Diante de problemas globais, como a crise ecológica, soluções estritamente nacionais são pouco eficazes
A despeito das dúvidas que levantei ao final da primeira parte desse texto, uma que acredito que não nos resta mais − haja vista a avalanche de fatos noticiados frequentemente − é a de que vivemos uma época em que o nacionalismo de muitas nações está à flor da pele. Mas diante de problemas globais, como a crise ecológica, soluções estritamente nacionais e de alcance intramuros, como preconizadas por muitos dos movimentos nacionalistas, são pouco eficazes. Imagine, por exemplo, uma nação cuja emissão de dióxido de carbono na atmosfera é zero. Mesmo diante de uma situação como essa, digna das grandes obras de ficção científica, ela não estaria livre das consequências do aquecimento global, principalmente localizada em alguma ilha remota no oceano, como as ilhas Fiji, por exemplo.
Assim, o nacionalismo, seja de quem for, é praticamente irrelevante no sentido de impedir que recaia sobre si o ônus da questão climática. Afinal, a atmosfera do planeta é uma só, e a Lei dos Gases, ou seja, a forma como se comportam essas moléculas, tem caráter universal, não atendendo, dessa forma, a vieses intramuros. Por outro lado, esse mesmo nacionalismo pode contribuir de maneira significativa para angariar os bônus ambientais que recairiam sobre todos, uma vez que adotássemos atitudes amigáveis com o planeta. Já ao se considerar os oceanos, a questão permanece praticamente a mesma. A referida Ilha-Nação pode reciclar todo o seu plástico, de maneira que nada vá parar nas suas praias locais, porém não pode impedir que os microplásticos oriundos dos cantos mais longínquos possam encontrar refúgio nessas mesmas praias.
Outro exemplo?
No dia 24 do mês passado, completaram-se 30 anos do vazamento dos quase 40 milhões de litros de petróleo do petroleiro Exxon Valdez − um navio-tanque de 300 metros − após um choque com um recife em Prince Willian Sound, no Golfo do Alaska. Nos dias seguintes ao desastre, uma tempestade espalhou o óleo a quase 2.000 quilômetros da costa, por centenas de quilômetros de distância. Nesse caso, o nacionalismo à flor da pele, mais uma vez, esteve diante de uma situação em que pouco poderia ser feito para evitar o ônus que recaía sobre sí, mesmo que tivesse adotado as melhores práticas intramuros. A contaminação das águas subárticas relativamente frias e intocadas do Alasca, bem como da costa, cuja área era frequentada por muitas espécies de aves e mamíferos marinhos, à espera do início da primavera, tornaram o evento ainda mais midiático. As imagens de centenas de aves cobertas de óleo, mais uma vez, feriram profundamente o nacionalismo de muitos.
Há quase uma década, em 2010, outro desastre. Uma plataforma de petróleo da Deepwater Horizon, operado pela British Petroleum (BP), explodiu. Naquela ocasião, pelo menos 3 milhões de barris de petróleo bruto contaminaram o Golfo do México. Milhares de pessoas puderam acompanhar, tanto pela internet quanto pela televisão, os quase noventa dias de vazamento de forma ininterrupta, em tempo real. O nacionalismo de alguns pode muito, mas ainda não é capaz de edificar muros delimitando os oceanos.
Diante das discussões acerca dos patrocínios dessas empresas petrolíferas, diante dos sentimentos nacionalistas à flor da pele, dos desastres ecológicos ocorridos e das mudanças climáticas em curso, seria digno das grandes obras de ficção científica imaginar que o último barril de petróleo extraído, seja do deserto, seja do fundo do oceano, não valerá nada? Seria possível, de fato, que nessa data ninguém estaria disposto a comprá-lo? Ou é impossível responder a tais questões sem nem ao menos sabermos quando será o peak oil demand (ou seja, a data a partir da qual a demanda começará a diminuir ao invés de aumentar)?
Que muitos outros festivais de Ciências, como o de Edimburgo, possam ser realizados e celebrados ao redor do mundo, principalmente nos países em desenvolvimento na África, Ásia e América Latina, pois quem sabe assim sejamos capazes de responder a tantas perguntas.
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Leia o texto anterior: Os dilemas de uma época – Parte 1
Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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