Segundo relatório divulgado recentemente por lideranças científicas, a comida que comemos e a forma que a produzimos determinam a saúde das pessoas e do planeta
Estima-se que, por volta do ano de 2050, 10 bilhões de indivíduos da nossa espécie estarão habitando o planeta Terra, o qual muitos preferem chamá-lo de nosso. Não é preciso muito esforço cognitivo para se fazer a seguinte indagação: como alimentar tamanha população com uma dieta saudável e sustentável, isto é, que não destrua o planeta? É possível conseguir tal façanha sem, entretanto, transformar os hábitos alimentares das pessoas?
Em um texto anterior (A cara da fome), falei um pouco sobre a desigualdade global que há no acesso aos alimentos. Para tornar mais clara essa questão, mostrei dados recentes da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), segundo os quais há mais de 800 milhões de pessoas passando fome, enquanto mais de 2 bilhões de pessoas estão com sobrepeso ou obesas. Em determinadas partes do planeta, consome-se algumas vezes o necessário em carne vermelha, como no caso dos EUA, enquanto em outras, como em algumas regiões da África Subsaariana, segue-se uma dieta quase que exclusivamente baseada em vegetais ricos em amido, como a mandioca. Isso, é claro, sem falar nas regiões onde o alimento não chega nem é produzido. Algumas regiões do nosso País reproduzem bem esse padrão global, infelizmente.
Por tudo isso, nossos desafios são enormes e prementes, tanto no que diz respeito ao acesso de alimentos quanto em relação à má nutrição, bem como acerca dos sistemas de produção alimentar. Um relatório divulgado recentemente pela prestigiada revista científica The Lancet, intitulado em tradução livre de “Alimentação no Antropoceno” e direcionado, principalmente, para os dois últimos desafios, virou manchete nos principais veículos de comunicação do mundo. O referido relatório, elaborado por mais de 30 lideranças científicas de 16 países, propõe uma “dieta planetária” saudável a partir de um sistema alimentar sustentável, tudo isso com vistas a transformar drasticamente as dietas e a produção de alimentos.
A repercussão de tal relatório deve, entre outras coisas, ao seu pioneirismo, já que é o primeiro esforço mundial para definir metas científicas confiáveis e uma visão clara do que seria necessário para alimentar cerca de 10 bilhões de pessoas até 2050, de forma sustentável e nutritiva, dentro de limites ambientais seguros. É algo equivalente ao Acordo Climático de Paris e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ambos das Nações Unidas. Porém, o “consenso científico” que se criou agora alia nutrição e sustentabilidade.
Mas afinal, que dieta é essa? Baseia-se, essencialmente, na duplicação do consumo de nozes, frutas, verduras, legumes e na redução pela metade do consumo de carne e açúcar. As dietas não saudáveis são uma das principais causas de doenças no mundo. A obesidade e o sobrepeso, por exemplo, estão associados a inúmeras doenças. Por outro lado, a produção de alimentos, em especial, aquela associada com práticas agrícolas predatórias, tem devastado o meio ambiente, o que tem potencializado as mudanças climáticas.
Segundo Tim Lang, um dos integrantes da comissão internacional “A comida que comemos e a maneira que a produzimos determinam a saúde das pessoas e do planeta, e atualmente estamos errando seriamente”. Portanto, como advertem os especialistas no relatório, “se o mundo seguir a dieta planetária, mais de 11 milhões de mortes prematuras poderiam ser evitadas a cada ano, enquanto as emissões de gases do efeito estufa seriam reduzidas e mais terra, água e biodiversidade seriam preservadas”. A comissão internacional destaca, ainda no relatório, que o aperfeiçoamento das práticas agrícolas; a redução da perda e do desperdício de alimentos e, principalemente, a diversificação das proteínas em dietas são questões emergenciais sobre as quais se deve dar prioridade. Em relação a essa última, é importante destacar a necessidade de contemplar as demandas locais e sazonais.
Um estudo publicado semana passada na revista PLOS ONE, intitulado em tradução livre de “Mudanças regionais e globais na diversidade de culturas durante o Antropoceno”, mostra que estamos caminhando exatamente no sentido contrário da diversificação de proteínas da dieta. Basicamente quatro culturas, soja, trigo, arroz e milho, por exemplo, ocupam quase 50% das terras agrícolas do mundo, enquanto todas as demais ocupam o resto. Essas monoculturas comercialmente valiosas têm sobrepujado a utilização de outras culturas vegetais na alimentação, subjugando, assim, a valorização e, consequentemente, a preservação de toda a agrobiodiversidade existente.
É necessária uma nova revolução agrícola global? Certamente. Embora boas práticas já estejam em voga, como a integração lavoura-pecuária-floresta. Portanto, respondendo as duas perguntas iniciais, é possível sim alimentar de maneira saudável e sustentável todo o montante de gente estimado pelas previsões estatísticas, desde que sejam transformados os hábitos alimentares das pessoas. A dieta planetária é um salto importante. Se pequeno ou grande, vai depender da sua implementação. Por fim, falar sobre Saúde Pública é falar sobre um leque muito grande de questões. É falar sobre o ar que respiramos, sobre a água que bebemos, sobre o NOSSO SUS (no caso do Brasil!), como também sobre os alimentos que consumimos. Todos que se enquadram nesse leque refletem bem a nossa conexão com o ambiente natural e com o planeta que muitos insistem em chamar de nosso.
A Coluna do Jucá é atualizada às quintas-feiras. Leia, opine, compartilhe, curta. Use a hashtag #ColunadoJuca. Estamos no Facebook (nossaciencia), no Instagram (nossaciencia), no Twitter (nossaciencia).
Leia o texto anterior: A Tabela Periódica tem um ano para chamar de seu: 2019
Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
Deixe um comentário