Os países e seus governos têm que garantir uma engrenagem harmônica da educação e da ciência com a tecnologia e a inovação, como base de riqueza, hegemonia e liderança
(Por Vanderlan S Bolzani)
Não é preciso saber a fórmula da água para perceber que centenas de milhares de brasileiros foram às ruas ontem para se solidarizarem com todos aqueles que defendem a educação superior e as universidades brasileiras. Estas, mesmo sendo ainda tão jovens quando comparadas àquelas milenares, espalhadas em todo mundo, têm papel vital na vida de todos os brasileiros. São das universidades públicas espalhadas de norte a sul, de onde saem os professores, médicos, engenheiros, enfermeiros, dentistas, químicos, físicos, terapeutas, veterinários, biólogos, e tantos outros profissionais que constroem, dia a dia, a riqueza deste país.
Ontem, em todo o Brasil, jovens, adultos e idosos empunhando cartazes, pararam de cutucar seus celulares e passaram a gritar palavras de ordem. Uma verdadeira balbúrdia. E por que isso aconteceu? Felizmente, a ciência começa a ocupar corações e mentes dos brasileiros, e por uma razão simples: a troca de músculos por cérebros é o caminho inevitável do mundo de hoje, na dita sociedade do conhecimento. A complexidade econômica de um mundo global exige dos países e de seus governos uma engrenagem harmônica da educação e da ciência com a tecnologia e a inovação, como base de riqueza, hegemonia e liderança. Também não é necessário ser político experiente para perceber que a data marca um momento de inflexão. Se havia alguma dúvida na mente dos governantes sobre o apoio popular aos cortes na Educação e na Ciência e Tecnologia, ela agora está esclarecida. Mas não é só isso. As manifestações tornam evidente que a indiferença da população vai até um certo ponto. Quando se começa a ceifar sonhos, a indiferença dá lugar à indignação.
Os otimistas gostariam de acreditar que as manifestações do dia de ontem vão dar impulso para que se inicie, ou se retome, uma ampla discussão na sociedade brasileira sobre o papel do Estado nas questões essenciais ao país. Um debate que tenha como foco demandas centrais, que realmente importam, como o papel da educação e a necessidade dos recursos para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional. Os fatos recentes mostram que esse debate, quando existe, alcança apenas uma pequena camada da sociedade, o que torna mais fácil para o governante de ocasião destruir conquistas que foram construídas ao longo de décadas. Os desafios continuam os mesmos, isto é, fazer com que essa discussão alcance parcelas cada vez maiores da população, o que é sempre uma tarefa muito difícil. No entanto, parece haver agora uma maravilhosa energia no ar, que se espalhou por mais de uma centena de cidades, vinda da fonte promissora da juventude e dos não jovens que pensam no futuro de seus filhos, netos, bisnetos aqui na terra natal. E que lugar mais indicado para começar esse diálogo do que a Universidade?
(publicado originalmente no JC-Notícias)
Vanderlan da S. Bolzani é professora-titular do Instituto de Química de Araraquara-Unesp, e vice-presidente da SBPC
Vanderlan da S. Bolzani