O professor Aldo Lima, da Universidade Federal do Ceará, defende um maior investimento em pesquisas prioritárias para a resolução dos problemas brasileiros
O médico Aldo Ângelo Moreira Lima é professor titular de Farmacologia, decano do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Faculdade de Medicina, na Universidade Federal do Ceará (UFC). Nascido no Aracati/CE, há 62 anos, o personagem do Perfil do Pesquisador é o terceiro filho, numa família de seis irmãos e irmãs. A sua principal característica, a de ser bastante estudioso e metódico, marcou sua carreira profissional: integra o seleto grupo de pesquisadores de excelência no Brasil e coordena um dos oito Institutos Nacionais de C&T, da UFC, o Instituto de Biomedicina do Semi-Árido Brasileiro (Ibisab), onde atuam cerca de 30 pesquisadores.
Nossa Ciência: Como foi sua vida escolar na infância/adolescência? Onde estudou? Era um bom aluno? Era bagunceiro?
Aldo Lima: Eu sempre fui um aluno calmo, metódico e cumpridor das minhas tarefinhas. Eu fiquei no Aracati até os 15 anos. Comecei a estudar no colégio das irmãs Salesianas, o que na época se chamava ABC e que hoje é a pré-escola, e em seguida fiz os quatro anos do primário no Grupo Escolar Barão de Aracati, que era uma escola pública e era considerada uma das melhores escolas na época. Do quinto ano primário até o quarto ano ginasial, estudei no Marista. Depois vim para Fortaleza, para o Colégio Cearense do Sagrado Coração de Jesus, que também era o Colégio Marista.
NC: Havia indícios de que o senhor iria dedicar-se à ciência?
AL: Eu acho que não. O que eu tinha era uma grande dedicação a fazer as tarefas de casa. Muitas vezes acordava às cinco da manhã para fazer o dever de casa, ficar em dia com minha obrigação e ter mais tempo para as minhas brincadeiras, brincar com os colegas na rua. A professora tinha um trenzinho, de acordo com a nota mensal, e eu estava sempre entre os três primeiros da classe. Mas, isso era consequência dessa disciplina que eu tinha. Isso significa também que você só faz se gostar de fazer o dever e eu adorava resolver aquelas questões.
NC: O senhor já gostava mais das disciplinas ligadas às ciências da saúde?
AL: Eu diria que não tinha um gosto separado. Eu gostava de todas e inclusive me saía muito bem na Matemática. Sempre gostei de fazer todas elas com essa disciplina, acho que isso me ajudou muito.
NC: Quais foram as suas influências na escolha da carreira?
AL: (Antes do) vestibular eu comecei a notar que doenças e medicina me atraiam muito. Eu tinha um interesse enorme e ficava inconformado de não entender ao todo os detalhes e ficava curioso sobre a doença de uma maneira geral. Na época, a Biologia que eu estudava já trazia a abordagem da descoberta da estrutura do DNA, que tinha sido na década de 1950 e isso me empolgou bastante. Eu enxergava esse conhecimento mais específico da Biologia, como se fosse uma tabela periódica da Biologia, assim como tinha a Tabela Periódica da Química. Eu comecei a ver que aquilo era uma grande descoberta e me interessava por tentar entender mais das doenças. A partir desse ponto que comecei a vislumbrar mais a área médica.
NC: Como surgiu o interesse pelas Doenças Tropicais?
AL: Isso já foi na Faculdade de Medicina. No 5º ano, eu tive um estágio aqui no Hospital de Infectologia e todo aquele conhecimento me empolgou bastante. Quando eu fiz Residência Médica em Doenças Infecciosas, a formação na época tinha uma parte em pediatria e outra em adultos. Na pediatria, chegavam muitas crianças com desnutrição e diarreia e mesmo com a melhor dedicação de todo o corpo clínico, com um serviço de nutrição muito bom, medicação recente, antibióticos recentes, eu via várias crianças falecerem. Isso me chamou muito a atenção porque é um ciclo vicioso, onde a criança tem diarreia, entra num processo de desnutrição, a desnutrição aumenta mais a diarreia e você não consegue bloquear esse ciclo vicioso. Na época, eu disse que teria que pesquisar essa doença se optasse pela pesquisa na área médica, e acabou que eu continuei pesquisando nessa área.
NC: O senhor concorda com o termo doenças negligenciadas para também nominar as Doenças Tropicais? Elas são sinônimas?
AL: A expressão doenças negligenciadas não substitui doenças tropicais. Esse termo define doenças de importância em saúde pública, às vezes de determinados países, principalmente em países em desenvolvimento, mas também no mundo como um todo, e nas quais não são investidos recursos em pesquisa para um melhor conhecimento, para desenvolvimento de uma terapia, de um tratamento. Eu concordo com essa terminologia de doenças negligenciadas definida pela Organização Mundial de Saúde. Se não houver um órgão que priorize e valorize essas doenças, não vai ter investimento e mesmo impactando o mundo, o público não vai ser tratado, por sua condição de poucos de recursos econômicos.
NC: O senhor tem uma carreira sólida e integra um pequeno grupo de pesquisadores de alto nível. Fale de um sonho relacionado à carreira de pesquisador que ainda não conseguiu realizar
AL: Aquilo que eu imaginei em fazer na pesquisa está sendo concretizado, ou seja, quando eu entrei para a pesquisa foi no sentido de tentar conhecer uma doença que fosse importante e que pudesse ter um sentido de você se identificar e prover conhecimento que pudesse desenvolver alguma forma de prevenção e tratamento; afora esse início, o sonho que a gente tem é de ter o instituto de pesquisa (Ibisab) que nós temos, mas que ele precisa ainda de ser priorizado pelo país. O Brasil precisa começar a botar no olho na pesquisa que interesse geograficamente ao país e não ficar esperando outros conhecimentos, que muitas vezes são adaptados para cá e que não são a realidade da nossa geografia.
NC: E na outra ponta dessa mesma conversa, qual é um motivo de orgulho?
AL: Com humildade, mas ao mesmo tempo com o prazer de que deu certo ao longo do tempo. Quando eu estava voltando do exterior para o Brasil, para o Ceará, muita gente achava esdrúxulo a ideia de fazer pesquisa aqui, com todas as dificuldades que se encontra. Hoje eu posso dizer que não foi uma decisão fácil, um caminho fácil, foi um caminho árduo, de dedicação que permitiu a gente continuar a fazer pesquisa mesmo num Estado, numa região extremamente carente como a nossa, no Nordeste.
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