Baseado na biografia de Michael Faraday, o professor Helinando Oliveira prega a igualdade de oportunidade como meta da educação
Há um debate recorrente na sociedade sobre o papel da Universidade e o perfil dos universitários. E o foco evidentemente permeia a questão das cotas, dos pobres, da formação… Se a universidade for para uma elite intelectual, de fato, estaremos fechando suas portas para os mais pobres, os menos favorecidos. Sem os pobres na Universidade, o que a ciência perderia?
Para entender um pouco da complexidade desta pergunta, contaremos a história de Michael Faraday, um dos maiores experimentadores da história da ciência. Sua vida não foi conduzida por nobreza ou luxos – muito pelo contrário. Nascido em família pobre, Michael precisou abandonar os estudos aos 13 anos para trabalhar como entregador de livros. Mais tarde passou a encadernador, morando na casa de seu empregador. E mesmo em situação crítica, o interesse pelos livros guiou o jovem Faraday a um futuro brilhante: um dos livros que despertou o seu interesse foi “Conversations on Chemistry”. Com o apoio de um amigo que pagava as suas entradas, Faraday passou a assistir as aulas do químico Humpry Davy – e estas aulas foram ainda mais cruciais para o futuro daquele jovem brilhante. Sem o financiamento de um apoiador (uma política caseira de cotas a estudantes em condição de vulnerabilidade), Faraday nunca teria apresentado o seu brilhantismo a Davy, não seria seu assistente – não entraria para a ciência pela porta da frente.
Faraday descobriu o benzeno a partir de óleos naturais, trabalhou com os conceitos da eletricidade e do magnetismo, incorporou os conceitos de indução eletromagnética, criou o motor eletromagnético, desenvolveu a eletrólise, criou os conceitos de anodo, catodo, eletrólito… Em sua homenagem, a unidade de medida da capacitância é o Farad (F).
Outro aspecto fundamental do perfil de Faraday foi relacionado ao seu interesse em divulgar a ciência entre os jovens, certamente por um sentimento de gratidão à ciência e pela esperança de ver esta ciência como uma conquista humana, voltada aos interesses do planeta. Prova maior disto foi a sua postura ética em se manter distante de projetos envolvendo armas químicas para uso na guerra da Crimeia.
E a identificação com suas origens o fez manter uma distância segura da “elite intelectual”. Recusou o título de cavaleiro (sir) e para o pós vida não aceitou a honraria do enterro na Abadia de Westminster. Os preconceitos que o perseguiram por toda a vida foram vacinas que garantiram a humildade deste que fora considerado por James Clerk Maxwell um gênio da ciência.
Por esta e outras histórias de persistência e dificuldade, chegamos ao cerne da questão: quantos Faradays da periferia brasileira serão jogados fora por não serem parte de uma elite intelectual? A educação continua sendo a única forma de rebeldia contra o sistema e toda e qualquer elite. É para descontruir tudo o que já estiver engessado que a ciência precisa ser popular e acessível. Lápis, caderno e livro… Para o filho do juiz e para o filho do ferreiro. Assim surgiu Faraday e assim será para muitos outros gênios. Igualdade de oportunidade, esta é meta.
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Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).
Helinando Oliveira
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