Reforma da previdência exige mais sacrifícios das mulheres Artigos

quarta-feira, 3 abril 2019
(Montagem a partir de fotos da internet)

Demógrafas analisam os impactos da PEC 06/2019 para a vida das mulheres no Brasil

A Proposta de Emenda Constitucional 06/2019 do governo Bolsonaro, referente a reforma da previdência social, vai atingir todos os brasileiros que dependem da renda do trabalho e de benefícios previdenciários e assistenciais para viver, mas exigirá muito mais sacrifícios das mulheres do que dos homens, mesmo mantendo o direito delas se aposentarem um pouco mais cedo, em alguns casos.

Com a proposta, o tempo mínimo de contribuição para a previdência passa a ser idêntico para homens e mulheres e é estendido para 20 anos, contra os 15 atuais. Na regra geral, a diferença de idade para se aposentar cai para 3 anos, entre os sexos (62 anos para a mulher e 65 para o homem) e a idade mínima, nos casos das professoras e das trabalhadoras rurais, é fixada em 60 anos, igualando-se à dos homens.

Mas  mulheres são muito frequentes em trabalhos sem registro em carteira e  contribuição para a previdência  pouco presentes, como é o caso do emprego doméstico e o trabalho por conta própria. Cerca de 62% das trabalhadoras domésticas e de 68% das “por conta própria” não contribuíram para previdência, em 2018, de acordo com dados do IBGE (PNAD Contínua 2018). Mais de um terço (35,5% ou 14,5 milhões) das mulheres ocupadas, no Brasil, naquele momento, também declararam não estar contribuindo para a Previdência. Essa estatística evidencia a enorme dificuldade que grande parte das trabalhadoras já têm hoje de comprovar 15 anos de contribuição para se aposentar por idade, aos 60 anos.   A pergunta que fica é: Quantas mulheres vão conseguir alcançar um tempo de contribuição de 20 anos?

O direito atual de se aposentar cinco anos mais cedo do que os homens foi uma conquista da Carta das Mulheres aos Constituintes, de 1987.

Para as professoras e trabalhadoras rurais, como dito, a proposta é promover a igualdade das regras previdenciárias das mulheres com os homens. Nesse sentido, professoras da rede pública terão a idade mínima acrescida em 10 anos e o tempo de contribuição em 5 anos, podendo se aposentar somente aos 60 anos e após 30 anos de contribuição. Contudo, se quiserem fazer jus à integralidade da média dos seus salários, deverão trabalhar por 40 anos. Trabalhadoras rurais têm tanto a idade quanto o tempo de contribuição elevada em 5 anos, ao passo que para os trabalhadores rurais, a idade não se altera. Desse modo, a proposta penaliza de forma profunda algumas categorias profissionais com maior participação feminina e/ou que têm regras especiais de aposentadoria.

A diferenciação de tempo para aposentadoria entre homens e mulheres é justificada pela elevada jornada de trabalho exercida pelas mulheres, em função do acúmulo do trabalho produtivo com as responsabilidades pelos afazeres domésticos e cuidados com a família

Cabe lembrar que o direito atual de se aposentar cinco anos mais cedo do que os homens foi uma conquista da Carta das Mulheres aos Constituintes, de 1987, gerada por um movimento feminista que percorreu o país em busca de informações para a promoção da justiça social e do exercício da cidadania, a serem implementadas na Constituição de 1988. Essa diferenciação é justificada pela elevada jornada de trabalho exercida pelas mulheres, em função do acúmulo do trabalho produtivo com as responsabilidades pelos afazeres domésticos e cuidados com a família.

Esse trabalho doméstico não remunerado, feito cotidianamente pelas mulheres, e independentemente de sua participação no mercado de trabalho, também é uma forma de contribuir para a economia e para o bem-estar das famílias, mas acaba desconsiderado quando se pensa o sistema previdenciário apenas com base no trabalho remunerado.

Estimativas apontam que se essa atividade realizada pelas mulheres fosse remunerada, equivaleria a R$ 466 bilhões, montante superior a toda a despesa com pagamento de benefícios do regime geral de previdência do país, no mesmo ano. Comparando com PIB, esse trabalho invisível representaria cerca de 9%, no mesmo período. E segundo Felix (2017), considerando como tempo total de trabalho a soma do tempo dedicado ao trabalho remunerado e o tempo gasto com afazes doméstico, as mulheres tiveram, em média, uma sobrecarga de trabalho semanal de 7,5 horas a mais de trabalho do que os homens, em 2014. Em 30 anos, esse tempo semanal excedente dedicado pelas mulheres à sociedade corresponderia a cerca de 4,4 anos a mais de trabalho do que os homens, e, em 40 anos, a um excedente de 5,8 anos a mais de trabalho. Ou seja, a permanência da diferença de idade para se aposentar em cinco anos se justifica.

O que a proposta de reforma da previdência traz são medidas que dificultam ainda mais a aposentadoria feminina, reduzem o valor do benefício recebido por elas de forma drástica e ampliam a exclusão previdenciária de mulheres

Mas em sentido contrário à valorização deste esforço feminino com o trabalho doméstico, que é de fundamental importância para a reprodução social, o que a proposta de reforma da previdência traz são medidas que dificultam ainda mais a aposentadoria feminina, reduzem o valor do benefício recebido por elas de forma drástica e ampliam a exclusão previdenciária de mulheres. Por fim, destacamos que mesmo mantida a idade mínima de 62 anos para as mulheres, na prática, como muitas ainda não terão completado os 20 anos de contribuição exigidos, isso de maneira indireta aumentará ainda mais a idade em que as mulheres irão se aposentar.

Maria de Fátima Lage Guerra (DIEESE), Luana Myrrha (UFRN) e Jordana Cristina de Jesus (UFRN)

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Maria de Fátima Lage Guerra, Luana Myrrha e Jordana Cristina de Jesus

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