A história da eletricidade ajuda-nos a compreender um pouco o edifício inacabado da ciência
Há poucos dias li o livro Universo Elétrico, de David Bodanis. Sem dúvidas, posso dizer que é uma leitura instigante. O que mais chamou a minha atenção, contudo, foram as histórias, as descrições, as ideias e as concepções de alguns dos personagens mais emblemáticos que revolucionaram o campo científico da eletricidade e, consequentemente, da humanidade.
Michael Faraday, Joseph Henry, Alexander Graham Bell, Thomas Edison, Joseph John Thomson, Willian Thomson e Heinrich Hertz, por exemplo, a despeito dos feitos realizados, eram pessoas completamente inseridas no contexto da época em que viveram. Eles não eram mentes sobre-humanas enviadas do futuro com o intuito de resolver os problemas de uma época ou até mesmo gênios indomáveis que não cabiam dentro de si. A história deles, definitivamente, não é permeada por lampejos de genialidade. O pano de fundo dessas histórias pode, inclusive, ser representado pelos inúmeros erros e fracassos. Além disso, há pouco espaço para o sucesso imediato.
E essa perspectiva é algo que deve ser enaltecido na história da ciência, na divulgação científica e no conhecimento produzido pela ciência. Nesse contexto, a ciência pode ser concebida como um edifício inacabado, algo fadado ao transitório, a despeito da solidez. Tudo isso até a chegada do próximo argumento, consubstanciado por dados experimentais/observacionais e já sob forte escrutínio, sob artilharia pesada do senso crítico de muitos.
Assim como os elétrons que correm no interior dos fios gerando corrente elétrica, David Bodanis viaja pela eletricidade da era vitoriana, conduzindo-a para o florescimento dos telégrafos, das lâmpadas elétricas, das montanhas-russas, dos bondes e dos motores elétricos, todos produtos da inventividade humana atrelada ao uso da força dos elétrons, a mesma que opera há bilhões de anos no universo. Durante muito tempo, a mesma permaneceu desconhecida, logo se tornou conhecida e, depois, revolucionária. Mas, ainda assim, inacabada.
A prova disso era o desconhecimento por trás dos campos de força invisíveis – a força magnética – a cujo estudo Faraday dedicou-se com afinco. Ele mostrou que um campo magnético poderia induzir uma corrente elétrica num fio condutor, isto é, que as forças invisíveis poderiam controlar o movimento dos elétrons. Muitos físicos renomados duvidavam à época da existência dessas forças, além de desdenhar das ideias até então sem nenhum fundamento aparente de Faraday.
Mas a ciência é um edifício inacabado. Faraday e Henry tinham razão. A relação entre as correntes elétricas e os imãs, entre magnetismo e eletricidade, entre fenômenos elétricos e magnéticos era mais tênue do que se poderia imaginar. Quem diria: interações também ocorriam à distância. Estabeleceu-se, definitivamente, uma relação entre eletricidade e magnetismo. Enfim, nasceu o eletromagnetismo. A força da gravidade não estava mais solitária. O espaço já não parecia tão vazio como muitos supunham. Os campos de força, isto é, os campos invisíveis que permeiam a natureza, edificam-se por meio de teias invisíveis. Porém, vez por outra se exibem a todos nós, por meio de belíssimos raios, demonstrando a sua força.
Para mim, contudo, o fato mais instigante de todos é o seguinte: a eletricidade opera em todas as máquinas biológicas. Já imaginou a sofisticação dessa operação em máquinas pensantes, como o cérebro? Ela atua de tal maneira que já se fala há algum tempo em poluição eletromagnética planetária. O que Michael Faraday acharia disso? Será que duvidaria da sua existência como um dia duvidaram dele e das suas ideias acerca da existência dos campos de força invisíveis?
Referências:
David Bodanis. Universo Elétrico: a impressionante história da eletricidade. Ed. Record. Pág. 291.
Planetary electromagnetic pollution: it is time to assess its impact. – The Lancet, Vol 2 December 2018.
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Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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