As alterações climáticas irão exacerbar o risco e a carga dos vírus transmitidos pelo Aedes, incluindo dengue, chikungunya e zika, o que os torna uma ameaça significativa à segurança sanitária global
De acordo com o Ministério da Saúde, o número de casos de dengue cresceu 264% no país nas primeiras 11 semanas deste ano, quando comparado com o mesmo período do ano passado. O estado de Roraima, por exemplo, teve aumento de 6.866%. No estado de Tocantins, esse aumento foi de 1.599%. Já o estado do Ceará pode se “orgulhar” por ostentar aumento de “apenas” 81.8%, até março desse ano. O número de óbitos infelizmente também aumentou e chegou a 67% em relação ao mesmo período.
O Aedes aegypti, a espécie de mosquito popstar entre aquelas responsáveis por doenças transmitidas por picada de insetos, como dengue, zika e chikungunya, mais uma vez tem um ano para chamar de seu: 2019. A pergunta que não quer calar é: Até quando esse inseto sanguessuga continuará a sangrar os recursos da área de saúde pública, bem como atrair para si os holofotes dos sistemas de vigilância em saúde?
Se a resposta depender de um estudo publicado no final de março desse ano na revista Neglected Tropical Diseases intitulado, em tradução livre, de “Expansão global e redistribuição do risco de transmissão dos vírus transmitidos pelo Aedes em função das mudanças climáticas”, ela é: Nem tão cedo! Mais uma vez essa história de mudança climática atinge o epicentro das discussões, que, acredito, os negacionistas não suportam mais. No entanto, fazer o quê?
Os pesquisadores utilizaram um modelo empiricamente parametrizado de transmissão viral pelos vetores Aedes aegypti e Aedes albopictus em função da temperatura, para predizer o risco de transmissão global mensal acumulada nas condições climáticas atuais, bem como compará-las com o risco projetado em 2050 e 2080. Ou seja, a ideia foi entender como esses vetores se movem e qual o potencial de transmissão de doenças como dengue, zika e chikungunya, à medida que a temperatura muda. Vale lembrar, inclusive, que o Brasil atraiu para si os holofotes do mundo diante do surto de zika que assolou o país em 2015. À época, assim como hoje, a ciência nacional respondeu aos desafios à altura. E tudo isso diante de uma tesoura orçamentária impiedosa, mas aí é outra história.
Os resultados desse estudo mostram que as alterações climáticas irão exacerbar o risco e a carga dos vírus transmitidos pelo Aedes, incluindo dengue, chikungunya e zika, o que os torna uma ameaça significativa à segurança sanitária global. Os resultados mostram ainda diferenças sutis das alterações climáticas na transmissão dos vírus em função da temperatura, tanto pelo Aedes aegypti, mais tolerante, quanto pelo Aedes albopictus, menos tolerante. Ou seja, cenários mais severos de mudança climática produzem maiores exposições populacionais à transmissão pelo Aedes Aegypti. Esse estudo trouxe, além de tudo, evidências sobre as condições climáticas nas quais a disseminação desse vetor não seria evitada.
Outro ponto importante a ser considerado é que o aquecimento acentuado de determinadas regiões está associado à potencialização de diversos tipos de problemas que vão da disseminação de pragas, secas severas e problemas na agricultura até desertificação e, consequentemente, maior vulnerabilidade social. Se olharmos para os números dos casos recentes de notificação de dengue em estados como Roraima e Tocantins, pode-se até vislumbrar um cenário futuro desolador, uma vez que a probabilidade de enfrentarmos novos surtos ou sermos expostos em algum momento nos próximos 50 anos a esses e outros tipos de vírus (durante todo o ano) é muito grande.
Diante desse cenário de possível expansão geográfica desses vetores, bem como dos seus vírus, em função das mudanças climáticas em curso, o trecho de abertura da parte III (Desespero e esperança) do livro 21 Lições para o Século XXI, de Yuval Noah Harari, cai como uma luva: “Embora os desafios não tenham precedentes, e as discordâncias sejam intensas, o gênero humano pode se mostrar à altura do momento se mantivermos nossos temores sob controle e formos um pouco mais humildes quanto a nossas opiniões”. Resta-nos, então, não fecharmos os olhos para os números e para os fatos, muitos menos negá-los.
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Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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