Livro de Rachel Carson é apontado pelo professor Eduardo Sequerra como importante fonte de informação para nossas políticas de preservação
Acabamos de assistir a uma entrevista com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, onde o mesmo afirmou que carece de livros que o inspire na luta pelo meio ambiente (desculpem se eu estou me repetindo). Bom, me compadeci e resolvi sugerir um livro que mostra como olhar para a fisiologia dos embriões é importante para nossas políticas de preservação, entre outras “coisitas” mais. O livro em questão é a Primavera Silenciosa, de Rachel Carson.
O projeto de Carson foi primeiro publicado com uma série de textos na revista New Yorker no ano de 1962. Após isso, no mesmo ano, seus editores publicaram esse livro, que se tudo der certo, em breve estará entre os top 10 do ministro. Não preciso falar aqui de como após a segunda guerra mundial, nossa sociedade foi invadida pelo ímpeto da indústria petroleira em dominar o mercado de produtos com o plástico e outros derivados do óleo negro. Apesar de a indústria afirmar que os agrotóxicos são específicos para os organismos os quais sua aplicação visa exterminar, hoje sabemos que estes estão relacionados ao aparecimento de cânceres e doenças metabólicas em humanos adultos. E foi nisso que a Primavera Silenciosa foi pioneira. Foi a primeira publicação a juntar todas as evidências de que pesticidas, como o DDT, estavam envenenado seres humanos e animais selvagens. Por ter tido contato com diversos agentes importantes para a regulação destas substâncias, Rachel também denunciou a política de desinformação desta indústria, que contava inclusive com funcionários públicos.
O DDT, que na época era borrifado para o extermínio de mosquitos e outras pragas, não pode ser quebrado pelo metabolismo de vertebrados. Isso é, ele bioacumula. Quanto mais você colocar DDT pra dentro, mais terá. Se você for um topo de cadeia, vai acumular o DDT que outros animais comeram. No Brasil, o DDT foi banido pela lei nº 11.936 de 14 de maio de 2009. Mas o mesmo possui meia vida de 15 anos no meio ambiente, o que quer dizer que pode levar 100 anos para que o mesmo atinja concentrações em que tenhamos certeza de que o DDT do solo não vai contaminar mais ninguém. Nos EUA, ele foi banido em 1972, mas mesmo assim a maioria dos americanos ainda possuem DDT em seus corpos.
Nossa, e se um adulto cheio de DDT resolver produzir um embrião? DDT causa o afinamento da casca de ovos de aves, em especial das predadoras. Cascas frágeis levam a uma maior probabilidade de ressecamento do embrião e facilitam a predação. Acontece que o DDT, e um de seus metabólitos, o DDE, inibem a ligação entre testosterona e o receptor de andrógeno, o que causa um subdesenvolvimento da glândula de casca. Estas glândulas possuem capilares deficientes em anidrase carbônica, a enzima crítica para o acúmulo de carbonato de cálcio no ovo. DDE ainda inibe a síntese de prostaglandinas necessárias para o transporte de cálcio pela glândula.
Outro problema em relação a químicos que desregulam hormônios é que às vezes seus efeitos estão muito separados temporalmente do período da contaminação. Em 2011, Cohn e colaboradores publicaram um estudo iniciado em 1945 que acompanhou mulheres por 50 anos. Estes autores dosaram a quantidade de DDT no sangue das pacientes retirado em 1945 e separaram as amostras em três grupos, em relação aos níveis de contaminação. O que eles observaram foi que meninas contaminadas que tinham menos de 14 anos em 1945 tinham uma probabilidade mais de 5 vezes maior de desenvolver câncer de mama mais tarde na vida. E quanto mais jovens a probabilidade era maior. Isso mostra que existe uma janela de suscetibilidade quanto à exposição de DDT e seu efeito sobre a formação de cânceres. Meninas com 14 anos em 1945 não tinham maior probabilidade de desenvolver câncer, mesmo as mais contaminadas. Também mostra que a distância entre a contaminação e o efeito pode ser enorme. Quantas pessoas vocês imaginam que já morreram de câncer e não temos a menor ideia de seu histórico de contaminação na infância? Precisamos ser mais duros com as licenças sobre estes químicos. E pelos motivos explicitados aqui, as pesquisas sobre eles devem ser longas.
Bom, aconselho que vocês também procurem as consequências da publicação da Primavera Silenciosa para a vida da Rachel Carson (você também ministro!). Este é um bom exemplo de como a indústria pode ser agressiva com cientistas que resolvem mostrar o que ela anda aprontando. Imagina que até de comunista ela foi chamada… Aliás, ministro, você acredita mesmo nesse tal de autolicenciamento?
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Eduardo Sequerra
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