Testado em Aracaju, modelo aponta nível ‘crítico’ nas condições de ciclovias e ciclofaixas da capital sergipana
Repensar a mobilidade urbana é um desafio que envolve vários aspectos sociais, como questões econômicas e ambientais para melhorar a qualidade de vida. Nessa discussão, uma alternativa que está sendo debatida é a presença da bicicleta no trânsito como uma opção de transporte diário. Porém, mesmo com um alto número de ciclistas, a ideia ainda não é tão disseminada.
Ao observar essas necessidades, o pesquisador José Waldson Costa de Andrade construiu o primeiro índice para avaliação da ciclabilidade em uma cidade, utilizando Aracaju como pontapé da pesquisa. A inquietação pessoal foi a grande motivação da sua tese. Em 2007, ele fundou a organização “Ciclo Urbano” para pesquisar a utilização de bicicletas e, desde então, participa de movimentos que debatem o tema.
O objetivo é identificar se as cidades são “amigas” da bicicleta e mostrar como um projeto bem estruturado é capaz de modificar a lógica individualista que pode ser percebida no espaço urbano. “A cidade mais ‘ciclável’ do mundo é uma cidade onde o trânsito seja compartilhado de forma equitativa e isso faz parte dos desafios da ciclabilidade. Existe uma dificuldade muito grande que é a infraestrutura e o que se vê é uma política de desincentivo à mobilidade”, diz José Waldson.
O trabalho levou em conta não só critérios qualitativos de ciclovia (como qualidade de piso e sinalização), mas também aspectos ambientais, técnicos e sociais. O fruto dos apontamentos foi a construção do Índice de Ciclabilidade com cinco categorias e 12 indicadores (veja infográfico).
O pesquisador aplicou utilizou o modelo em quatro ciclovias ou ciclofaixas de Aracaju: a ciclofaixa da avenida Augusto Franco (Rio de Janeiro) e as ciclovias das avenidas Tancredo Neves, Beira-Mar e Heráclito Rollemberg (veja no mapa). O resultado – em média ponderada – de 1,31, é considerado crítico e insatisfatório (veja infográfico).
Segundo as conclusões do trabalho, o menor índice foi conferido à ciclofaixa da avenida Augusto Franco. “Esta infraestrutura apresenta vários indicadores insuficientes que devem ser considerados como prioridade na execução de projetos e programas de melhoria viária e de sinalização. Para reverter esta situação, ações simples e planejadas, sem altos investimentos, podem contribuir para uma melhor circulação e conforto para os usuários”, disserta José Waldson em sua pesquisa.
O índice, porém, não aumenta tanto quando analisada a melhor pontuação entre os trechos verificados na cidade, a da ciclovia da avenida Heráclito Rollemberg. “O que mostra que algumas necessidades de intervenção são comuns a todas as áreas de pesquisa, fato este que já é de conhecimento da população”, aponta ainda o trabalho do pesquisador.
Construção da pesquisa
José Waldson começou a desenvolver sua pesquisa pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema) da Universidade Federal de Sergipe (UFS) em 2015 para trabalhar com unidades de conservação, mas por não se identificar com o tema, resolveu mudar seu foco. Somente em 2016 ele decidiu realmente trabalhar com a questão das bicicletas em Aracaju.
“A construção do processo metodológico teve seus pilares na troca de saberes. Da minha parte o saber acadêmico, e da parte do Waldson o saber e a vivência na militância em movimentos ligados com a mobilidade urbana e também a experiência como usuário das ciclovias”, afirma a orientadora da dissertação, professora Laura Gomes.
Com o novo tema definido, a dissertação foi construída a partir da observação das cinco ciclovias mais utilizadas na cidade e a contagem de ciclistas foi um dado fundamental. Para fazer essa contagem, Waldson estipulou dias e horários específicos para cada ciclovia, de acordo com critérios da engenharia de tráfego.
“Não fazíamos contagens nem dia de segunda, nem de sexta, nem véspera de feriado. Nos outros dias, ficávamos de 6h até 21h de forma ininterrupta na ciclovia e todo ciclista que passava, a gente contava. Levamos em conta área de entrada e área de saída de cada um e traçamos características como horário, tipo de bicicleta e uso de capacete”, explica o autor do trabalho.
De acordo com a professora Laura, o trabalho traz uma sensação de ânimo para o campo acadêmico. “Cada pesquisa que realizamos, mesmo com dificuldades financeiras, é uma resposta da importância do nosso papel na pesquisa brasileira. Esperamos que de fato, nossos estudos sejam compreendidos pela sociedade e que venha a contribuir para a consolidação de uma sociedade mais justa e sustentável”, afirma.
Desafios e constatações
Apesar de já ter bastante vivência na área, José Waldson não pôde deixar de observar algumas surpresas no caminho. Segundo ele, a grande quantidade de mulheres pedalando foi algo inesperado que trouxe um lado positivo nos resultados obtidos. Porém, a falta de iniciativa do poder público em melhorar as condições para utilização das bicicletas ainda é algo grave que impede um bom desenvolvimento urbano.
“A gente luta tanto para que as pesquisas ultrapassem os muros da universidade, mas percebemos que o governo ainda não tem percepção de que deve colher essas informações que a academia está produzindo”, diz José Waldson.
Além disso, é preciso conscientização por parte de toda a população para que possa existir um bom compartilhamento do espaço público. No entanto, José Waldson avalia que, independente das dificuldades ainda existentes, a tese já é uma grande conquista.
“O peso científico tem muita importância para validar a pesquisa. Como o Ciclo Urbano trazia muita experiência prática, nós não tínhamos respaldo teórico para firmar o que acontece com Aracaju. Agora, a pesquisa nos proporcionou isso. Consegui atingir meu objetivo e fiquei muito satisfeito, mas me sinto agora muito desafiado a continuar. Isso aqui ainda é apenas uma parte do meu sonho”, afirma o pesquisador.
A dissertação pode ser baixada no Repositório Institucional da UFS.
Fonte: Ascom da UFS
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