Para o que você não foi formado? Disruptiva

quarta-feira, 31 julho 2019

O conselho do professor Gláucio Brandão é que se trabalhe para ser diferente daquilo para o qual foi forjado. Afinal, muitas profissões estão no caminho da extinção

Em princípio, parece uma pergunta estranha. Continuem lendo o texto e prometo que, ao final, aquela convencional, com retórica direta “Para o que você foi formado?”, é que vai começar a parecer estranha!

Vocês já ouviram falar em oxímoro, palavras com sentidos opostos que parecem excluírem-se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam-se e criam uma baita de uma expressão? Por estes dias me ocorreu um: “paradoxalmente óbvio”. Bonito, né não? Parece até coisa de quem não tá bem, chegar à aula condensada de número 53 e bater a biela! Mas é exatamente o que o título do artigo significa: estamos preparando gente pra fazer exatamente o que não deveria!  Analisemos…

Óbvio, por definição, é aquilo que está patente, fácil de se descobrir; aquilo que está claro. Paradoxalmente me remete a algo absurdo, incoerente, contraditório. Então, me respondam: como algo pode ser incoerentemente claro? E eu respondo: sua formação! What, Como é, “uquicêtadizendo”?

Sim, levei anos para chegar a essa conclusão paradoxal e óbvia: nosso modelo de formação está capacitando as pessoas da mesma forma (aquele lance do mindset), de modo que só saberão resolver problemas parecidos e, na esteira, concorrerem por espaços semelhantes ou criar coisas similares. Nosso modelo atual de formação (infantil, médio, superior) prima pelo afunilamento. Isso é quase a definição do anti-empreendedorismo!

Assim, como podem centros de educação trabalharem para “forjar” pessoas – seres intrinsecamente diferentes – num mesmo molde e depois entregarem a um Mercado que exige múltiplas soluções as quais dependem de várias habilidades ou, utilizando a vibe da hora, múltiplos skills? Chegamos ao nosso oxímoro institucional!

E aí, GBB-San, o que vossa vã filosofia sugere? E eu respondo, utilizando o contexto oxímoro: trabalhe para ser diferente daquilo para o qual foi forjado! Use sua formação para aquilo para o qual não foi formado! Acho que desta vez encerram a coluna!!!

O Círculo do Saber Universal

Lá pelos idos de 1490, o mestre Leonardo da Vinci criou o Homem Vitruviano, o qual deveria “representar o ideal clássico do equilíbrio, da beleza, da harmonia e da perfeição das proporções do corpo humano”. Achei essa passagem um bom mote para eu poder criar uma analogia: a do saber universal. E como minhas habilidades gráficas não chegam perto das do mestre da Vinci, munido de mouse e paintbrush, vou utilizar dois círculos para exemplificar o que pretendo dizer. Surge assim o Círculo do Saber Universal, ou CSU. Tenho certeza que o mago das gravuras, o Leonardo, se não desenhou este círculo, pensou nele!

O conceito para o CSU é bem simples: tudo que eu sei represento por S e tudo o que eu não sei represento por sua negação, ~S. Posso dizer então que tudo que eu sei somado a tudo que eu não sei contemplam todo o conhecimento do universo (Platão agora ressuscita!). Claro que, no meu caso, o S é infinitamente menor que o ~S. Matematicamente falando: S + ~S = 1. Lindo, todo o saber em uma única expressão! E o que esta simples-complexa equação tem a nos dizer sobre o empreendedorismo, sobre a formação afunilada? Muita coisa!

Se muitas pessoas são capacitadas por outras pessoas que nunca expandiram seu conhecimento ou não tiveram qualquer tipo de experiência além do círculo amarelo, o que vai acontecer? Resposta óbvia: vai se criar, e se educar, um circuito de pessoas que só enxergam o mundo amarelado, mundo no qual as especulações, conversas, insights, dificilmente ultrapassarão este domínio yellow.

O desafio então é criar, via educação empreendedora, “brechas” que possam fazer o vivente vislumbrar a barreira verde, a da inércia psicológica, ultrapassá-la e fazer o desbravador adentrar o mundo azul. Ao entrar nesse mundo, começa-se a caminhar na direção da equação perfeita. Portanto, está na hora de sair da sua zona amarela. Não é fácil, pois nem a barreira verde a galera tá enxergando ainda! Assim, a equação pode ser vista como uma boa balizadora do despertar para o mundo empreendedor.

S + ~S = 100% de todo o conhecimento do mundo. Lindo!

Quebrando a inércia psicológica: entrando em um outro mundo!

O círculo verde, interface entre os mundos azul e amarelo, é a já batida inércia psicológica (IP) apresentada por nós em Como criar criatividade . Para mim, quebrar a IP constitui hoje o maior desafio educacional, aquele que colocará nossos pupilos em um outro patamar de cognição. E por quê disso? Como eu explico em O Anti-Sistema: gerando ideias para startups em 60 segundos , criamos uma barreira intelectual que nos impede de termos umas habilidades vocacionadas com interfaces para outras possibilidades. 

