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quinta-feira, 20 junho 2019

Derrubada do decreto que permitia maior acesso a armas no Brasil pelo Senado e dados sobre posse de armas de fogo são o tema do artigo do professor Homero Costa

(Homero Costa)

No dia 18 de junho de 2019 o Senado derrubou por 47 votos a 28 os decretos que flexibilizam as regras para o porte de armas. Antes da votação, o presidente Jair Bolsonaro ligou para alguns senadores para conseguir seus votos e defendeu os decretos em entrevistas, eventos públicos e especialmente nas redes sociais, pedindo para que seus apoiadores pressionassem os senadores. A estratégia não deu certa e o governo foi derrotado.

A decisão do senado não foi definitiva porque pode ser revertida na Câmara dos Deputados. O resultado da votação na Câmara é imprevisível, mas é relevante o papel que tem o seu presidente, Rodrigo Maia, que deu declarações afirmando que dificilmente será aprovado, o que deve levar o governo a buscar alternativas e questionar a decisão do Congresso Nacional no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em sua intervenção no plenário, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) se referiu ao “bombardeio de robôs, de maníacos, reacionários, que acham que não é através do diálogo, da lei e da polícia que se resolvem as coisas” defendeu que cabe ao governo garantir a segurança da população e que o presidente “deveria armar e treinar os policiais, e não deixar que as pessoas cuidem sozinhas das próprias vidas”.

O primeiro decreto sobre armas e munições foi assinado no dia 7 de maio de 2019 e alterou o Estatuto do Desarmamento. Entre outros aspectos, concede o porte de armas a 20 categorias profissionais, entre outros, a agentes públicos da área de segurança pública; Detentores de mandato eletivo nos Poderes Executivos e Legislativos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (quando no exercício do mandato); Advogados; Oficiais de Justiça, Proprietários de estabelecimentos que comercializem armas etc.), além de aumentar de 50 para 5 mil o número de munições que o proprietário de arma de fogo pode comprar anualmente.

No dia 21 de maio de 2019, foi assinado outro decreto (nº 9.997) que altera o Decreto do dia 7 de maio, revogou outros e entre as alterações, o veto ao porte de fuzis, carabinas ou espingardas para cidadãos comuns, também nova regra para a prática de tiro por menores de idade e ficou mantida a facilitação do porte de armas para as categorias profissionais do decreto anterior.

Desde o primeiro decreto, assinado no início de janeiro de 2019, eles têm sido alvo de questionamentos na Justiça, no Congresso Nacional e por especialistas em segurança. Os críticos apontam que alertam, entre outros aspectos, que além de não resolver o problema da violência, os decretos só beneficiam a indústria armamentista e pode servir como “combustível” para violência de um dos países que está entre os mais violentos do mundo.

O fato relevante é que o debate chegou ao Congresso Nacional e no dia 12 de junho de 2019, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a derrubada dos decretos que flexibilizam as regras para o porte de armas por 15 votos a 9 e no dia 18 de junho de 2019, foi confirmado no plenário, com 47 votos contra 28.

Diversos estudos demonstram que a maior difusão de arma de fogo faz aumentar a insegurança, que armas dentro de casa, em vez de propiciar segurança, aumentam as chances de homicídio, crimes passionais, feminicídios, suicídio ou acidentes fatais.

Thomas V. Conti traduziu os resumos de 48 pesquisas publicadas entre 2013 e outubro de 2017 e publicou os resultados em “Dossiê Armas, Crimes e Violência: o que nos dizem 61 pesquisas recentes” e entre outros dados revela que 90% das revisões de literatura são contrárias à tese ‘Mais Armas, Menos Crimes’ que é usada pelos seus defensores: “Das 10 revisões de literatura ou meta-análises publicadas em periódicos com revisão por pares entre 2012 e 2017, nove concluíram que a literatura empírica disponível é amplamente favorável à conclusão que a quantidade de armas tem efeito positivo sobre os homicídios, sobre a violência letal e sobre alguns outros tipos de crime”

Assim, a maioria dos estudos empíricos contradiz a tese “Mais Armas, Menos Crimes”. Segundo Conti “De 2013 até outubro de 2017, além das revisões de literatura, identifiquei 34 publicações de estudos empíricos com conclusões contrárias à ideia que o aumento do número de armas em circulação diminui a quantidade de crimes. Foram identificadas apenas 7 publicações novas com conclusões favoráveis a alguma versão da hipótese de “Mais Armas, Menos Crimes”, sendo a maioria delas textos de resposta a críticas a trabalhos mais antigos ou textos que já foram criticados posteriormente por publicações mais recentes.

