Uma onda de populismo de direita teve grande impulso no mundo com a vitória de Trump nos EUA e com a ascensão de lideranças e partidos populistas de direita em países da Europa e também nas Filipinas e América do Sul
(Por Homero Costa)
O editorial do jornal Estado de S. Paulo do dia 24 de fevereiro de 2019 ao se referir ao Bolsonarismo afirma que ele é, por enquanto, apenas uma caricatura mal-ajambrada de movimento populista “desses que de tempos em tempos assombram o Brasil”. No entanto “isso não significa que o País possa tranquilizar-se. Ao contrário: a esclerose precoce do governo de Jair Bolsonaro parece ter despertado no presidente o demagogo que ele sempre foi e que se encontrava apenas anestesiado em razão de conveniências políticas” e “São cada vez mais evidentes os sinais de que Bolsonaro, como governante, toma suas decisões não por razões de Estado ou como parte de alguma estratégia política de longo prazo, e sim estimulado pela perspectiva do aplauso fácil e imediato, este que brota de suas fanáticas hostes nas redes sociais – meio de comunicação caótico e irresponsável que Bolsonaro escolheu para se dirigir à sociedade, a título de estabelecer uma ‘relação direta entre o eleitor e seus representantes’, como disse em seu discurso ao ser diplomado como presidente. Desse modo, Bolsonaro equipara os atos de governo a tuítes tolos e a ‘memes’ engraçadinhos”.
O blog do Brasil Debate, publicado na Carta Capital, ao discutir esta questão afirma que “Ao contrário do que possa parecer aos olhos desatentos, a ascensão de Jair Bolsonaro não tem nada de casual ou acidental, pelo contrário, têm laços internacionais, doutrina testada e muitas semelhanças a outras ameaças no restante do mundo. O nome do movimento que colocou essa figura pouco palatável no poder e ameaça a ordem democrática é o populismo de direita, um fenômeno que, associado à internet, tem dado ao capitalismo sua forma mais radical depois da crise de 2008”.
Muitos analistas têm afirmado que não se trata de um fenômeno datado, nem no Brasil nem em outros países e que existe uma nova onda de populismo, desta vez, de direita que teve grande impulso no mundo com a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016 e que lideranças (e partidos) populistas de direita estão presentes em vários países da Europa, como Suíça, Dinamarca, Noruega, Alemanha, Holanda, Itália, França, etc., e também nas Filipinas, Argentina, Chile e mais recentemente, no Brasil. Estas lideranças e partidos, em contextos distintos, encontraram nos respectivos países as condições adequadas para prosperem
Trata-se de um populismo que desloca o debate para temas de comportamento “considerados por eles como degradantes” como casamento gay, uso liberado de drogas, aborto, compensações às minorias etc., que se associa ao crescimento do pentecostalismo conservador, aos desgastes do PT, captado por ele e também, neste novo cenário, há de se considerar como relevante o uso de plataformas das redes sociais e fake news.
Historicamente no Brasil, o populismo está associado a noções como mistificação, manipulação e demagogia e entre estudos importantes sobre o tema, duas referências clássicas: O colapso do populismo no Brasil de Octávio Ianni e O populismo na política brasileira de Francisco Weffort, publicados respectivamente em 1968 e 1978.
No Colapso do populismo no Brasil, Ianni analisa a história política brasileira e as razões do golpe civil-militar de 1964, delimitando o populismo entre os anos de 1945 a 1964, denominado de “democracia populista”. Para ele, o golpe civil-militar de 1964 foi resultado do esgotamento do “populismo” no Brasil, ou seja, do colapso de um modelo de desenvolvimento econômico característico de um período de transição (de uma sociedade de base agrária para uma sociedade urbana e industrial) conduzido pelo Estado. Essa política de massas seria uma forma de organizar, controlar e utilizar a força política da classe trabalhadora, que em virtude da sua origem rural, seu atraso cultural e sua inexperiência política, estava destituída de uma consciência de classe. Dessa forma, eram facilmente instrumentalizadas pelas lideranças carismáticas. Segundo Ianni, o comportamento dos trabalhadores urbanos era determinado pela origem rural em um contexto de transição de uma economia tradicional e de participação políticas restritas marcadas por individualismo, passividade e dependência do Estado. O resultado desse processo foi o surgimento do populismo.
Para ele, o golpe político-militar de 1964, significou o colapso do populismo, e o argumento central é o de que o populismo, iniciado nos anos 1930 com a ascensão de Getulio Vargas, entrou em colapso por conta de seu desajuste com as novas relações das classes dominantes com o contexto externo na segunda metade dos anos 1960 e destaca a importância da conjuntura político-econômica mundial para a sua compreensão.