Estudo encomendado pela Dell Technologies para o IFTF (Institute for the Future), mostra o seguinte: “Na próxima década, todas as organizações e os negócios serão baseados em tecnologia, exigindo que as empresas repensem os modelos atuais de infraestrutura e formas de trabalho”, e ainda prevê que “graças ao avanço tecnológico, até 2030, aproximadamente 85% das profissões serão novas, ou seja, ainda nem foram inventadas”. 

Então comece a se mexer em outra direção. Parta do seguinte princípio: o conjunto do que “não se pode” fazer é maior do que “o que se pode fazer” (Em termos estritamente legais, rapaziada!). Ambos somados correspondem a 100% de probabilidade. Esse, portanto, é o limite para sua startup. Assim, exercícios de criatividade empreendedora deveriam ser obrigatórios nas escolas, em todos os níveis. Já para as empresas estabelecidas, o que é uma condição temporal, a inovação contínua e sistemática será a única garantia de sobrevivência. Outro oxímoro para vocês, ponto-com: a estabilidade estará na dinâmica! Antes associávamos estabilidade à estática! Admirável Mundo Tech!

Onde aplicar minha formação?

Não se desesperem ainda, pois nem tudo está perdido. Sua formação é estritamente necessária. A aplicação é que tem de mudar. A quebra da IP surgirá exatamente dos novos caminhos que encontrar, não dos resultados. Peguemos alguns exemplos:

  • Posso usar minhas habilidades de farmacêutico em legos? Sim: imaginem drogas que só se encaixam em determinadas condições orgânicas.
  • Posso usar a arquitetura para evitar doenças? Sim, segundo a OMS, as quedas são responsáveis por 40% das mortes de idosos. A solução médica é a arquitetura!
  • Posso utilizar a engenharia mecânica pra matar piolho? Sim. Egressa de nosso mestrado, a Mestra em Inovação Lucimar Fernandes, desenvolveu um gel polímero que mata os “bichos” por inanição. Cria uma película que segura o famigerado e, depois de um tempo adequado, retira o “capacete” formado da cabeça da vítima levando 100% dos insetos com ele. Sem interação com a cabeça, sem efeitos colaterais! O segredo: a película formada tem um poder de adesão e uma tensão superficial calculada de forma exata para segurar os “nojentos”! Algum engenheiro mecânico já pensou em aplicar suas habilidades desenvolvidas ao longo de 5 anos para matar piolho???

Vou parar por aqui, pois acho que já me fiz entender. Vamos colocar “oxímoro” de volta ao lugar em que merece: o dicionário!

Finalizando… 

Imagino que as entrevistas de contratação vão começar a mudar. Os novos recrutadores, buscando por pessoas para executarem projetos de inovação, deverão em breve começar o diálogo da seguinte forma:

  • Para o que você não foi formado?

E você responderá:

  • Para fazer o que todo mundo faz: a mesma coisa!

E ele:

  • Seja bem-vindo(a) então!

Vai ser massa ver estes cases no youtube!

Referência:

Profissões que existirão em 2030 e ainda não foram inventadas

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: GovTech: imitando a natureza

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Gláucio Brandão

2 respostas para “Para o que você não foi formado?”

  1. Isadora disse:

    Esta fórmula (S + ~S) sempre foi importante. Discussões acerca da inteligência, ignorância e verdade utilizam desse diálogo constantemente. Veja fragmentos de um texto sobre a “inteligência e verdade”:

    “Eis uma verdade amarga: se, a respeito de um assunto, você crê possuir certo conhecimento mas não sabe se esse conhecimento é certo, verossímil, provável ou conjectural, você não sabe absolutamente nada sobre o assunto. A avaliação dos conhecimentos faz parte do próprio conhecimento. Se não existe uma avaliação clara dos conhecimentos já adquiridos, você não sabe a distinção entre o que sabe e o que não sabe, e isto é o mesmo que não saber nada.”

    “O desenho da ignorância, o perfil da ignorância, é um primeiro saber. E este perfil da ignorância se faz exatamente aplicando a grade dos graus de certeza. Se você consegue mapear, de um lado, a sua ignorância, e de outro, o valor possível de seus conhecimentos adquiridos, você terá inaugurado as bases de uma vida intelectual brilhante.”

    “Uma consciência desperta não torna somente mais claros os conhecimentos que você já tem, mas o deixa preparado e como que potencializado para a aquisição de novos conhecimentos com muito mais aproveitamento do que antes.”

    Fonte: http://bit.do/inteligencia-e-verdade

  2. Renato disse:

    Muito bom! O caminho será por aí

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