e Natal tem uma beleza incomum. E essa beleza deveria ser mais ampliada. Deveria ter uma boa estrutura na orla marítima.
NC: Algumas cidades, inclusive do Nordeste, tem uma orla muito larga. Em Natal, ao contrário, as construções são quase dentro d’água. O Plano Diretor poderá rever isso?
AG: Eu acho que pode. A gente pode recuar, não fazer as coisas atropeladas, como até hoje tem alguns empreendimentos e deixar o mar fazer o que ele quer. Nossa orla maior tem construções que estão dentro do mar, então não temos casas marítimas, nós temos que ter casas bem recuadas e um amplo passeio para que os pedestres possam usufruir da orla marítima. Quando você começa avançar no mar, um dia o mar vai precisar do lugar dele e vai ter que desapropriar.
NC: Como o senhor vê as regras aplicadas a algumas áreas que o mercado chama de atraso e que os movimentos sociais afirmam que é proteção?
AG: É aí onde eu estou querendo aprender. Por que eu acho que a gente tem que ter esse cuidado. São áreas que a gente pode preservar e pode continuar fazendo. Ultimamente, aquela retirada das pessoas (da comunidade) do Jacó, por conta da chuva, por conta da erosão, mas eles não podem sair dali porque ali é a sua área de convivência a vida toda. Por que não se fazer um empreendimento que agregue aquelas pessoas, que poderão se fixar ali mesmo, sem precisar sair do seu habitat? Eu acho que tem que conciliar, não mexer com as pessoas…
NC: Ou seja, não mudar a vida delas e manda-las para longe?
AG: Não, não. As pessoas estão no seu habitat há 60 anos, 70 anos, por gerações e gerações. Mudar para outro canto é como você tirar um ninho de um passarinho. É importante que a gente tenha esse cuidado, essa visão. Eu sei que o empreendedor quer empreender, mas a gente tem que ter esse cuidado de votar, mas votar com muita consciência. Como aquele (prédio do antigo) Hotel dos Reis Magos. Está enfeiando? Está. É uma cultura? É. Mas qual é o empreendimento que vai ser feito? Tem que ter essa visão, para poder se fazer um grande plano diretor ou corre-se o risco de fazer sempre o que foi feito no passado: o Plano Diretor para uns e tirando aqueles que conviveram a vida toda ali. Eu estou querendo aprender para não votar aleatoriamente, nem votar pela emoção.
NC: O senhor acredita que a atual legislatura da Câmara vai conseguir votar o Plano?
AG: Ela vai ter que votar, por que quem dá a votação no Plano Diretor são os vereadores. A gente tem que ter muito cuidado, muita atenção. Eu estou chamando as igrejas, os pastores, as pessoas que entendem melhor, que estudaram mais, para me dar subsídios para, na hora de votar, eu ter uma consciência mais ampla do que é uma cidade melhor de se viver.
NC: Como será sua atuação em relação ao Plano Diretor?
AG: Como eu fui a vida toda uma pessoa ligada ao social, eu confesso a vocês que eu não tenho o know how de um grande empreendedor ou de um arquiteto e tenho que aprender, por que o povo me colocou na Câmara Municipal. Hoje em Natal não temos uma casa de repouso para as pessoas que se drogam ou para os idosos, mantidas pelo Município ou pelo (Governo do) Estado. Como o Plano Diretor é um grande assunto social, se nós não levarmos a sociedade para dentro dele, a gente não vai ter êxito e mais uma vez, corre-se o risco de não se fazer um Plano Diretor adequado. (É necessário) fazer avenidas para as pessoas caminharem, mas também para os ciclistas. Procurar um bom transporte para gente andar. Quer dizer, o Plano Diretor se envolve nisso tudo. Por que não adianta você fazer grandes arranha-céus e não ter uma estrutura melhor. Se você vai fazer um arranha-céu, qual é a tubulação que nós vamos ter para o futuro? Será que aquilo ali comporta a fazer um bom saneamento, um bom esgotamento de água fluvial, o que a gente vê em Natal é que é uma cidade de dunas e é muito complicado você viver nas dunas. Eu acho que é isso que eu tenho que passar as pessoas e estou procurando subsídios para ter mais consciência, aprender mais.
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Mônica Costa
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