Ao repetir a forma de negociar que tanto criticou durante a campanha e ampliar as tensões entre o Legislativo e o Executivo, o governo brasileiro contribui para a instabilidade política
(Homero Costa)
No curso da campanha eleitoral e mesmo depois de eleito, o presidente da República afirmou diversas vezes que não negociaria com o congresso na base do “toma lá, dá cá”, que ele afirmava ter caracterizado as gestões anteriores. Era uma crítica à forma de como se governava sob o presidencialismo de coalizão.
No presidencialismo de coalizão, como se sabe, a prática consiste em dividir o poder – e os respectivos cargos – com partidos aliados em troca de apoio no Congresso e foi chamada pelo presidente de “velha política”. Ao longo do tempo, desde o governo de José Sarney, não foram poucos os escândalos implícitos nessa forma de governar: vão desde a compra de votos para a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, passando pelo chamado mensalão, os diversos casos revelados pela Operação Lava Jato etc.
Era prática comum, entre outros aspectos, a liberação de recursos por parte do governo, às vésperas de votações, em troca de apoio de parlamentares para aprovar matérias de seu interesse.
O problema é saber se existem alternativas para o presidencialismo de coalizão e quais seriam, pois para governar há a necessidade de se negociar com o Congresso, sob o risco de não poder governar. A questão é como se dá esta articulação. Ao assumir o governo, Bolsonaro disse que só negociaria com bancadas, o que ocorreu nos primeiros momentos. Mas, depois de derrotas e embates no Congresso, percebeu que para ter os 308 votos necessários para aprovar a reforma da previdência teria que rever o encaminhamento. Então, prometeu aos prefeitos e parlamentares liberar emendas e deixar espaço na agenda para recebê-los.
Críticas não têm faltado em relação à forma como o governo tem se articulado no Congresso Nacional, inclusive de jornais conservadores como o Estado de S. Paulo, que em editorial do dia 21 de abril de 2019 afirmou que “Desorganizado, acuado e forçado a negociar antes da hora detalhes da reforma da Previdência, o governo do presidente Jair Bolsonaro falhou até hoje na execução de novas políticas de alguma relevância”.
No referido editorial afirma-se que votos continuam sendo comprados, que o troca-troca permanece em vigor e “ao mesmo tempo, o intervencionismo é reeditado e, pior que isso, praticado de forma voluntarista, numa ação de varejo, sem ser sequer disfarçado como parte de um projeto econômico”. E indaga: “É isso a nova política?”
O fato é que o sistema de barganhas permanece, mas sem método e há necessidade de se melhorar, em nome da governabilidade, o diálogo dentro do Executivo e entre os outros poderes porque o que se tem observado é que não há coordenação eficaz e definição de prioridades (até o momento, circunscrita à reforma da previdência).
Num artigo publicado no O Estado de S. Paulo no dia 10 de abril de 2019, Tânia Monteiro e Julia Lindner afirmam que “em mais um esforço para tentar aprovar a reforma da Previdência, o presidente iria reservar grande parte da sua agenda para receber parlamentares em seu gabinete na busca de votos pela aprovação da reforma, e que ele queria apressar a liberação de pelo menos R$ 3 bilhões de emendas parlamentares individuais ainda neste semestre” e que “A liberação ajudaria prefeitos e parlamentares, os quais têm reclamado da necessidade de recursos para tocar obras em suas bases. O gesto se juntará à decisão de Bolsonaro de ampliar o convite a parlamentares para acompanhá-lo em viagens pelo País” e ainda que ele “resolveu fazer gestos também para a oposição, sinalizando estar disposto a conversar. O objetivo é tentar assegurar os 308 votos mínimos para a aprovação do texto nas comissões e na Câmara, o mais rápido possível, para que a matéria siga para o Senado. A negociação de cargos nos estados também está em discussão”. Segundo a matéria, haveria disposição até mesmo de distribuição de cargos nos estados. E seriam destinados entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões para atender pedidos de deputados governistas.
O caso da reforma da previdência é relevante. A base de apoio no parlamento ainda não conseguiu ser ampliada e o que se revelou até agora foi a incapacidade de articulação e celeridade até no processo de tramitação de Propostas de Emendas à Constituição, como o que ocorreu na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania que levou quase dois meses para aprovar a admissibilidade da reforma da previdência proposta pelo governo.
Ao não ter uma articulação eficiente com o Congresso Nacional, o presidente abre o caminho para o “empoderamento” do Legislativo. Expressão disso foi a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece o orçamento impositivo, retirando do governo o poder de autorizar gastos. Agora, o Congresso pretende limitar o poder do presidente de editar Medidas Provisórias, priorizar projetos de autoria dos deputados e senadores e ainda pode atrasar a votação da reforma da previdência.
Em relação às medidas provisórias, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou um projeto limitando em cinco as MPs que o presidente poderá editar. Hoje não há limite. Como tem força de lei, elas são usadas pelo Executivo que pode evitar a demora do Congresso na análise das suas proposições.
E nem sempre tem êxito. Nos primeiros 135 dias de governo, são 30 contestações de Medidas Provisórias no Supremo Tribunal Federal, de acordo com levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo. Entre elas, o decreto que determinou o contingenciamento das universidades federais, a que trata de posse e porte de armas, e a que proíbe desconto de contribuição sindical em folha.
Ao assumir o governo, Bolsonaro disse que só negociaria com bancadas, o que ocorreu nos primeiros momentos. Mas, depois de derrotas e embates no Congresso, percebeu que para ter os 308 votos necessários para aprovar a reforma da previdência teria que mudar o encaminhamento. Então, prometeu aos prefeitos e parlamentares liberar emendas e deixar espaço na agenda para recebê-los.
O fato é que, essa forma de governar, sem articular com o Congresso Nacional, deixa o presidente em uma condição mais vulnerável, com uma frágil base parlamentar, e contando apenas com o apoio de seus seguidores nas redes sociais. Não tem o apoio incondicional nem do chamado Centrão, que reúne legendas mais fisiológicas como DEM, Solidariedade, PP, PR e PRB, que tem maioria no Congresso e que voltou a “ditar as regras” na Câmara dos Deputados, impondo sucessivas derrotas ao governo.
“O problema não é o presidencialismo de coalizão e sim as intenções na formação do governo”, afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Para ele, a decisão do presidente de priorizar a independência entre os poderes abre a possibilidade do restabelecimento das prerrogativas no Congresso Nacional.
O problema central é a inoperância do governo em suas articulações políticas, a fragilidade de sustentação de alianças no Congresso. Passados cinco meses de governo, qual o resultado da “nova política” na educação, saúde, segurança, direitos das minorias, meio ambiente e diplomacia, para ficar nestes exemplos?
Num momento de crise, quando se acirram as tensões entre o Legislativo e o Executivo, o “nó górdio” do presidencialismo de coalizão aparece: trata-se de um sistema caracterizado pela instabilidade, cuja sustentação baseia-se quase exclusivamente no desempenho do governo. E quando alianças são construídas sem programas, só na base da troca de favores, portanto, no fisiologismo sem consistência, quando há uma queda da aprovação do governo e como consequência, de apoio no parlamento, amplia-se a instabilidade política, com desdobramentos imprevisíveis.
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Homero de Oliveira Costa