Professoras de Atuária e Demografia discutem a mudança constitucional proposta pelo Governo, que altera os dois regimes de previdência existentes no Brasil
De acordo com o Ministério da Economia (2019), a missão da previdência social é “Garantir proteção ao trabalhador e sua família, por meio de sistema público de política previdenciária solidária, inclusiva e sustentável, com o objetivo de promover o bem-estar social.” Desde de 1988, a Constituição Federal consolidou o direito à previdência para todos os trabalhadores formais no Brasil e estabeleceu dois tipos de regimes previdenciários básicos: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), direcionado a todos os trabalhadores da inciativa privada e servidores não vinculados a outro regime, e os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), os quais podem ser criados por cada ente federativo para assegurar seus servidores públicos.
Na Carta Magna, a relação de trabalho no serviço público é estabelecida de forma diferente do setor privado. Contudo, ao longo dos anos, as diferenças nos direitos previdenciários entre o setor público e privado reduziram consideravelmente e algumas regras já são mais penosas para os servidores. Exemplo é que para os servidores públicos já foi estabelecida a idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, 55 anos para mulheres e 60 para homens, o que ainda não é determinado para o RGPS. Em 2003, com Emenda Constitucional 41, os servidores perderam a integralidade da aposentadoria, isto é, o benefício deixou de ser o último salário e passou a ser a média dos 80 % maiores salários. Portanto, todos aqueles que ingressaram no serviço público após a 2003, ficaram submetidos a essa nova regra. A mudança mais recente para os servidores públicos da União foi em 2012, com a instituição da previdência complementar, de forma que todos os novos servidores públicos da União que ingressaram a partir de 2013 já têm suas aposentadorias básicas limitadas ao mesmo teto do RGPS. Portanto, diferentemente do que parte da sociedade brasileira acredita, reformas previdenciárias anteriores já alteraram os benefícios dos servidores públicos, tornando-os próximos aos dos demais trabalhadores.
Em 2003, com Emenda Constitucional 41, os servidores perderam a integralidade da aposentadoria, isto é, o benefício deixou de ser o último salário e passou a ser a média dos 80 % maiores salários.
A Proposta de Emenda Constitucional 06/2019 pretende mudar as regras de concessão de benefícios do RGPS e do RPPS, mas algumas mudanças serão maiores para os servidores. Para ambos os regimes, as alíquotas de contribuição serão progressivas, de acordo com a faixa salarial; as idades mínimas de aposentadoria serão de 62 anos para mulheres e 65 anos para os homens; para professores e professoras a idade mínima será de 60 anos e 30 anos de contribuição; a pensão por morte será equivalente a 60% + 10% por dependente adicional da Média dos Salários de Contribuição, mas poderá ser desvinculada do salário mínimo, ou seja, seus valores poderão ser inferiores ao salário mínimo; e o cálculo do benefício será 60% + 2% por ano de contribuição que exceder 20 anos x Média dos Salários de Contribuição (100%) e o valor do benefício está limitado ao teto do INSS.
Entretanto, para os servidores, o tempo de contribuição mínimo será de 25 anos, ao passo que para o trabalhador da inciativa privada será exigido 20 anos de contribuição. A redução do valor da aposentadoria por invalidez está prevista para ambos os regimes, mas para os servidores há a possibilidade de realocação a outro cargo público “mantida a remuneração do cargo de origem”, mas não se menciona aumento da remuneração caso ocupe um cargo com salário maior. Com relação às contribuições previdenciárias, os servidores poderão ser taxados por dois tipos de alíquotas, as ordinárias e as extraordinárias, essa última no caso da existência de déficit, podendo, portanto, chegar a valores maiores que as cobradas no RGPS. Para os ativos, aposentados e pensionistas, a alíquota ordinária instituída pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios não terá alíquota inferior à dos servidores da União, e no caso de observado algum déficit, não poderá ser inferior à mesma alíquota do RGPS. Porém, enquanto ativos podem pagar essas alíquotas sobre o total de suas remunerações, aposentados e pensionistas só pagarão a ordinária sobre o que exceder o teto, mas a extraordinária pode ser sobre o que exceder o salário mínimo, reduzindo ainda mais seus benefícios.
