O artigo desenvolve algumas considerações sobre as consequências da política ambiental do atual governo
(Homero Costa)
Em 2012 o cineasta Silvio Tendler lançou o documentário “O veneno está na mesa” . Os dados apresentados foram baseados no dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) de 2012 e entre outros dados, afirma que desde 2008, o Brasil era até então o que mais utilizava agrotóxicos no mundo e que 28% dos alimentos consumidos no Brasil eram inadequados e prejudiciais à saúde.
O relatório da Abrasco, citado no documentário, reuniu dados oficiais e de estudos que evidenciavam o descontrole do uso de agrotóxicos no país, com graves danos à saúde. O dossiê informa sobre a contaminação de alguns alimentos, analisados em todos os estados do País: pimentão liderava com (91,8%), seguidos do morango (63,4%), pepino (57,4%), alface (54,2%) e cenoura (49,6%).
Em 2015 foi divulgado outro relatório no qual consta que ao dividir-se a quantidade de químicos vendida pelo número de habitantes do país cada pessoa “consumiu” cerca de 7,3 litros de agrotóxicos por ano.
Em 2016 foi publicado o livro “Dossiê Abrasco: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde”, com dados de anos anteriores e o acréscimo de um capítulo. Na apresentação diz: “Não há dúvidas. Estamos diante de uma verdade cientificamente comprovada: os agrotóxicos fazem mal à saúde das pessoas e do meio ambiente”. E o capítulo acrescido é “dedicado a atualização de acontecimentos marcantes, estudos e decisões políticas, com informações que envolvem os agrotóxicos, as lutas pela redução dessas substâncias e pela superação do modelo de agricultura químico-dependente do agronegócio”.
E afirma que “Não é por falta de confirmação dos efeitos nocivos à saúde e ao ambiente que a grave situação de uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil não é revertida. O livro reúne informações de centenas de livros e trabalhos publicados em revistas nacionais e internacionais, que revelam evidências científicas e correlação direta entre uso de agrotóxicos e problemas de saúde. Essas informações foram confirmadas por diversas fontes, relatos e denúncias, no Brasil e no exterior”
Os malefícios causados à saúde pelo uso e ingestão de alimentos com agrotóxicos são óbvios. Segundo a definição da Anvisa, os agrotóxicos “são ingredientes ativos com elevado grau de toxicidade aguda comprovada e que causam problemas neurológicos, reprodutivos, de desregularão hormonal e até câncer”.
E não apenas constata, como propõe alternativas, medidas que poderiam ser adotadas, entre elas, a implantação de uma Política Nacional de Agroecologia, a produção de conhecimentos e a formação técnica/científica sobre a agrotóxicos, banindo os que já foram proibidos em outros países e uma agricultura livre de agrotóxicos, transgênicos e fertilizantes químicos.
Diversos estudos têm mostrado que o Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. Em 2019 foi publicado na Alemanha um amplo estudo sobre uso de agrotóxicos. Na matéria Ativistas criticam Bayer por venda no Brasil de agrotóxicos proibidos na UE informa sobre uma pesquisa realizada em parceria pela Rede de Desenvolvimento Alemã Inkota, a ONG Misereor e a Rede de Ativistas Associação de Acionistas Críticos na Alemanha e a publicação de um Relatório, no qual afirma-se que de suas dez páginas, duas se referem ao Brasil, e o principal dado divulgado é que de 2016 para 2019, houve um aumento de 50% no número de agrotóxicos vendidos no Brasil que são proibidos na União Européia (UE). Segundo o relatório “Um levantamento de 2016 apontou que eram oito produtos e, agora, três anos depois, são 12”.
Como diz Christian Russau, da direção da Associação de Acionistas Críticos, citado na matéria, “O Brasil é o mercado do futuro para os agrotóxicos”. Segundo ele “Os Estados Unidos já parecem ter atingido seu limite de liberações, e a sociedade da União Europeia não está disposta a tolerar mais agrotóxicos. Países como China e Índia também já estão mais conscientes. No Brasil, porém, a sociedade em geral não parece fazer tanta pressão (…) e ainda tem um governo de extrema direita despreocupado com o meio ambiente e uma bancada ruralista muito forte, que pressiona o governo para conseguir cada vez mais liberações”.
O que tem acontecido em 2019 em relação à liberação de licenças para registros de agrotóxicos é que elas seguem as tendências dos últimos quatro anos. De 2016 a 2019 houve um aumento sistemático de agrotóxicos liberados. Em 2016 foram 277, em 2017, foram 405, em 2018, 450 e em 2019, 169 – até 21 de maio, quando o Ministério da Agricultura fez a atualização da lista de registros concedidos para agrotóxicos.
