Marjory Abreu discute papel da mulher na ciência e denuncia machismo naturalizado nas instituições acadêmicas
Ela passou em primeiro lugar no concurso para o cargo de professora na área de Inteligência Artificial na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e é feminista. As duas informações estão publicadas no seu currículo na Plataforma Lattes do CNPq, cujo texto inicial está em inglês. Marjory Cristiany da Costa Abreu é professora no Departamento de Informática e Matemática Aplicada da UFRN. Engatou no doutorado em Engenharia Eletrônica, na Universidade de Kent, na Inglaterra, em 2010 um pós-doc na mesma universidade em 2011. Em 2016, depois de ser laureada pelo Fundo Newton, um fundo oferecido pelo Reino Unido a pesquisas relevantes, fez o segundo pós-doc, dessa vez na Universidade de York, também na Inglaterra, onde mantem colaborações importantes para seus estudos em computação.
Assim como na condição de cientista, tem destacada atuação como feminista. Nas palestras que dá, explica o conceito de feminismo como sendo a defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Na quinta, véspera do Dia Internacional da Mulher, dividimos uma mesa na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), juntamente com a professora Ana Dantas, dos quadros da UERN, no Seminário sobre Gênero, Cidadania e as Lutas das Mulheres e que teve como tema Mulheres na Ciência.
Você tem desafios em todas as instâncias. Desde a gestão, que não lhe vê tão capaz quanto o seu colega homem, até os alunos, que não lhe veem tão capaz quanto os professores homens. É um desafio diário
Na entrevista que concedeu para Nossa Ciência, Marjory Abreu revelou que ainda é muito difícil para as mulheres atuarem nas áreas de ciências exatas, tecnologia, engenharias e matemática (STEM, na sigla em inglês) e que elas são expostas a diversas situações de preconceito. Como exemplo, a professora disse que há casos de alunos homens, que são maioria nesses cursos, duvidarem da capacidade de professoras em ministrar aulas de programação ou outros assuntos que eles acreditam que homens tem mais proficiência. “Então você tem desafios em todas as instâncias. Desde a gestão, que não lhe vê tão capaz quanto o seu colega homem, até os alunos, que não lhe veem tão capaz quanto os professores homens. É um desafio diário”, garante.
Modelo para meninas
Mais do que ensinar, o papel das professoras dos cursos mais reconhecidamente identificados com homens, é o de ser modelo para meninas, para que elas compreendam que aquele é, sim, um lugar para mulheres. Mas ela reconhece que as dificuldades para as mulheres não estão apenas no acesso aos cursos. “Muitas delas sofrem assédio, discriminação, são colocadas em papéis mais de cuidado ou mais de criatividade, como fazer o relatório, por exemplo. Muitas vezes, elas são prejudicadas na formação e acabam fazendo coisas que não envolvem a parte “difícil” do curso, tudo isso porque elas são mulheres”, denuncia.
Reconhecer-se como protagonista de sua própria história é condição básica para as mulheres que atuam nas STEM e que decidem ter uma voz crítica ao machismo corrente nas instituições. Dar a palavra primeiro às mulheres, tecer comentários sobre a aparência física delas, ainda que elogiosa, em detrimento de comentários sobre seu trabalho são ações machistas quase naturalizadas. A cientista repudia a associação entre mulher e beleza, questão irrelevante no ambiente acadêmico. “Eu não estou ali porque eu sou bonita. Eu estou ali porque eu fiz um concurso, porque eu tenho capacitação intelectual, porque eu tenho capacidade”, impacienta-se. Ela garante que combate os comentários que associam a mulher com a beleza e não como um ser pensante. Na sua opinião, o cavalheirismo é um machismo que a mulher gosta, mas ele não deve existir. “A gente tem que ter direitos iguais. Então a gente tem que combater desde a raiz, o machismo que acontece e é naturalizado.”
Muitas vezes, elas são prejudicadas na formação e acabam fazendo coisas que não envolvem a parte difícil do curso, tudo isso porque elas são mulheres
Resistir e não pirar
Marjory afirma que o fortalecimento do movimento feminista nos últimos cinco anos teve como consequência a discussão das questões de importunação sexual, de assédio e dos comportamentos machistas que sempre aconteceram nas universidades. “As instituições foram obrigadas a discutir, a começar a se posicionar, mas no Rio Grande do Norte, nas instituições que eu conheço, pelo menos, ainda deixa muito a desejar”, lamenta e defende a adoção de políticas claras de combate ao machismo.
Resistir para tentar não perder os direitos já conquistados. Essa é a principal oportunidade que a cientista-ativista-feminista enxerga no 8 de março para as mulheres. “A batalha da mulher no Brasil está mais em ser resistência, mas tem que se cuidar e tentar não pirar. Acho que chorar não vai resolver, a gente tem que continuar lutando e tentar não perder os direitos do corpo da gente, os poucos direitos legais que a gente conseguiu conquistar. Não podemos desistir”, conclama.
Mônica Costa