O que diversos estudos empíricos têm afirmado é que leis de armas de fogo mais rígidas estão associadas a reduções nas taxas de homicídios por armas de fogo. Nos EUA, que tem uma alta taxa de violência, a facilidade para se conseguir armas é apontada como uma das principais causas.

Um estudo publicado pelo Instituto Sou da Paz “De onde vêm as armas do crime apreendidas no Nordeste?” publicado em junho de 2018, ao se referir ao aumento na concessão de registros de armas de fogo para civis, afirma que “Esta tendência, que pode ser influenciada pelo aumento da demanda motivada pela maior sensação de insegurança da população, é muito preocupante porque há estudos que demonstram que as chances de um civil armado conseguir se defender de um crime sem ser baleado é muito pequeno”.

E continua “Também há estudos que encontram uma correlação positiva entre o aumento da circulação de armas e o aumento de homicídios, visto que estas armas podem acabar sendo usadas em crimes impulsivos (de trânsito, familiares e etc.) ou é facilmente roubadas ou furtadas, passando a alimentar diretamente a violência armada”.

Os pesquisadores Renato Dick e Lílian de Moura publicaram em 2017 um trabalho intitulado “As motivações nos casos de letalidade violenta da Região Metropolitana do Rio de Janeiro” utilizando dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, mostram que nos casos de crimes letais intencionais, um número muito expressivo de mortes ocorre por questões interpessoais, como brigas de vizinho, crimes passionais, brigas de bar, etc. e assim, a posse de uma arma de fogo de quem se envolve em um conflito aumenta muito as chances de ocorrer atos de violência.

Outro aspecto importante é que parcelas significativas das armas legais são extraviadas ou roubadas e faz com que o preço da arma no mercado ilegal diminua e facilitando o acesso à arma aos criminosos. Esta foi uma das conclusões da CPI das Armas feita pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

A CPI teve por objetivo “esmiuçar e compreender a estrutura do controle de armas no Estado do Rio de Janeiro com o objetivo de identificar os pontos de desvios destes armamentos para a ilegalidade (…) investigar denúncias de desvio de armas, munições e explosivos e a consequente utilização desses arsenais por traficantes de drogas, milicianos e outros bandos, quadrilhas ou organizações criminosas no âmbito da secretaria de segurança pública e da secretaria de estado de administração penitenciária entre os anos de 2005 e 2015”.

O Relatório afirma que em 10 anos foram extraviadas ou roubadas 17.662 armas das empresas de vigilância ou segurança privada e que das armas ilegais apreendidas, 68% tinham sido armas legais num primeiro momento vendidas no território nacional e 18% tinham sido armas desviadas das Forças Armadas ou polícias e que “o exame dos números apresentados pela Polícia Federal, relativos ao roubo/furto/extravio de armas e munições das empresas de segurança privada informa que de um total de 58.476 armas de fogo pertencentes às empresas de segurança privada no Estado, 22.988 armas se encontravam em situação de “sem desvio” e 17.662 classificadas como “roubadas, furtadas, ou perdidas”, o que leva a crer que estas armas “alimentaram traficantes de drogas, milicianos e outros bandos, quadrilhas ou organizações criminosas entre 2005 e 2015”.

É um número muito expressivo que, como diz o Relatório, tem alimentado o crime no Estado, além das armas resultantes de contrabando, que somam uma quantidade enorme de armas ilegais e depois desviadas para o crime.

O Atlas da Violência 2019 lançado dia 5 de junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública, com dados referentes ao período de 2007 a 2017, revela que em 2017 ocorreram 65.602 homicídios e que 79,6% dos homicídios foi praticada por armas de fogo.

O fato é que, esse conjunto de dados, baseados em pesquisas vão contra a corrente das propostas de desmonte do controle de armas e que não há qualquer relação da difusão da arma de fogo com a diminuição de crimes nem contra as pessoas nem contra o patrimônio. Ao contrário, mostram que há evidências de que mais de armas de fogo em circulação aumenta as taxas de homicídio e, portanto, da violência.

Leia outro artigo do mesmo autor:

Guerra híbrida, lawfare e lava jato

Referências

Dossiê armas, crimes e violência: o que nos dizem 61 pesquisas recentes

De onde vem as armas do crime apreendidas no nordeste?

As motivações nos casos de letalidade violenta da Região Metropolitana do Rio de Janeiro

Relatório Final CPI das Armas no Rio de Janeiro

Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Homero de Oliveira Costa

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