Assim, comparado com 2018, corresponde a 37% e se seguir neste ritmo, o País pode acabar o ano com o mesmo nível de crescimento de produtos autorizados em 2018, o que totalizaria em torno de 900 novas licenças no período de dois anos.
Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostrou o Brasil como o campeão mundial no uso de pesticidas na agricultura. Só nos cinco primeiros meses de 2019 foram liberados 199 pesticidas para uso em lavouras. Do total, 64, ou 43% das liberações, estão proibidos em diversos países, especialmente na União Européia, um dos principais destinos das exportações do agronegócio brasileiro.
Segundo a matéria, o setor é dominado por quatro poderosos grupos transnacionais: as alemãs Bayer, que em 2018 adquiriu a norte-americana Monsanto Basf, a suíça Syngenta e a DowDuPont. As quatro dominam em torno de 70% do mercado brasileiro de agrotóxicos, que consome 20% da produção mundial.
Para Larissa Mies Bombardi, pesquisadora do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo e coordenadora do estudo Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia: “O Brasil é campeão mundial no uso de agrotóxicos. Por dois motivos: o primeiro é porque um grande país agroexportador. E o segundo é a permissividade. A quantidade de produtos que a gente permite que sejam usados.
Segundo a pesquisadora, existe um abismo entre a permissividade da legislação brasileira em comparação com a Europa e cita o glifosato, um polêmico ingrediente associado ao câncer, que levou a empresa Bayer à condenação de multa de 80 milhões nos Estados Unidos. Na matéria afirma-se que “Segundo a pesquisadora, a atrazina, por exemplo, sétimo pesticida mais vendido no Brasil e proibido na Europa, tem um limite máximo de resíduo para cana, milho e sorgo cinco vezes maior no Brasil do que o permitido na UE. Além disso, no Brasil, o limite de resíduo de glifosato no café é dez vezes maior do que na UE e, na soja, 200 vezes maior. Quanto à água potável a diferença de parâmetros é ainda maior: o limite de glifosato permitido é 5 mil vezes maior no Brasil”.
O problema continua atual. O Brasil continua a aprovar agrotóxicos proibidos no resto do mundo. O que houve desde o início de 2019 é um número recorde de registros e em três meses (março), mesmo antes da aprovação do PL 6299/2002, (conhecido como Pacote do Veneno, que pretende desregular a liberação de agrotóxicos e prevê alterações em todas as etapas do processo agrícola, desde a autorização para o uso do agrotóxico, até a exportação e importação, fiscalização e controle, transporte e comercialização dos produtos).
Aprovado em 2 junho de 2018, em Comissão Especial da Câmara dos Deputados revogou a Lei de Agrotóxicos (7.802/1989) e aguarda votação em plenário. Um dos objetivos é que seriam criadas autorizações temporárias para produtos já registrados em outros países. Além disso, produtos com “risco aceitável” passariam a ser permitidos. Apenas produtos com “risco inaceitáveis” poderão ser barrados. O problema é: quem define o que são riscos inaceitáveis?
Segundo a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, “os agrotóxicos no Brasil já representam hoje um grave problema de saúde pública, e a inserção no mercado de mais produtos agravará ainda mais os perigos aos quais a população está submetida.” Nesse sentido, o que está sendo chamado de “O PL do Veneno” é um grande retrocesso na Lei de Agrotóxicos de 1989. Entre outros aspectos ele proibia, o uso indiscriminado de agrotóxicos proibidos em outros países.
O que deveria ser discutido – e que não está sendo, pelo menos que influencie o debate no Congresso Nacional, onde as decisões são tomadas e a bancada ruralista é grande e influente – é o modelo do agronegócio que privilegia a monocultura e utiliza agrotóxicos em larga escala, que se de um lado garante o aumento das exportações, superávit na balança comercial, é preciso indagar: Em troca de que? A quem beneficia? Ou, nos termos utilizados por Luciano Valleda no artigo, publicado no dia 4 de março de 2013 (O veneno está na mesa) A que custo? Como ele diz “Com a complacência governamental, o lobby da bancada ruralista no Congresso e o apoio da grande mídia, o alto custo desse lucro não é percebido pela sociedade. Pior para o cidadão brasileiro que diariamente senta à mesa para se alimentar e, sem saber, está se envenenando”
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Homero de Oliveira Costa