Para Francisco Weffort, em O populismo na política brasileira, o populismo surge após um longo processo de transformação da sociedade desde 1930, e se manifestará de duas maneiras: como um estilo de governo e como uma política de massas. Para ele, a conjugação da repressão estatal com a manipulação política das massas e a satisfação dos trabalhadores ao verem algumas de suas demandas atendidas daria origem ao “pacto populista” (ele se refere à formação, no pós 1930 de um “Estado de compromisso”). Resumidamente, pode se considerar populistas líderes e governos que por meio de políticas clientelistas conseguem a submissão da classe trabalhadora, mantendo-a sob a tutela do Estado, ou seja, se estrutura com um líder carismático, que se comunica diretamente com o povo, sem a intermediação dos partidos.
O argumento central é a imposição do populismo pela conjugação da repressão estatal, manipulação política e satisfação de algumas demandas dos trabalhadores.
Para ambos, o golpe de 1964 significou o colapso do populismo. No entanto, muitos analistas têm afirmado que não se trata de um fenômeno datado, nem no Brasil nem em outros países e que existe uma nova onda de populismo, desta vez, de direita que teve grande impulso no mundo com a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016 e que lideranças (e partidos) populistas de direita estão presentes em vários países da Europa, como Suíça, Dinamarca, Noruega, Alemanha, Holanda, Itália, França, etc., e também nas Filipinas, Argentina, Chile e mais recentemente, no Brasil. Estas lideranças e partidos, em contextos distintos, encontraram nos respectivos países as condições adequadas para prosperem.
É importante considerar as diferenças entre o contexto latino-americano — e mesmo o brasileiro — e da Europa e dos EUA, por exemplo. Na Europa, um dos elementos centrais que alimenta o apoio à direita radical e populista, que não ocorre na América Latina, são os ataques a imigração, ou seja, ao influxo massivo de refugiados, especialmente a partir de 2015.
O populismo de direita vem ganhando força explorando temores da população e o descontentamento (alimentado em grande parte pela mídia hegemônica) com a política. Como explicar seu crescimento? Talvez uma resposta possível seja uma crise de representação política, na qual nem os partidos políticos nem os sindicatos são representativos e, como ocorre em vários países, uma parcela da população recorre a lideres demagogos de direita e de extrema direita.
Para se contrapor ao populismo de direita, a cientista política belga Chantal Mouffe, autora do livro Por um populismo de esquerda (Siglo Veintiuno Editores) numa entrevista publicada no jornal argentino Página/12, no dia 25 de novembro de 2018 e reproduzida no Brasil no site da Unisinos, defende um populismo de esquerda, no qual haveria uma “radicalização da democracia” baseada nos princípios da igualdade e justiça social e com um projeto anticapitalista, que não existe no populismo de direita.
Para ela, um dos fatores explicativos para a ascensão do populismo de direita na Europa foram os desdobramentos da crise de 2008, no qual existe um grupo cada vez mais reduzido de pessoas muito ricas e, por outro lado, as classes populares (e também as classes médias), em situação cada vez pior.
Num artigo publicado em 2002, Le politique et la dynamique des passions afirma que “uma das conseqüências de substituir a política pela moralidade é que a esfera pública é empobrecida pela ausência de um debate ‘agonístico’ sobre alternativas à hegemonia. Isso poderia explicar a crescente insatisfação dos cidadãos em relação às instituições democráticas liberais. Esse fenômeno é visível tanto na baixa participação nas diversas pesquisas quanto na atração dos partidos populistas de direita que se alimentam de ataques ao establishment”.
Outro aspecto importante que ela destaca é a diferença entre o populismo de direita e o fascismo que tem um projeto que coloca em xeque o Estado de Direito e as instituições da democracia e é um perigo porque diante do fascismo, a única coisa que se pode fazer é proteger-se, e “estabelecer um cordão sanitário para impedi-lo”. O problema é como fazer isso.
Embora considere importante a critica ao populismo de direita e ao fascismo, não creio que a saída seja um populismo de esquerda. No momento em que se vive uma grave crise da representatividade, com a ascensão da direita e de governos que representam os interesses dos grandes empresários e do capital financeiro, que reduzem direitos, cortam verbas para áreas essenciais e se nutrem da antipolítica e do anti-intelectualismo, o fundamental é a construção de uma frente democrática e para isso não faltam alternativas no país, como a que foi proposta por organizações da sociedade civil que em fevereiro de 2019, divulgou documento convocando parlamentares a formar a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos, afirmando que “a iniciativa se deve às concretas ameaças de retrocesso nos pilares democráticos e na garantia dos direitos humanos no país”. É esse, me parece, uma importante iniciativa em defesa da democracia no Brasil, mas que deve ir além do parlamento (majoritariamente conservador e de direita), integrando em suas fileiras todos os democratas. Democracia sim, populismo, não.
Referências:
https://www.cairn.info/revue-du-mauss-2002-2-page-178.htm#
Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
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Homero de Oliveira Costa