Em contrapartida, um ponto positivo da proposta em relação aos servidores públicos é o estimulo ao adiamento da aposentadoria pela manutenção do abono permanência, que consiste no reembolso da contribuição previdenciária ao servidor público em regime contratual estatutário elegível a aposentadoria que optou por continuar em atividade. Contudo, o texto diz que o abono está limitado ao valor das contribuições, ou seja, poderá ser inferior ao valor das contribuições.
Diferentemente das reformas que já ocorreram no sistema previdenciário brasileiro, a PEC06/2019 impõe penosas mudanças não apenas para os futuros servidores, mas também para os servidores ativos, ou seja, a “a regra do jogo muda durante a partida”.
Pela proposta tem-se, ainda, que a Constituição versará apenas sobre os benefícios mínimos para os servidores públicos (aposentadoria voluntária, por invalidez, e compulsória), deixando para leis complementares as definições, base de cálculo e regras de demais benefícios, como auxilio doença, licença a maternidade, etc. Também se retira da Constituição e fica a cargo de lei complementar o “modelo de apuração dos compromissos e seu financiamento, de arrecadação, de aplicação e de utilização dos recursos”. Como as Leis Complementares são mais fáceis de mudar, o servidor fica sujeito às leis futuras que ainda serão votadas. Por um lado, essa medida é positiva porque facilita mudanças que visam o equilíbrio financeiro e atuarial do plano, mas, por outro, conforme aponta o DIEESE (2019) “representa uma desconstitucionalização de parâmetros básicos do regime previdenciário dos servidores civis” o que pode facilitar medidas que penalizam o servidor com perda de direitos ou excessiva taxação.
Diferentemente das reformas que já ocorreram no sistema previdenciário brasileiro, a PEC06/2019 impõe penosas mudanças não apenas para os futuros servidores, mas também para os servidores ativos, ou seja, a “a regra do jogo muda durante a partida”. A alíquota de contribuição será maior que a do atual regime para todos os servidores que recebem acima de R$4500,00. Para aqueles que entraram no serviço público antes de 2003, a integralidade do benefício se mantém, porém a idade mínima aumenta de 55 para 62 anos para mulheres e de 60 para 65 anos para homens e se for se aposentar entre os anos 2019 e 2033 é preciso satisfazer o critério de pontuação (soma da idade e tempo de contribuição), crescente com o tempo. Para os ingressantes no serviço público entre a EC41/2003 e a criação da FUNPRESP (após 2013) e que não migraram para a previdência complementar, o critério de nova idade ou de pontuação também deve ser cumprido, porém o benefício será calculado conforme a nova regra (60% + 2% por ano de contribuição que exceder 20 anos x Média de todos os salários de contribuição). Os servidores públicos que ingressaram após 2013, os benefícios também serão calculados conforme a nova regra, mas limitados ao teto do RGPS e deverão cumprir as idades mínimas estabelecidas pela PEC. Nesse sentido, a proposta aumenta o tempo de contribuição e a idade para todos os servidores da ativa. E para os servidores que entraram após 2003, o valor do benefício também será reduzido e a garantia de 100% da média somente é alcançada após 40 anos de contribuição.
Diante do exposto, consideramos que a PEC 06/2019 tem muitas fragilidades e precisa ser debatida e votada de forma responsável, considerando todo o histórico das recentes reformas e as suas implicações não apenas para a vida dos trabalhadores, mas também para a economia e toda a sociedade. E o discurso de que os servidores públicos são os vilões da história deve ser evitado.
Nota da Redação:
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Luana Myrrha e Cristiane Silva Corrêa. Professoras do Programa de Pós-Graduação em Demografia e da graduação em Ciências Atuariais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.