Mente vazia é oficina das notícias falsas Coluna do Jucá

quinta-feira, 15 agosto 2019

Reflexões sobre o papel dos livros e dos smartphones na propagação das informações que nos cercam

Surpreende encontrar alguém com um livro aberto em uma sessão de leitura num espaço coletivo? Sim. Pode até parecer exagero, mas não é. A realidade mudou. Ou não mudou tanto assim e Monteiro Lobato, se vivo estivesse, diria que um país se faz com homens, livros e smartphones? Estes últimos, ao que parecem, são os novos “donos do poder”. A Internet, os aplicativos, as redes sociais e os jogos, para citar alguns exemplos, não param de empoderá-los. Cada vez mais. Seja caminhando, seja dirigindo, seja pedalando, seja esperando, seja fazendo o que for. Eles estarão lá. E não param de surgir novidades. A internet das coisas e a Tecnologia 5G também vão te pegar. A pergunta que nos resta é “quando? ”. Mas, e as futuras gerações, perderão de vez a referência da boa e velha leitura?

Não sei responder a pergunta anterior e também não tenho essa pretensão. Acredito, contudo, que a queda no apreço pela velha e boa leitura coincide em algum momento com o advento das fake news. Claro que os livros também podem conter histórias supostamente reais, mas que são na verdade falsas. Mas aí reside a diferença. No caso dos livros, não se trata de ler uma manchete e propagá-la. A leitura é uma atividade reflexiva na sua essência. É pouco provável ler uma obra completa e não pensar no que se está lendo. No enredo, nos personagens, na cronologia, no contexto. E aí aflora o cientista que há dentro de cada um. Surgem as indagações, os questionamentos. O leitor permite a si próprio a liberdade do contraditório.

Aprisionados

E é diante desse contexto, que a mente e os pensamentos não podem ser aprisionados, por maiores que sejam os esforços nesse sentido. Neles − na mente e nos pensamentos − reside o protagonismo do leitor. E não no toque da tela, no ato, na rapidez de repassar e encaminhar um recorte. Esses, na verdade, aprisionam o leitor. Além disso, há a limitação da velocidade de propagação dessa eventual história, seja ela falsa, seja ela verdadeira. Mas vale lembrar que os livros e os smartphones não são o fim em si, mas o meio pelo qual o pensamento crítico se manifesta de forma e intensidade diferentes. Um propício as fake news, e o outro ajudando a bloqueá-la.

Esses dias diante da desilusão de ver se espelhar tão rapidamente notícias falseadas − de teor tão inescrupuloso e tão sub-humano – algo cada vez mais cotidiano e que atinge a tantos, é inevitável questionar-se se o fundo do poço para essas desinformações não tem fim. Nessas divagações acabei achando um artigo interessante, publicado na revista Science em março do ano passado, intitulado, em tradução livre, “A disseminação de notícias verdadeiras e falsas on-line”.

Com o intuito de tentar entender como as notícias falsas se espalham, os autores investigaram a propagação de todas as notícias verificadas como verdadeiras e falsas distribuídas no Twitter de 2006 a 2017. Para se ter uma noção da quantidade de notícias foram investigadas cerca de 126.000 histórias, as quais foram “tuitadas” por aproximadamente 3 milhões de pessoas, mais de 4,5 milhões de vezes. Os autores classificaram as notícias como verdadeiras ou falsas utilizando informações de seis organizações independentes de verificação de fatos, que exibiram concordância de 95% a 98% sobre as classificações.

Conclusões

As conclusões são surpreendentes e intrigantes: as notícias falsas difundiram-se significativamente mais longe, mais rápido, mais profundamente e mais amplamente do que as notícias verdadeiras em todas as categorias de informação. Para se ter uma ideia, as notícias falsas que encabeçavam a lista, cerca de 1% delas, se difundiram entre 1 mil e 100 mil pessoas, enquanto que aquelas verdadeiras raramente se difundiram para mais de mil pessoas. Os autores também descobriram que as notícias falsas eram mais inovadoras do que as notícias verdadeiras, o que ajudaria a explicar a propensão das pessoas em querer compartilhá-las. Eles também creditam às reações emocionais dos receptores as diferenças observadas.

Uma das conclusões mais desoladoras desse estudo é que os efeitos dessas desinformações tiveram implicações mais pronunciadas para as notícias políticas falsas do que para notícias falsas sobre terrorismo, desastres naturais, ciência, lendas urbanas ou informações financeiras. E ao contrário do que é normalmente propagado sobre esse assunto, os robôs aceleraram a disseminação de notícias verdadeiras e falsas na mesma proporção, sugerindo que as notícias falsas se espalham mais que as verdadeiras, porque os humanos, e não os robôs, têm maior probabilidade de disseminá-las.

Não é preciso ser nenhum especialista para perceber o quanto esse tipo de desinformação, normalmente propagada em massa, tem influenciado a vida das pessoas em muitos cantos ao redor do globo, tanto num contexto político, quanto econômico, como social, por exemplo. A ignorância, a falta de pensamento crítico e a má-fé deram asas à desesperança e à desilusão, infelizmente. Resta-nos torcer para que o hábito da leitura de um bom livro, hoje considerado por muitos como retrô, volte à tona, compartilhando os espaços com os smartphones, os quais são tão propícios as fake news, que ganharam vez e voz pelas mentes descampadas e de terra batida.

Referência

The spread of true and false news online

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Leia o texto anterior: O universo elétrico – parte 2

Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.

Thiago Jucá

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